segunda-feira, fevereiro 27, 2023

Do êxtase ao wifi

Hedy Lamarr

 

Ao desafio abaixo lançado -- Qual a cientista mais bela e mais improvável de sempre? -- apenas o João respondeu e, honra lhe seja feita, foi uma entrada directa para bingo.

Temos todos em nós vários preconceitos. Ninguém lhes escapa.

Um deles é que uma mulher bonita dificilmente é muito inteligente. Dá ideia que a malta pensa que, no momento da criação, há um número limitado de atributos positivos para distribuir. Ou bem que vão para a beleza física ou bem que vão para os neurónios.

Simetricamente, há o preconceito de que as inteligentes pouco devem à beleza. 

Claro que isto se aplica a ambos os sexos mas, reconheçamos, maioritariamente às mulheres.

Inclusivamente a coisa refina a nível de vocações. Não sou de ciúmes mas devo referir que, quando andei tomada de amores por um candidato a engenheiro, não me preocupava nem um bocadinho com os retiros em trabalhos de grupo com as colegas de quem ele era muito amigo pois tinha a ideia que as engenheiras eram, por definição, feias, mal jeitosas, pouco femininas. 

Mesmo a nível profissional voltei a encontrar esse absurdo preconceito: para os meus colegas homens as engenheiras eram o que se sabia. Giras, giras, para eles, eram as advogadas. 

Disparates.

Nem beleza nem inteligência são cartão de identidade ou cartão de visita nem esses ou quaisquer outros atributos são exclusivos de grupos pois são características individuais não passíveis de generalizações.

Mas se estes preconceitos subsistem até aos dias de hoje, imagine-se há quase um século.

Se era bela, voluptuosa, sensual, então jamais poderia ser cientista, inventora.

De Hedy Lamarr disse o realizador Max Reinhardt, em 1930, que era a mais bela mulher do mundo. 

Diz-se que as suas feições perfeitas, a tez de veludo, os olhos grandes e claros e os lábios bem definidos serviram de inspiração para a Branca de Neve e para a Cat Woman. 

Não cantava nem dançava mas isso não a impediu de deslumbrar no cinema, claro. 

Hedy Lamarr no primeiro nu integral do cinema 


Hedy Lamarr na primeira cena de orgasmo em cinema, também no filme Êxtase

Presos à sua beleza, à sua desinibição e ao erotismo que se desprendia dos seus movimentos e expressões,  ninguém prestou muita atenção à sua invulgar inteligência, um QI próximo do de Einstein.

Quando chegava a casa, a sua mente, que fervilhava, dedicava-se a encontrar soluções tecnológicas para alguns dos maiores problemas da altura: os que se relacionavam com a guerra que atormentava o mundo.

Traduzo (às três pancadas, com o google translator como acelerador): 

Dos estúdios de Hollywood à invenção do wifi, o destino incomum da estrela Hedy Lamarr

Quando os Estados Unidos entraram na Segunda Guerra Mundial após o ataque a Pearl Harbor em 7 de dezembro de 1941, a atriz resolveu que haveria de inventar uma arma capaz de fazer vencer a guerra ao seu país adotivo. Ela lembrava-se das conversas do ex-marido. Sabe que os mísseis da Marinha dos EUA são facilmente rastreados pelos U-Booote alemães porque eles comunicam-se com o expedidor por meio de uma onda de rádio. Com a ajuda de seu amigo, o compositor vanguardista George Antheil, Hedy imaginou mísseis equipados com outro sistema de transmissão de dados, onde apenas o míssil e seu remetente saberiam a série de frequências utilizadas. Para os U-boote, essas mudanças pareceriam aleatórias, tornando-se-lhes impossível acompanharem o progresso das máquinas americanas. Hedy Lamarr e George Antheil conceptualizam assim um princípio de transmissão fundamental em telecomunicações: a dispersão de espectro por salto de frequência.

O exército aceita receber a dupla de acrobatas, mas não os leva a sério... Bem, pelo menos não antes da crise dos mísseis cubanos em 1962! A partir da década de 1980, a sua invenção permitiu o desenvolvimento do GPS, Wi-Fi e Bluetooth. Quando Antheil morreu em 1959, Hedy Lamarr permaneceu sozinha, cercada pelo prestígio de sua criação. Em 1997, aos 83 anos, recebeu o prémio Electronic Frontier Foundation. Hoje, a encarnação da venenosa Dalila no inesquecível filme de Cecil B. DeMille tornou-se a madona fatal dos geeks. E a santa mãe do wi-fi.

Em vídeo em francês 


Em vídeo, em língua inglesa:


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2 comentários:

ccastanho disse...

UJM.

Ainda havia um 3º atributo numa mulher: ter cara de inteligente.

Conheço uma menina, hoje, já senhora, no grupo de aspirantes a engenheiros Ela, era a única rapariga no grupo quando decidiam partir para a farra nas tascas alfacinhas.
Nessa altura no IST, as raparigas estavam em larga minoria. Hoje é o contrario, em toda o lado.

Um Jeito Manso disse...

Olá Ccastanho,

É verdade. Era costume em Letras imperarem as raparigas e no Técnico os rapazes.

Muito mudou nos últimos anos.

Vê-se por quem se candidata a empregos. Mas agora há outra variável: a da nacionalidade. Há imensos brasileiros/brasileiras a candidatarem-se. E são bons! E trazem um cheirinho a alegria na forma como comunicam.

Um dia bom!