Pois é, Sara, não tenho saco de água quente. Já o tive mas deve ter ficado nos restos da outra casa. Nunca era usado. Devemos ter achado que escusávamos de transportar uma coisa inútil. A minha mãe está farta de me falar nisso. Disse-me que tem dois, que vai dar-me um. Tenho ideia que não vendem nos supermercados. Pelo menos no pequeno supermercado que frequento, não tem.
Entretanto, já tenho os comprimidos, os relaxantes musculares, e já tomei um. Por isso, estou aqui a fazer um esforço para não ir dormir que não conseguem adivinhar.
Na actualidade, uma vez mais, muitos temas miúdos, miudinhos, e nenhum me dá vontade de comentar. O meu dia também foi chato demais, nem pensar em repescar tema real.
Por isso, vou antes dar seguimento à sugestão do meu amigo algoritmo. O tema é funesto, pelo menos à primeira vista. Mas não é.
O que se diz no fim da viagem? Claro que depende do estado em que se está. Se a pessoa está mais morta que viva e já mal fala ou não diz com coisa, acho que não deve contar.
Agora se a pessoa está lúcida, as suas últimas palavras podem ser indiciadoras do estado de espírito que a habita nesse momento.
Eu não sei quais as últimas palavras do meu pai nem as minhas para ele. Mas ele já não estava exactamente entre nós. A sua consciência e a sua capacidade para ver, ouvir ou perceber o mundo há muito que vinham sendo desligadas.
Aliás, da minha família, e foram tantos os que já se foram, não faço ideia de como se despediram deste mundo. Mas de todas as pessoas, aquela de quem mais recordo as últimas conversas é a minha tia de quem já aqui falei algumas vezes.
Todas as sextas-feiras ao fim da tarde, eu ligava-lhe e ficámos que tempos na conversa. A afinidade entre nós era muito grande. Quis viver sem sua casa até ao fim. Vivia sozinha. Tinha sofrido a perda do meu tio e isso tinha-a abalado muito. Os meus primos tinham a sua vida, não podiam lá ir todos os dias. Mas era tão apegada à casa que achava que estava melhor ali que em qualquer outro lugar. E creio que, até ao fim, tinha a esperança de melhorar. Pelo menos, nunca falava como se estivesse para morrer. Falávamos de tudo e apesar de já ser notória a dificuldade em falar e, até, respirar, sempre havia esperança nas suas palavras.
A minha mãe viu-a por esses últimos dias e veio de lá a chorar, dizendo que tinha sido, certamente, a última vez que a tinha visto em vida. Andava já encostada às coisas para se apoiar. Ela própria me dizia que descansava, levantava-se e dava uns passinhos, sentava-se. Mas dizia com orgulho que ainda era ela que tratava da casa. Penso que o sentir que tinha autonomia para viver sozinha e dar conta da sua lida era para ela uma forma de consolo. Ou de engano.
Durante muito tempo, quando chegava a hora de lhe ligar, eu ficava um pouco perdida, tentando assimilar que ela já não estava ali, do outro lado, para conversar comigo. Não sei se estava acordada ou se, antes de atravessar a fronteira, pressentiu que ia dizer as últimas palavras mas tenho a certeza de que seriam sempre palavras bem humoradas, sem dramas.
Não sei como será comigo mas, a dizer alguma coisa, gostava que fossem palavras de esperança e alívio. Qualquer coisa como isto: Que bem que estou a sentir-me. Não me macem com conversas da treta pois quero atravessar a luz na maior leveza. E saibam que saio desta para melhor. E beijinhos a todos. Love, love, love you. Inté, byzinho. Fui.
E fico-me por aqui senão não conseguirei até à cozinha para o ben-u-ron nem de lá para vale de lençóis.
E é isto. Beijinhos também para vossemecês. E carapaus para o gato.
2 comentários:
As farmácias têm.
Uma mantinha ou outra peça aquecida no micro-ondas também resulta.
Olá Sara,
Já experimentei aquecer uma toalhinha. Ajudou. Obrigadíssima pelo cuidado.
Um bom sábado.
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