quarta-feira, outubro 19, 2022

A limpeza continua. As histórias suculentas também.

 

O dia esteve animado com reuniões, telefonemas e problemas de todas as cores e sabores. 

Mas, no intervalo, ao almoço, voltei à limpeza geral. À medida que avanço no desbasto vou radicalizando. 

Make my day, penso quando dou com uma fiada deles que podem virar pó digital num piscar de olhos.

A alguns daqueles mails que, ao princípio, olhava com respeito agora já pouco respeito me merecem. Penso: mas alguma vez na vida vou voltar a lê-los? ou há algum motivo para precisar de consultá-los? E, pimba, não há cá segundos pensamentos, vai delete de cabo a raso.

Depois de jantar, pensei: vou ordenar por dimensão. Xiiiiihhh. Já nem me lembrava... Havia uma que fazia apresentações pesadíssimas, carregadas de imagens e animações desnecessárias, palha, palha, palha. Cada mail para cima de 20MB. Um disparate. Carradas de abóboras gigantes. Olhei para aquilo e, trás, uma página deles para o galheiro. Sempre achei até falta de respeito invadir a caixa de correio alheia com ostentações e intermináveis pormenores, megas e megas. Jamais voltaria a ter paciência para slides e slides de bonecada e palha. Lixo. 

Depois fui parar a um de quem também já mal me lembrava. Tinha o absurdo hábito de mandar todos os mails com meio mundo em conhecimento. Daquelas pessoas que chuta a responsabilidade para os lados, para cima, para baixo e para os cantos. Ecrãs cheios de tretas que ele enviava para meio mundo. Pensei: se já na altura a vontade que tinha era apagar instantaneamente tudo o que ele mandava, para que é que ainda estou a guardar isto? Pimbas. Delete forever.

Depois dei com outra pilha deles, facturas enviadas para conferência por uma anafada Isabel a quem tratavam por Belinha. 

Isto naquela fase pré-histórica em que ainda não havia workflows automatizados. Digitalizavam as facturas num scanner e anexavam-as aos mails e o workflow funcionava artesanalmente. O responsável directo conferia e ele próprio enviava o mail para o responsável. Uma das guardiãs do processo era a boa da Belinha, por sinal a mais santa das criaturas. Estava sempre disponível, se alguém tinha dúvida sobre o que quer que fosse mesmo que fosso enrolo antigo, ela farejava arquivos onde quer que estivessem, vivos ou mortos, e aparecia com o processo. Tudo no mais low profile. Sempre de saia e blusa mas daquelas saias e blusas que não têm história. Podia ser freira sem hábito. 

Até que um dia, depois das férias, ao perguntar: 'E aí? Novidades?', alguém disse: 'Não vai acreditar! O impossível aconteceu! O Idalino largou a mulher e juntou-se à Belinha!'. Fiquei de queixo caído. O Idalino era um funcionário meio totó, por acaso também meio gago, meio apanhado em verde, pequenino e magrinho. Ora bem. A santa da Belinha virou do avesso a cabeça do Idalino. Quando víamos aquele casal, ela quase o dobro dele, os dois muito pãozinho sem sal, ele cada vez mais enfezado, nem conseguíamos atinar com o romance que estava ali armado. Havia quem gozasse: 'Vocês não sabem é nada. Na cama, ninguém segura a Belinha, vira uma fera e papa o Idalino sem dó nem compaixão'.

Resumindo: para que é que ali tinha aqueles mails todos cheios de facturas agarradas? Lixo. Deixei apenas um mail para não me esquecer dela.

Também fui dar com mails de uma engenheira que nos tratou dos estudos de uns edifícios. Era grande, tinha ancas muito grandes, vestia-se de uma forma mal jeitosa que lhe acentuava ainda mais o despropósito do rabo. Curiosamente tinha uma inesperada vozinha fininha, sem energia, sumida. Quando falava era como se alguém alma penada estivesse a falar através dela. Vi-a algumas vezes de blusão, botas e capacete. Diziam os homens que mais amiúde lidavam com ela que não era muito de fiar pois um ou dois dias por mês virava uma fera desencabrestada. A voz engrossava, toda ela se soltava dando bronca em quem calhava. Diziam eles que até fugiam dela, de medo. Não olhava a nada, pouco faltava para correr com eles à bofetada. Na brincadeira, contavam que um até tinha começado a registar as datas na agenda, um verdadeiro mapa menstrual, para saber os dias em que ela devia ser evitada. Apaguei os mails e esqueci-me de deixar um pelo que devia aqui escrever o nome dela, para não me esquecer. Digo só que também se chama Isabel. Comparada com a Belinha, esta podia ser a Belona.

A ceifa hoje não se comparou com a de ontem. Nem dois mil devo ter apagado. Estou a entrar na monda fina e tenho que me abeirar deles só quando não estiver in the radical mood. Não quero apagar coisas de que posso sentir falta. 

Portanto, deixei para lá. 

E aqui chegada fui logo a correr para ouvir histórias. Gosto de ouvir. Ouço e vou-me lembrando de histórias minhas e de histórias alheias. Tenho com cada uma. Agora estava aqui a lembrar-me de uma passada comigo que é de se lhe tirar o chapéu. Daquelas que vou guardar para uma altura (ou um livro) onde me possa dar ao luxo de contar toda a espécie de histórias escabrosas.

Roberta Miranda conta história de nudez dentro do elevador | Que história é essa, Porchat?

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Desculpem que não responda aos vossos comentários, que agradeço. 
Não me anda a sobrar tempo... A ver se acabo esta empreitada para poder voltar a respirar,

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Um dia bom
Saúde. Boa disposição. Paz.

6 comentários:

Maria disse...

Pois é verdade que tanto e-mail vai enchendo a nossa caixa de correio, de tal modo até que, de tão cheio, fica sem espaço disponível.
Na verdade, para mim, é das tarefas mais chatas ter de esvaziar o correio, detesto!
Mas já reparou nas histórias de vida que por si passaram, nesses simples ( ou não!) emails de trabalho?!
Continuação de boa limpeza, UJM, haja espaço para novas histórias!

- R y k @ r d o - disse...

Efetivamente existem mais que mais parecem livros da história do mundo.
Uma verdade e contra mim falo: Mas algum Homem resiste e não dá em maluco caso uma mulher assim o queira?
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Cumprimentos poéticos.
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Anónimo disse...

Para conseguir ler este texto tive de colocar um post-it em cima do irrequieto e adiposo rabo insuflado da criatura da esquerda ..

Um Jeito Manso disse...

Olá Maria,

Pois. Por isso, fui deixando estar. E sempre com receio que o assunto venha à baila e seja necessário ir buscar os mails sobre o tema. E sempre sem paciência para limpezas.

Até que a caixa ficou mastodôntica. E fiquei a pensar: para quê guardar tudo isto?

E é verdade: quantas lembranças se vão desdobrando à medida que vou revendo todas aquelas 'cartas' e 'bilhetinhos'...

Abraço, Maria. Obrigada.

Um Jeito Manso disse...

- R y k @ r d o -

É verdade: histórias. Anos de istórias em milhares de mails.

E também é verdade: não é fácil um homem resistir a uma mulher sedutora. São muito frágeis, os homens.

Um dia feliz!

Um Jeito Manso disse...

Olá Anónimo

Deixa-se ofuscar muito facilmente... Tem que exercitar a mente para que o olhar não se distraia assim tão facilmente.

Desejo-lhe um dia bem disposto!