segunda-feira, maio 30, 2022

Apanhá-los quase à mão

 

O domingo foi de descanso. Dormi até vir a mulher da fava-rica. Depois foram as coisas das quais não reza a história: lavar e estender roupa, descobrir uma coisa aqui e outra ali (coisa que, qual pós vendaval, sempre acontece quando a malta miúda por aqui passa -- e, desta vez, até a televisão da sala de cima mudou de sítio), fazer uma caminhada, falar com a minha mãe, fotografar as flores do jardim, ver qual a melhor maneira de pôr as grinaldas solares. Coisas assim.

O almoço foi o resto da caldeirada, agora ainda mais saborosa e apurada que na véspera. Depois, viemos para a sala. Ele ligou a televisão e eu a Netflix para ver a nova temporada da Grace & Frankie. Mas, ao fim de algum tempo, comecei a baquear. Como tudo, quando há um interregno, o que vem a seguir sabe a déjà-vu com a agravante de aqui não se aplicar aquilo de estar melhor porque 'mais apurado'. Talvez por isso, a tarefa de me manter acordada revelou-se de difícil consecução. Tentei resistir mas não fui bem sucedida. Acordei com a fera felpuda que ladrava. Acordei eu e acordou o meu marido. Moles que só visto. Não faço ideia de quanto tempo durou a sesta mas a verdade é que acordámos meio zombies. Fomos fazer outras coisas mas o tempo cinzento e abafado não ajudou. Fomos lá para fora e sentámo-nos nos dois cadeirões de onde se vê todo o jardim e que ficam num recanto bem acolhedor. Mas continuávamos moles. Presumo que tenha dormido meia hora ou mais para estar assim.

Resolvemos, então, ir andar para a praia. Levei um corta-vento pois o tempo estava incerto. 

Antes de chegarmos, o urso peludo começa sempre a dar sinais de impaciência. Com a nossa boxer acontecia o mesmo. Pressentem que estamos a chegar a lugar de seu agrado e, tal como as crianças que perguntam de minuto a minuto se estamos quase a chegar, assim os canitos. Cheira-lhes a praia e não vêem a hora de chegar.

Gosto do mar em dias assim. Estupidamente esqueci-me da máquina fotográfica. Estas fotografias foram feitas com o telemóvel.

Gaivotas a refrescarem-se à beira de água. Fomos até mesmo ao pé delas. A fera impassível. Olha, certamente tentando perceber que animal é aquele que anda com as patas na água e que, de vez em quando, levanta voo. Olha mas nada do que vê o tira do sério. Quem o viu feito parvo com uma menina no nosso jardim e quem o vê agora indiferente a tudo, apenas entregue à curtição do momento... Nem parece o mesmo.

Entretanto, vi uns pescadores num pontão e, ao fotografá-los, reparei num rapaz alto que, com a cana da pesca na mão, entrava na água. Calçado e tudo. Ficou com a água pela cintura.

Ao andarmos no areal vimos uns quantos robalos aos saltos. O meu marido disse: 'se calhar são peixes que aquele ali apanhou'. Pensei que seria pouco provável pois tinha-o visto entrar e sair da água mas há pouco tempo, enquanto fotografava.

No entanto, ao estarmos intrigados com aquilo, vimos que o rapaz estava, uma vez mais, a sair da água. E reparei que vinha mais um peixe a saltar na ponta da corda.

De facto, dirigiu-se ao lugar onde os outros robalos saltavam e deixou ficar mais um. 

E voltou a entrar na água. E nós continuámos. Mas intrigados com aquilo. Até sugeri que o meu marido passasse a dedicar-se à pesca. Ia um bocadinho até à praia e regressava carregado de robalos. O meu marido disse: 'Há anos que andas a querer isso.' Protestei. Não me lembro de alguma vez ter sugerido isso. Ele diz que sim. Depois condescendeu: 'Talvez nos últimos anos não tenhas dito. Mas já disseste.'. Nestas situações, não vale a pena a gente fazer braço de ferro. Observei apenas: 'Não sei. Mas tenho quase a  certeza que nos últimos cem anos não disse'. E ele também já não disse nada.

Mas eu estava deveras intrigada pois não vi o rapaz a pôr isco no anzol. Aliás, nem devia ir a pensar apanhar aquilo tudo pois, pelos vistos, nem tinha onde pôr o peixe.

Continuámos o nosso passeio. Na volta, voltámos a vê-lo. Vinha a sair da praia. Vinha uma rapariga com ele, com um saco de plástico na mão. Talvez levasse lá os peixes. O rapaz trazia um robalo grande na mão, bicho para uns dois ou três quilos. Parecia um daqueles caçadores que andam com os coelhos ou os patos à ilharga. Um casal que ia a passar abeirou-se e pareceu-me que logo ali estavam a mercadejar. 

Pensámos que também poderíamos ir transaccionar um daqueles peixes para levar para a janta. Mais fresco não poderia haver. Eu disse, quase me lambendo por antecipação: 'Grelhadinho...' Mas o meu marido disse: 'Sim, deveria ser bom. O problema é o trabalho que ia dar'. Concordei: 'Ia, não ia...?'. E seguimos viagem. A brisa fresca do mar tinha-nos feito bem, estávamos mais frescos mas não a ponto de nos irmos pôr a atear fogareiros.

E foi isto. Um dia tranquilo, portanto.

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E, façam-me o favor, queiram descer até ao post abaixo. 

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Desejo-vos uma boa semana, a começar já nesta segunda-feira

Saúde. Confiança. Força. Melhores dias. Paz.

5 comentários:

Arménio Pereira disse...

Everything's working according to God's plan.
Be grateful if you can - be disrespectful if you must.
God is (Change) - You are (an agent of Change)
As above - So below
Nothing more - Nothing less
The food you deemed so tasteful not long ago soon to become loathed manure, yet so precious for the land to remain fertile.
Nothing remains precious forever - Nothing remains noxious forever
Some things anew - Some things decay
Everything changes - The Everlasting Dissatisfaction remains.

E como sei que por aqui se aprecia o riso, eis alguns instantes de bom humor.

Arménio Pereira disse...

Life's inherent contradiction: you fight for a thing that's not yours to keep. From there, all the human drama unfolds.
The paradoxical solution: do nothing to extend life, do nothing to waste it.

(Such a fine line between appreciation and zealotry, and most of us aren't even funambulists.)

Anónimo disse...

"não vi o rapaz a pôr isco no anzol" significa que ele estava a pescar com um isco falso, a chamada amostra. Se para muitos de nós tudo o que reluz é ouro, para os peixes tudo o que é prateado é para comer ou para ser analisado com a boca.
Algumas amostras da amostra da nossa maldade:
https://segredosdepesca.com/amostras-para-robalo/

Um Jeito Manso disse...

K,.

A sua escrita tem momentos de sabedoria. Não prolongar a vida, não desperdiçar a vida -- um lema de vida de que não deveríamos esquecer-nos.

Não sou dada a crenças filiadas em divindades concretas. Mas acredito em acasos. E nos milagres que dão corpo à conjugação de acasos eu vejo alguma coisa para qual não há explicação. Se é por razões transcendentais ou telúricas eu não sei nem acho relevante saber-se.

Gostei de ler o que escreveu.

E achei inexplicável que tivesse enxertado o bidanês no meio daquelas outras palavras. Desconcertante. De certa forma, divertido, sim.

E espero que se recomponha da maleita de ser the man who murdered love.

Um Jeito Manso disse...

Olá Anónimo/a pescador/a,

Pois não é que deve mesmo ter sido isso? Não fazia ideia. Há ideias brilhantes (neste caso, literalmente falando) para tudo.

Já passei a informação ao meu marido a ver se ele se motiva a entrar na água e ir apanhar uns robalitos para a janta. Afinal é mais fácil do que eu pensava. Imaginava que se teria que arranjar minhocas e estar a trespassá-las no anzol de cada vez que se lançava a linha. Afinal, assim é muito mais prático.

Obrigada!