sexta-feira, julho 30, 2021

Pedro Tamen.
A morte de um Poeta

Estamos aqui parados
até que a luz nos veja

 


Pensava que não ia ser capaz. Fui fugindo e escrevendo outras coisas. Ainda não sei se vou ser capaz. Não me sinto à-vontade para escrever quando ainda estou sob a emoção de uma perda ou quando sinto que o motivo da escrita ultrapassa a minha capacidade para escolher as palavras certas.

Mas, por tudo o que devo a Pedro Tamen, acho que devo tentar mostrar o agradecimento e a pena que sinto pela sua partida. 

De vez em quando há mortes que são duras. Pensei isso, por exemplo, quando soube que tinha morrido o Bernardo Sassetti. Já foi há nove anos e continua a custar-me. Continuo a pensar que há um lugar que ficou e ficará para sempre vazio. Diz-se que o tempo tudo cura. Mas há ausências que o tempo não cura. 

Gosto de dizer, porque o penso, que há pessoas que não morrem porque vivem em nós não pela sua presença física mas pelo rasto que deixam. Quem escreve, existe pelas suas palavras e elas sobrevivem quando os seus autores perecem. 

Tenho aqui ao meu lado os livros de poesia de Pedro Tamen. De todas as vezes que os li, li independentemente da pessoa física que os escreveu. Mas eu sabia que era alguém que ainda estava vivo e de quem eu podia esperar mais poemas. 

Também várias vezes aqui o disse: na era pre-covid em que eu andava pelas livrarias, se via algum livro traduzido por ele, não hesitava. Livros traduzidos por Pedro Tamen eram garantia de ser do meu agrado. Não era apenas a escrita na tradução, era também a intrínseca qualidade literária das obras que ele traduzia. 

Ninguém é eterno embora sejam eternas as palavras dos (bons) poetas. Mas há um lugar que fica eternamente vazio quando alguém como Pedro Tamen morre. 

(Mas não vale a pena continuar a tentar. Não sou capaz. Não sei o que dizer. Sei o que sinto mas não dizer o que sinto.)


Vou, pois, limitar-me a transcrever um seu poema.

O que não se sabe não existe.
Quando, por vitória do fogo
ou jorro surdo, inesperado, de água,
um golpe de asa, leve e mal sentido,
te leva os olhos a recantos calados
aos ouvidos que até então te dera
o acaso imóvel, teu parco nascimento,
quando um murmúrio desperta duvidoso
o que em certeza tinhas construído
e um véu que não sabias ao não saber
se abre, e, mais ainda, quando
consegues ver a mão que desvelou
o país das narinas, dos dedos, das pupilas,

então existe, o mundo cresce em ti
e em ti decresce a gruta que apalpavas.

Outras voltas darás, de novo à espera,
até que um dia, súbito, te entendas
ao entenderes de vez à luz de um raio
que era preciso saberes que mais existe
e que o que existe deveras não se sabe.


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Na despedida de Pedro Tamen
pinturas de J. M. W. Turner na companhia de Georgijs Osokins que interpreta Fragile e conciliante de Arvo Pärt 

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Um dia feliz

2 comentários:

Francisco de Sousa Rodrigues disse...

"Gosto de dizer, porque o penso, que há pessoas que não morrem porque vivem em nós não pela sua presença física mas pelo rasto que deixam. Quem escreve, existe pelas suas palavras e elas sobrevivem quando os seus autores perecem."

Como diria Valupi: "exa(c)tíssimamente"

Um bom serão!

Diogo Almeida disse...

Um autor que não me aquece nem arrefece.