sexta-feira, setembro 23, 2022

Branca e radiante vai a noiva

 


Antes de me casar, fui a lojas na Baixa e experimentei alguns vestidos de noiva. Mas andava tão habituada a vestuário num outro comprimento de outra onda que, ao ver-me ao espelho toda cheia de saias armadas, folhos e rendas, me senti mascarada. Não me ocorreu maçar ninguém para vir comigo. Por isso, foi sem conselho alheio que resolvi que casar era casar, não era armar uma festarola à qual deveríamos comparecer fantasiados. Assim, optei por uma espécie de jeans bem justinhos, brancos, e uma túnica linda, branca, justinha, com uns belos bordados manuais, made by Augustus. Ou seja, apesar de tudo, toda em branco, comme il fault. Tenho ideia que nesse dia da túnica a minha mãe foi lá para dar a sua bênção. Tenho até ideia que a minha tia, que eu tinha escolhido como madrinha, também foi. Preferiam que eu me apresentasse vestida de noiva mas, a não ir, tenho ideia que, mal por mal, a túnica foi aprovada. Mas havia uma questão. Era totalmente transparente. Se fosse hoje, isso não seria transparente. Quanto muito colava uma estrelinha ou um coração em cor nude sobre os mamilos. Mas, naquela longínqua altura, não havia autocolantes para os mamilos nem se admitiria o escândalo de uma noiva aparecer em transparências. Naquela altura também não havia a profusão de tops em lycra que hoje há. Foi, pois, com alguma habilidade que a minha mãe conseguiu improvisar um top de algodão, fininho, justinho, sem alças, que me permitiu ir sem soutien e quase transparente mas discreta e 'decente'. Noblesse oblige.

Já aqui o falei: não faço ideia do paradeiro dessa minha túnica. Agora só em fotografias. Tenho pena porque era muito bonita, mas não sei que sumiço levou. A minha mãe diz que não a tem, diz que não a deixei lá em casa. Não a separei da roupa normal e, às tantas, nalguma vez em que me desfiz do que já não me servia nem reparei que fazia parte da minha toilette de noiva, e lá vai disto. 

Quando a minha filha se casou já a oferta era outra, ampla. O vestido foi comprado numa das lojas de noiva da capital mas adaptado ao seu gosto. E era lindo, intemporal, elegantíssimo. Branco, não transparente, mas leve, flutuante. E um véu de renda belga lindíssimo. Não podia olhar para ela sem me sentir comovida. Sobretudo, sabia como era um sonho dela, casar-se com um lindo vestido de noiva. Foi um casamento maravilhoso, desde a igreja muito bonita e muito bem arranjada, os coros à entrada e à saída vindos do balcão superior da igreja, pareciam cânticos descidos dos céus. Copo de água num palácio fantástico, um cocktail numa tarde dourada nos jardins, jantar com grupo de cordas  acompanhar, creio que músicos da Gulbenkian, um jantar milimetricamente escolhido com um menu sofisticado e saboroso, um baile animadíssimo. E ela sempre elegante, sorridente e ondulante no seu belo vestido de noiva.

A seguir foi a minha nora. Grávida de cinco meses, encantada com o seu estado, tenho ideia que ainda hesitou sobre como deveria ir vestida. Já o contei mas repito-me. O meu filho, desde que me lembro dele a falar nisso, sempre disse que não queria casar-se. Não tinha paciência nem via necessidade. A minha nora acabou por aceitar embora manifestasse alguma pena em poder vir a ser mãe solteira. Viviam juntos, felizes da vida, até que ela engravidou. Perante os factos, um bocado contrariado, o meu filho lá condescendeu -- mas seria coisa de nada, restrita, pais e irmãos e mais nada. Avisou-me bem avisada: nada de ideias, seria coisa limitada aos mínimos. Nestas coisas cada um sabe de si e se para ele seria tamanho sacrifício fazer um casamento a preceito pois que remédio. Mas tenho ideia de que também sempre lhe disse que, se a namorada gostasse de ter casamento mais alargado, achava que ele deveria ter isso em atenção. Não sei como foi que a ideia foi fazendo o seu caminho, mas a verdade é que fez, combinações lá entre eles. O que sei é que devem ter sido umas duzentas pessoas, um casamento a preceito, animadíssimo, uma festa, uma alegria. E a noiva, linda, vestida de noiva com a sua orgulhosa barriga bem evidente. Nada de transparências mas tudo em leveza e alegria.

Vamos ver como será quando chegar a vez da minha neta. Do que lhe conheço, escolherá a seu gosto sem querer saber nem de convenções nem de opiniões alheias. E terá o meu apoio.

Mas, entretanto, eis que os vestidos de noiva se despem de 'decências' e de ocultações e se apresentam em toda a sua feliz transparência. Na semana passada, na Igreja da Ascensão na 5ª Avenida em Nova Iorque, uma noiva desfilou com um vestido inabitual, completamente transparente. Cindy Kimberly, modelo seguida por sete milhares de seguidores no Instagram, formas generosas e prazer em arrojar, vestiu-se com um belo vestido branco e transparente que deixava perceber uma pouco subtil asa delta, cobriu o cabelo com um véu e deixou toda a gente de queixo caído. Marcelo Gaia foi o criador. E as fotografias aqui estão para o testemunhar.

E eu fico feliz com estas coisas e só espero que nunca o mundo civilizado ande para trás para que a liberdade das mulheres usarem o seu corpo como lhes apetece nunca seja posta em causa. O mundo poderia ser um lugar pacífico, tranquilo, onde todos pudéssemos ser livres e felizes. Podia... não podia?

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E não tem nada a ver... mas deixem lá isso

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2 comentários:

Janita disse...

Pena não ter trazido "A Noiva" na voz de António Prieto!
(na minha tonta adolescência chorava sempre que ouvia a canção. Vi o filme, também.)

O meu vestido de noiva foi à feição da moça que casa virgem e pura: sem decotes pronunciados e raminhos de flor-de-laranjeira... :( Mal empregada pureza)


Li o seu post anterior. Tudo o que precisava ser dito sobre o psicopata Putin, foi.
O resto é mais do mesmo.

Abraço e bom fim-de-semana, UJM!

Um Jeito Manso disse...

Olá Janita,

Não conhecia. Já fui ao Youtube ver o trailer e ouvi-lo a cantar.

Pois eu também fui de branco apesar de me ter esquecido da flor da laranjeira... :)

Pela sua observação, percebo que a sua castidade não foi devidamente valorizada por quem devia. Foi pena, certamente.

Como bouquet levei apenas uma rosa, uma única, que o meu namorado me levou. Desde que começámos a namorar (que coincidiu com o dia em que terminei o namoro com o outro), o meu novo namorado -- que era tudo menos romântico -- oferecia-me uma rosa todos os meses, nesse dia. Era um botão de rosa, cor de rosa, com o pé envolto em papel de prata. Todos os meses, nesse dia, eu aparecia com uma rosa. Toda a gente achava que ele era um romântico. E eu achava esse gesto tão inesperado e bonito que pedi para ele levar uma rosa para servir de bouquet.

Um bom fim de semana, Janita. Saúde, alegria e bola para a frente.

E um abraço.