terça-feira, julho 05, 2022

Esquerda versus Direita? Ou democracia versus autocracia?

 

Depois da guerra de Putin, a grande dicotomia entre concepções de sociedade  já não é entre a esquerda e a direita, mas entre os defensores da democracia (que existem à esquerda e à direita) e os simpatizantes de regimes autocráticos (que abundam na extrema-direita e na extrema-esquerda). 

Teresa Ribeiro in Delito de Opinião


Sempre me identifiquei com a esquerda. Mas sempre com uma esquerda moderada, humanista, moderna, aberta à mudança e às diferenças, uma esquerda democrática, uma esquerda em que a liberdade é uma das grandes e inquestionáveis bandeiras.

Mas também uma esquerda tanto quanto possível pragmática, informada, coerente.

Ideais utópicos não são comigo. Ideais que têm como modelo regimes totalitaristas em que a liberdade é condicionada não são comigo. Ideais que se fecham sobre si próprios e que excluem os que pensam diferentemente não são comigo. Ideais que assentam numa pretensa sobranceria moral não são comigo. Ideais que se mantêm com os pés enterrados numa realidade que já não existe (e que sempre esteve muito longe de ser recomendável) e que forjam inimigos inexistentes para justificar crimes impensáveis não são comigo. 

Sempre me distanciei da direita, não por ter o carimbo de direita mas por ser retrógrada, conservadora, frequentemente inculta, frequentemente não humanista, não aberta, por defender privilégios para elites que o são por motivos tantas vezes pouco éticos, por defender uma superioridade de classe, por, na prática, não pugnar pela igualdade de oportunidades, por ter tantas vezes uma visão desfocada e antiquada da sociedade, por frequentemente assentar em ortodoxias e preconceitos.

Dito isto, tenho que confessar que tem sido com alguma perplexidade que tenho assistido à reacção de algumas pessoas que tinha por gente de bem e que, perante a brutal e imperdoável invasão de um outro país com a clara intenção de o anexar, destruindo-o barbaramente, em vez de cerrar fileiras em torno do país invadido e agredido, consegue descobrir culpas do lado da vítima, tacitamente desculpando o brutal agressor. E do que mais impressão me faz é ser gente que eu identificava com uma esquerda esclarecida e que agora, para minha surpresa, vejo que é gente que se mostra cobardemente a favor da rendição e a favor da cedência à chantagem e ao terror que o criminoso vem espalhando.

Seríamos hoje espanhóis se a gente prevalecente à altura fosse como estes que agora encontram motivos de culpa nos ucranianos para terem sido invadidos e que disfarçam a sua cobardia ou maldade sob a capa da defesa da paz. Tal como os timorenses seriam ainda indonésios se tivesse prevalecido a opinião dos que advogavam a rendição de Timor.

E tenho pensado que, depois do que tenho visto, mais depressa separo as águas entre os que defendem o respeito pelo direito internacional, o respeito pela vida humana, o respeito pela democracia e pela a liberdade e os que, pelo contrário, condescendem, defendem ou disfarçam a admiração por estados totalitários, autocráticos, desrespeitadores de tudo o que a civilização conquistou, estados capazes de tudo, de todas as barbaridades, de todos os crimes, de toda a hipocrisia e mentira.

E, por pensar assim, foi com agrado que vi isto muito bem sintetizado pela Teresa Ribeiro no Delito de Opinião. 

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Pinturas de Barnett Newman na companhia do Coro Infantil Misto Lorosae com Ina Lou

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Desejo-vos um bom dia

Saúde. Paz.

2 comentários:

Paulo B disse...

Olá UJM!

Aqui, à escala do burgo, até sou capaz de compreender que a malta caia na esparrela de achar que a questão da guerra da ucrania é "a preto e branco" (ou até de democracia versus autocracia). Mas será mesmo assim? Aliás, essa teoria dicotómica "final" vai-nos levar a que solução mesmo? Estamos dispostos a prosseguir essa ideia até às últimas consequências?

Pelo caminho, permita-me continuar a alertar para um cuidado redobrado com estas teorias / linhas de pensamento dicotómicas e, sobretudo, fatalistas. Partilho duas sugestões de leitura (sim, são opiniões... infelizmente, trabalhos jornalísticos com perspetivas um pouco diferentes são raríssimos e geralmente só se encontram em meios de comunicação não ocidentais, tipo Al-Jazeera e afins):

https://setentaequatro.pt/entrevista/pedro-caldeira-rodrigues-o-controlo-mediatico-e-feito-de-duas-formas-uma-mais-subtil-e

(E, já agora, aquilo que se chama "anti-imperalismo" ou "anti-americanismo", em Portugal, é, nos próprios EUA, "anti-neoconservadorismo"... talvez fosse relevante a "esquerda" portuguesa que de alguma forma defende teses neocons pensar um bocadinho no que anda a fazer... )
https://www.commondreams.org/views/2022/06/28/ukraine-latest-neocon-disaster

Um abraço!

Um Jeito Manso disse...

Paulo, olá,

Tudo bom consigo?

Nisto forço-me a fazer uma leitura básica. Estamos perante um crime violento. Por isso, em primeiro lugar condeno o crime. E o pior é que não foi um acontecimento único. O crime continua. Por isso, a seguir peço que seja posto um fim ao crime -- ou seja, que o invasor se retire, que o criminoso pare de atacar o país invadido.

A seguir posso fazer uma série de outras análises mas, por enquanto, parecem-me todas fúteis. Discutir teorias ou fazer conjecturas enquanto um criminoso está em território alheio a destrui-lo parece-me fútil. Não o farei.

Contudo, gosto de ler segundo diferentes perspectivas pelo que lhe agradeço os links que enviou que, como sempre, fogem ao óbvio.

Obrigada, Paulo. E espero que continue a ser a pessoa especial que sempre achei que é.

Um bom fds!