terça-feira, fevereiro 08, 2022

Como impedir que os desertos nos invadam?



Trabalho de sol a sol mas as pessoas com quem agora trabalho não têm propriamente muito a ver comigo. Tempos houve, desde tempos remotos até tempos mais presentes, em que alguns colegas eram amigos de verdade e em que aconteciam tantas coisas, tão diversas, que em volta de mim eu poderia assistir a mil filmes. 

E, nos intervalos, tinha com quem falar de política, de cinema, de literatura, de viagens. Agora apenas se fala de trabalho, de planos, de problemas. E, a nível profissional, não tenho por perto ninguém exuberante que me inspire ou faça rir. 

O último que me deixava estupefacta e que me fazia chegar a casa e contar as peripécias e desatar na risota afastou-se. E o pior é que as histórias que se passavam com ele envolviam uma mulher e, infelizmente, de forma inesperada, essa mulher morreu. Portanto, todos os dislates, todos os ruidosos e caricatos desentendimentos, todas aquelas discussões pelos motivos mais absurdos que eu, involuntariamente, ouvia no meu gabinete agora parecem-me tristes. De cada vez que recordo o que ouvi e me apetece imitar censuro-me a mim própria pois não vou pôr-me a rir de histórias em que um dos intervenientes se finou.

Aqueles temas que me preocupavam e sobre os quais gostava de dissertar e em cujas conversas aprendia sempre pois não apenas sentia amizade pelos meus interlocutores mas também admiração pela sua inteligência, cultura e sentido de humor agora ficam a ressoar sobretudo na minha cabeça.

Um deles é uma pessoa de uma inteligência e cultura superlativas. Só que é meio louco. Um outro dizia que ele era um savant. As conversas com ele seguiam rumos imprevisíveis. Começavam na política, passavam por temas da actualidade, derivavam para a geopolítica e iam desembocar na antiguidade, quiçá na cultura grega, havendo pelo meio as citações mais insólitas embora apropriadas. Cada conversa com ele, daquelas mais longas, dava uma história. 

E havia (e há) um outro de saberes enciclopédicos quer a nível de química quer a nível de música. Tem uma coleção extraordinárias de discos e cd's de música dita clássica. Mas de cada obra tem dezenas de exemplares, variando o maestro ou os intérpretes principais ou as gravações ao vivo. E sobre cada obra ele sabe tudo isso de cor e sabe de que versão mais gosta. Uma vez mostrou-me a base de dados com isso. Fiquei estupefacta. Uma loucura. E a forma como ele falava de algumas interpretações... 

Agora estou em reuniões e um pode sair-se com uns quaisqueres, outro pode dizer que póssamos... e em vez de ter do meu lado quem, como eu, fique indignado com tamanhos pontapés na gramática, tenho gente que, na volta, acha que eu é que não sei falar.

São os novos tempos. De tarde, ao usar o google no telemóvel, apareceram-me umas notícias sobre os temas mais mundanos e abstrusos: Cristina Ferreira, Big Brother e etc. E, ao ler uma delas, apareceu-me uma notícia em que se dizia que um qualquer tinha assumido que ele e uma qualquer 'tivemos apaixonados'. Tive que olhar duas vezes a ver se não era eu que que estava trocada.

Parece que, a (quase) todos os níveis, este é um mundo em regressão.

Onde existiram pessoas cultas e interessantes há cada vez mais gente bronca, mal formada, filhos da mãe, alarves, ignorantes. Mesmo na televisão. Os canais enchem-se de gente intelectualmente desonesta, gente mal educada, mal formada. Dizem de tudo um pouco -- e nada se aproveita.

Um deserto intelectual que vai alastrando.

Mas é um deserto a todos os níveis.

Onde existiram campos verdejantes há agora leitos de rio secos, há gado que não tem como se alimentar, há água que começa a ter que ser racionada, há estações do ano desreguladas, a primavera que chega em pleno inverno, o verão que se estende ao longo de meses, o ar seco e quente, as terras secas em risco de virarem pasto de labaredas. 

A conversa nas televisões não deveria ser sobre se a maioria absoluta é uma entrada no tempo das trevas, sobre os recadinhos de Marcelo, sobre o que o imprestável João Miguel Tavares diz da Edite Estrela -- tudo relambório de gente desocupada. 

Em vez disso deveria estar a debater-se como inverter a tendência decrescente da demografia em Portugal e em todo os lugares em que o caminho é suicidário, como começar a salvar o planeta, como evitar a evolução do deserto, como voltar a ter terras férteis e rios abundantes. Ou como salvar também o mundo da ignorância e da estupidez.

Mas não.

Por isso, volto-me uma vez mais para os vídeos que o Youtube tem para me mostrar. Ponho-me a ver e parece que reencontro aqueles meus amigos com quem se podia conversar sobre o que nos pareciam problemas de verdade e temas genuinamente interessantes.

Partilho, por exemplo, este aqui abaixo.

Can we stop the deserts from growing?

Earth's soils are degrading into deserts at an unprecedented rate, with catastrophic consequences. The good news is that humans can turn them into fertile land.


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Pinturas de Paul Gauguin ao som de Maldição na interpretação de Rodrigo Lourenço, vencedor do The Voice 2022.

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Muito obrigada pelos vossos comentários de ontem. O meu ursinho cabeludo continua a melhorar. Tem dormido bastante, muito mais que antes, mas a veterinária diz que é normal. 

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Desejo-vos um dia feliz
Cor. Luz. Coragem. Esperança. 

1 comentário:

Anónimo disse...

É está há muito tempo na mesma empresa. Se a malta hoje em dia é a mais qualificada de sempre, pois com certeza há bem menos gente que diz póssamos e quaisqueres... Mas provavelmente os melhores já não vão para onde antes iam. Mudam-se os tempos..m