O Bezos vai para o espaço mas mantém um pé na gestão da Amazon. Não me pronuncio. O espaço não me seduz. Melhor dito: seduz-me para sonhar, para olhar para o infinito-além e acreditar que é inalcançável. Se pensasse no espaço como um alvo a atingir, ele perderia o mistério. E toda a maravilhosa mística que o envolve estaria perdida.
Se eu tivesse um empório como Bezos talvez preferisse dedicar-me a outra tarefa impossível: acabar com a pobreza no mundo. Talvez não fosse preciso assim tanto dinheiro quanto isso nem o objectivo seria tão fútil quanto o das Miss Universo. Talvez baste investir em formação intensiva e uns ensinariam outros, talvez baste algum investimento em infraestruturas e em projectos inovadores.
Talvez, nos países mais ricos em especial nos países da Europa em que a demografia está pelas ruas da amargura, investisse em formação e alojamento para refugiados. Talvez também apoiasse a reconstrução de países dizimados pela guerra, pela fome, pelas secas.
Em vez de gastar o dinheiro em projectos cujos destinos são longínquos, talvez o usasse, no curto prazo, para tornar melhor a vida dos homens e a vida do planeta.
Mas ele lá sabe. Se calhar, sou eu que não vejo além do meu estreito horizonte. E, de resto, porque estar à espera da filantropia de Bezos? Não poderemos nós, cidadãos, escolher governantes que tenham essa visão, não devemos nós organizar-nos em torno de ideias comuns e, com pequeno investimento financeiro e com a nossa disponibilidade pessoal, dar vida a projectos que mostrem que a raça humana é merecedora de continuar a viver para além de um horizonte temporal que está cada vez mais perto?
Enquanto escrevo vejo a Maria João Pires a tocar a Patética de Beethoven. Tem as mãos pequeninas e as unhas pouco arranjadas típicas das mulheres de trabalho. Tenho pena de só agora aqui ter vindo parar. Estive a ver o Got Talent: gente muito talentosa, de facto.
Tenho também a Netflix que o meu filho instalou depois de ter subscrito. Enquanto esteve connosco in heaven, no ano passado, a minha filha já o tinha feito mas depois, nós dois, deixámos expirar o período experimental sem assinar a sua continuação. Parece que o tempo não nos chega. Só chegamos à sala já tarde e sem grandes vontades para nos pormos a descobrir séries interessantes. Mas vamos ver se, desta vez, a coisa pega.
Hoje o dia foi tranquilo. De manhã estivemos num pinhal com a trupe do meu filho. Os meninos quiseram ver cabana que construíram há uma ou duas semanas e quiseram reforçá-la. Coberta de musgo é uma casinha que sentem como a sua casinha. Fico feliz por ver como se apegam e entretêm com coisas assim. Depois, cá em casa, estivemos a podar a grande buganvília que embelezava a passagem entre a parte da frente do jardim e a parte de trás. Podámos também os excessos da glicínia e da trombeteira. E cortámos algumas folhas gigantes do filodendro. Custa-me sempre cortar o que está exuberante de viço e beleza mas compreendo que não podemos deixar que invadam o nosso espaço vital. Já tínhamos que nos desviar delas pois o corredor estava a tornar-se estreito demais para nós.
De tarde fui a casa da minha mãe. Está de férias da universidade sénior e está quase a acabar a blusinha para a bisneta. Já receia ficar sem nada que fazer. Não ter nada que fazer é um marasmo que acaba com a energia de qualquer um.
Voltei a estar de volta de artigos e vídeos sobre temas que têm a ver comigo. E depois voltei a ficar cheia disso. Já percebi. Claro que me falta agora a componente de perceber investigações em curso. Por isso, vou parar por aqui e, em vez de ficar à espera que um cão ponha um ovo, vou antes concentrar-me em perceber como prevenir os efeitos mais penosos desta gaita. Se bem me conheço, dentro de algum tempo, se me sentir fisicamente bem, tenderei a nem me lembrar disto. Terei é que fazer o que o meu marido e a minha mãe tanto insistem: deixar-me de excessos. Carregar baldes de terra, baldes de pedras, carregar regadores cheios de água. Trabalhar de manhã à noite: a minha filha também insiste que, se há tanto para fazer, o problema não é meu, ou melhor, só meu.
Não sei.
Começa uma nova semana e, é verdade Luísa*, estamos no tempo dos caranguejos. O que abria a temporada já não está: o meu pai. Mas estão vários outros. Festejemos a vida. A seguir aos caranguejos virão os leões que também estão em bom número. Não sei como vai avançar a covid mas a gente habitua-se a tudo, habitua-se, nomeadamente, a aprender a encontrar o afecto e a proximidade de todas as formas possíveis e imaginárias.
A gente passa por tropeções, leva encontrões, tentam tirar-nos o tapete, ficamos, por momentos, a pensar: 'ó caraças, mas afinal que raio de coisa é esta que está a acontecer-me?'. Mas logo os caranguejos se põem a caminho: podem ir de lado, podem parecer desajeitados. Que se lixe.
A vida continua. E as flores continuam lindas e os sorrisos, mesmo que apenas feitos de palavras. continuam a alimentar-nos a alma.
* Em resposta a um mail
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Pinturas de Gustav Klimt
Hania Rani – Soleil Pâle
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Uma boa semana a começar já nesta segunda-feira
Saúde. Alegria. Abraços (reais ou virtuais)
2 comentários:
Olá UJM,
Esta história do Bezos e companhia na sua corrida espacial, num exercício essencialmente fútil e de completo desrespeito por aqueles que, em condições de trabalho absolutamente lastimáveis, alimentam os.recursos que estes idiotas queimam de forma fútil fazer-me desejar que os.senhores tenham uma bela desinteria espacial. Quiçá sejam sugados pelo próprio sistema de recolha... 😏
https://youtu.be/MgMYqxdVAlA
PS: a exploração espacial tem sido uma.das raras áreas de efetiva cooperação internacional, unindo até blocos desavindos (dos EUA à Rússia.ou à China). É esta.ideia mercantilista e narcisistica, num.planeta onde até oceanos ardem (como vimos esta.semana no golfo do.mexico) que mais rapidamente.nos irá.matar a todos.
Lastimável.
Abraço e as melhoras!
PS: ao invés da.netflix sugiro o filmin. Boa alternativa às mega produções.americanas. Muito bonitas no fogo de artifício, mas muito questionáveis na originalidade!
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