quinta-feira, junho 16, 2022

Tempos sem tempo dentro.
Casas com a natureza dentro.

 



Nem vale a pena eu aflorar pois parecerá que estou para aqui a armar-me ao pingarelho. Ou bem que era precisa e explicava mesmo a complexa situação (que, a não resolver-se, terá pesado impacto económico e mediático) ou mais vale ficar calada.

O que posso dizer é que foi desde que me levantei até há pouco. Telefonemas a atropelarem-se, danças e contradanças, gente que se compromete para logo se descomprometer -- foi obra. E o complicado é que nada ficou resolvido. Por isso temo que me estraguem o feriado. 

Ao longo da minha vida profissional tenho passado por momentos em que me vejo em becos sem saída. Nunca é fácil. Mas mais difícil é quando se está com uma equipa em que não se tem confiança a cem por cento. Imagine-se, então, quando, ainda por cima, há muitas frentes abertas em simultâneo e a gente tem forçosamente que delegar (porque é fisicamente impossível estar em todas) e quando a gente sabe, porque sabe, que alguns não vão dar conta do recado. Fica uma danada sensação de insegurança.

Nunca mais consegui ter tempo para pegar num livro, nunca mais tive tempo de me sentar no cadeirão lá de cima de onde vejo a copa das árvores, nunca mais tive tempo para ter tempo para mim.

É muito absurdo isto de passar um dia e outro e outro e a gente deixar o tempo escorrer para o fim dos tempos sem conseguir agarrar nem um bocadinho dele. 

Faz tempo comecei um diário. Depois de andar há anos a pensar deitar mãos à obra, nesse dia pensei que era o dia certo para começar. Pois nunca mais tive disponibilidade nem disposição para retomar. 

No inverno ansiava pelos dias grandes, pensava que as horas de dia a mais bastariam para me dar a mim as horas de fazer coisa nenhuma por que eu tanta ansiava. Não tenho tido essa sorte.

Enfim. Adiante.

Tinha deixado as almofadas nas espreguiçadeiras e, apesar de estar a ouvir como que um longínquo ribombar e apesar de ver o tempo a escurecer, não dei logo conta da chuva. Quando dei por ela, fui a correr lá fora mas já as almofadas estavam ensopadas. Trouxe-as para debaixo do terraço e pu-las a ver se escorrem, sobre as costas de outras cadeiras.

Ao fim do dia fomos até à praia. O carro estava todo sujo. A chuva devia estar cheia de terra. E estava frio, vento, humidade. A pequena fera toda agitada com os pelos em remoinho pelo vento. 

Não tinha levado agasalho, tinha pensado que ia gostar de sentir na pele a aragem fresca e molhada. Mas estava para além disso e senti algum frio.

Vimos aquele senhor simpático que tem um cãozinho parecido com o nosso mas em ponto mais pequeno, um rafeirinho arraçado de urso felpudo, uma coisa muito fofa. No outro dia veio falar connosco, veio confirmar que o nosso é um Serra de Aires, diz que sempre gostou de Serras de Aires. O nosso gostou muito do mini me e foi amizade recíproca. Também achei o senhor uma simpatia. 

Vimos também um grupo animado. Riam-se, abraçavam-se, chegavam-se uns aos outros, faziam poses. Um outro, com equipamento profissional, filmava-os. Uma outra dava instruções. Reconheci um conhecido actor. Se calhar era o elenco de alguma telenovela. Há tantos novos actores e actrizes que não conheço que já começo a sentir-me um bocado fora deste mundo. Digo-o sem nostalgia mas com um sentimento bom de liberdade,

À hora de almoço fui dar uma volta com o urso felpudo, num instante, entre reuniões, em passada involuntariamente aeróbica. Voltei a passar pela casa em que os donos andam junto ao chão com um regador pequenino, um sachinho, uma pazinha a amanhar os pequenos canteiros. Em volta de cada árvore há uma fiada de amores-perfeitos, depois uma fiada de pequenos seixos brancos. Há um pequeno lago com fetos em volta, pedrinhas, mais amores-perfeitos. Tudo mimoso. Reparei que, num recanto, quase escondido, há um caracol colorido em cerâmica pintada. Kitsch e inocente. O senhor lá estava de joelhos, as mãos na terra, boné na cabeça apesar de estar à sombra. Enterneço-me sempre que passo por lá. Tudo ali mostra o amor e o vagar com que aquelas mãos tocam e tratam de tudo.

Há uma outra casa em que estão a arranjar uma zona do jardim. Estão a fazer não sei se será um jacuzi ou um lago. É pequeno mas fundo. No outro dia, a dona, uma mulher jovem de rabo de cavalo, estava lá dentro a colar pastilhas cerâmicas, uma a uma, à mão. Hoje vi que a superfície interior está quase coberta. Há quadradinhos azul turquesa, outros verde água. Antes das obras, estavam lá sempre dois cães que faziam uma dança de desafio e sedução com o nosso urso que correspondia, encavalitando-se na vedação, ladrando lá para dentro, saltando e dando ao rabo. Agora os cães desapareceram e o ursinho não compreende. Encavalita-se, espreita, anda de um lado para o outro a ver se os vê. Mas não. Não sei deles. Devem estar na parte de trás ou dentro de casa ou noutra casa. Engraçado, isto. Conhece ele melhor os cães vizinhos do que eu conheço as pessoas. 


E é isto. Nada mais a declarar. despeço-me com dois vídeos que vi e que mostram casas cheias de harmonia e natureza. Mesmo que se viva num andar, há-de haver maneira de levar a natureza até lá. As casas não podem ser tristes, soturnas, desligadas dos ciclos da vida. Pelo contrário devem ser acolhedoras, luminosas, amistosas. A vida das pessoas é mais feliz se a casa em que vivem for uma casa clara, tranquila, simples. E no outro dia li que mesmo umas bonitas flores artificiais transmitem a sensação florida e serena tão útil numa casa. Há solução para (quase) tudo.

A flood-proof home that looks to the river Thames for inspiration

Take a tour of former professional dancer and teacher Elizabeth Rose’s innovative stilt house. Sitting pretty above the flood plain on the banks of the River Thames, the timber-clad house, designed by Knox Bhavan, is a lesson in future-proofed architecture that takes cues from its natural surroundings.


How to Use the Principles of Biophilic Design in Your Interiors

Wildwood Spa is a private and secluded spa in the forest. This luxury one-bedroom self-contained spa sleeps two and is located in the picturesque village of Lee near Ilfracombe. It is nestled amongst 12 acres of private woodland on the North Devon coastline. 

It is a glowing example of how the principles of Biophilic Design can be applied to our interiors to create homes that are inspirational, restorative and healthy.

Studies have shown that biophilic design can provide opportunities for mental and emotional restoration by reducing stress, tension, anxiety, anger, fatigue, and confusion. It can also improve cognitive function and creativity. It can help to improve our physical well-being by relaxing our muscles, lowering our blood pressure and reducing stress hormone (cortisol) levels in the bloodstream. It can also speed up healing.

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Pinturas de Nazmi Ziya Güran.
Crying of Earth. OLOX duo com Gennady Tkachenko-Papizh, Jivan Gasparyan & Jivan Gasparyan JR

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Desejo-vos um bom dia feriado
Renascimento. Recomeço. Sorte. Paz.

7 comentários:

Arménio Pereira disse...

"[...] danças e contradanças, gente que se compromete para logo se descomprometer [...]"

Oh gente de par café!

Arménio Pereira disse...

19
Banish learning, discard knowledge: People will gain a hundredfold.
Banish benevolence, discard righteousness: People will return to duty and compassion.
Banish skill, discard profit: There will be no more thieves.
These three statements are not enough. One more step is necessary.
Look at plain silk; hold uncarved wood. The self dwindles; desires fade.

Tao Te Ching by Lao Tzu (Stephen Addiss & Stanley Lombardo - English version, 1993)


Prisoners of the Body needs
Prisoners of the Mind delusions
Prisoners of the Future expectations
Prisoners of the Past regrets
Freedom?
Dream on if that offers some relief

Janita disse...

Olá, UJM.
Entrei na caixa de comentários somente para lhe dizer que, hoje, a sua escrita carregadinha de um sentimento melancólico, enterneceu-me tanto, tanto...
Mesmo sabendo-a uma Mulher realizada e feliz, senti-a muito frágil, insegura e...desprotegida.

Fique bem. Seja muito feliz, durante todo o tempo que puder!

Corvo Negro disse...

Olá UJM. Sobre a questão da "falta de tempo" recomendo a leitura do livro "El Dominio del Tiempo" de Alfonso Maria Pinedo Noriega (já falecido).
Abraço.

Um Jeito Manso disse...

Olá K.

Não pensar demais, não viver muito de arquivos, não ter absolutas certezas, admitir a dúvida, praticar a generosidade e a tolerância, não querer traçar bissectrizes muito exactas, gostar de brincar, não querer viver sempre nas profundezas nem sempre à superfície, aceitar as diferenças, querer não magoar os outros, aceitar dar a mão a quem dela precisa, gostar de sorrir, gostar de rir, não ter vergonha de chorar, amar a simplicidade. Coisas assim.

Que a música nunca o abandone.

Um Jeito Manso disse...

Olá Janita,

Ando cansada, sabe? Há muito tempo que não consigo ter férias como deve ser e a minha vida profissional, em especial nos últimos tempos, não me tréguas.

Gostava de conseguir ter tempo para fazer o que me apetece e nunca posso. Ainda este dia feriado... mails, mensagens, telefonemas, contratos para ler, chatices.

Muitas vezes chego ao fim do dia e, quando me sento aqui na sala, ponho tudo para trás das costas e escrevo coisas que não têm nada a ver, distraio-me. Outros dias estou tão cansada que nem consigo tirar de cima de mim o cansaço.

Mas esta quinta-feira, apesar do trabalho que teimou em não me largar, consegui ir até ao campo. E isso revigora-me.

Obrigada pelo seu cuidado.

Abraço, Janita.

Um Jeito Manso disse...

Olá Corvo,

Já está anotado. Muito obrigada. Tomara que eu consiga aprender. Se calhar tenho que aprender a dizer 'não' mais vezes, mesmo que me custe, tenho que aprender a ser (saudavelmente) um bocadinho egoísta.

Um abraço, Corvo.