quinta-feira, junho 03, 2021

Só espero não me apaixonar por ti

 


Não se nasce ensinado mas pode aprender-se. Tanto faz ser gramática, ortografia, aritmética, asseio, boas maneiras à mesa ou etiqueta em reuniões por videochamada. Não é preciso ter nascido em berço de ouro para, tendo chegado à idade adulta, saber que não é de bom tom meter os dedos no nariz, enfiar a faca na boca ou aparecer de câmara desligada numa reunião em que todos os outros estão à vista.

As funcionalidades para as as reuniões pelas vias que hoje são tão banais já existiam antes do corona dar as caras mas, quando não há a necessidade, é difícil romper velhos hábitos. Mas o merdinhas apareceu e, de um dia para o outro, milhões de pessoas desataram a fazer reuniões por Zoom, Meet ou Teams. Hoje já é normal o que há um ano era ainda uma proeza para muita gente.

Não sei quantificar o número de reuniões que já tive por estas vias nos últimos catorze meses mas não errarei se disser muitas, largas centenas.

E ao longo destas muitas ocasiões tenho constatado como há pessoas que, ao fim de tanto tempo, parece que ainda não atinaram.

Por exemplo, no outro dia estive para aí uma hora com um cavalheiro do qual só via a testa e o cabelo. Ao princípio, ainda lhe disse: estou a vê-lo mal. E dava-lhe pistas. Mexia-se e, durante uns segundos, conseguia ver-lhe a cara mas, instantes depois, estava na mesma. Não sei para onde estava a olhar pois não lhe via os olhos mas para o ecrã não era, senão ele próprio perceberia que era como se, ao vivo, estivesse debaixo da mesa, a gente só a ver-lhe a tampa craniana. 

Outra que me chateia é a gente perceber que a outra pessoa está o tempo todo a ler ou a escrever mails em vez de estar a participar na reunião. Acho de uma tremenda falta de respeito. Não que ao vivo isso não aconteça. Uma vez estava numa reunião com o que na altura era o presidente da empresa. Estávamos várias pessoas em volta daquela grande e bela mesa e reparei que ele estava a olhar atentamente para o tablet. Tentei abstrair-me para continuar a falar com propósito quando sabia que era dele a palavra final. Até que não aguentei, parei e disse: 'Não sei que quer que eu pare...'. Ele reagiu com surpresa: 'Porquê?'. E eu: 'Se calhar tem que estar aí concentrado e eu estou para aqui a falar...'. Atrapalhado, disse: 'Não, não, continue, peço desculpa. Estava aqui a ver uma coisa que chegou... ' 

Mas agora já não estou para isso. No outro dia, a pessoa que convocou a reunião esteve notoriamente distraída a ver outras coisas no seu computador enquanto um seu colaborador partilhava uma apresentação. Noutros tempos, ter-lhe-ia dito: 'peço desculpa mas estou aqui por seu convite. O mínimo que se espera é que preste atenção àquilo que quis que eu visse'. Mas não disse nada. Limitei-me a pôr-lhe uma cruz em cima, metaforicamente falando. Em casa do meu filho pratica-se a modalidade da bolinha preta. Quem se porta mal recebe uma bolinha preta e, por consequência, um castigo. Mentalmente faço cada vez mais isso. Faz porcaria -> bola preta. 

Também aconteceu uma coisa desagradável uns dias antes. Uma pessoa convidou várias outras. Quando lá chegámos (virtualmente falando, claro), ele não estava, tinha-se feito representar por um colaborador.  E foi esse colaborador que nos comunicou que o chefe tinha tido outro compromisso. Os demais olharam uns para os outro certamente todos pensando que deveriam acabar com a reunião logo ali. Mas a deferência de uns para com os outros impediu que o gesto mais óbvio fosse praticado.

E outra coisa que volta e meia acontece. A reunião está marcada com um certa duração, por exemplo uma hora, e um dos participantes, gostando de se ouvir, fala, fala, fala, e a gente vê o tempo a passar e constata que a coisa promete pois ainda mais ninguém falou. São reuniões que se atrasam, se sobrepõem às seguintes, impedem que uma pessoa sequer tenha tempo de intervalo e consiga levantar-se, ir à casa de banho, ir encher o copo de água, às tantas já uma pessoa enervada, atrasada e em falta para com as pessoas que estão noutra reunião à nossa espera. Chateia-me imenso isso, tenho que fazer um ginástica para parecer que estou totalmente focada quando, ao mesmo tempo, estou a enviar uma mensagem aos seguintes a desculpar-me e a apontar para nova hora.

Aqui. como em tudo, há aspectos que são de aprendizagem intuitiva, não é preciso ter nascido em berço de ouro ou ter tido aulas de etiqueta. Basta perceber a natureza das coisas e ter cuidado em respeitar os outros.

O meu amigo algoritmo, vendo que, no outro dia, achei graça à elegância e serenidade de Jamila Musayeva e talvez adivinhando a minha agarração à cegadas das reuniões a toda a hora, resolveu sugerir-me outro vídeo, agora sobre etiqueta zoom. Se eu estivesse no meu estado normal, ao ver como Jamila se apresenta (Hello there! I am Jamila Musayeva, a certified international etiquette consultant, an author, a teacher, an entrepreneur and a mom of two), faria um flic flac à rectaguarda e fugiria aos pinotes para bem longe. Agora não. Agora deixo-me estar meio a dormir a ouvir o que ela tem para dizer. Ainda por cima, não diz disparates. Pode dizer coisas óbvias mas, lá está, não devem ser tão óbvias assim pois todos os dias constato que grande parte das pessoas as não cumprem. E não cumprem porque não lhes ocorre ou porque se estão nas tintas.

Portanto, que entre a Sra Dona Jamila: Zoom Etiquette: How To Prepare For a Zoom Meeting.


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E claro que não era sobre isto que eu vinha falar. Como creio que alguns saberão, gosto muito de arquitectura e, portanto, enquanto dormia, estive a ver alguns vídeos com espaços que são muito a minha presente onda: peace and love, natureza, quietude

Gostei muito deste. 

Serene Architectural Masterpiece in Carmel, California | Sotheby's International Realty


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As composições são obra de Ertan Atay e são o que são, falam por si.

Tom Waits, que é sempre aqui muito bem vindo, interpreta I Hope That I Don't Fall In Love With You e eu, como ando sem inspiração, peguei outra vez no nome da canção e fiz dele o título desta coisa a que se convencionou chamar post. Outra vez um título que não tem nada a ver com nada?, perguntarão. É verdade. Assim anda também, em parte, a minha vida, cheia de imprevistos e inexplicações.. 

Nota: Não tenho conseguido responder a comentários pois, para o fazer, deverei estar acordada e, por estes dias, a esta hora, tenho andado basicamente a dormir. Se o texto for sem qualquer etiqueta, despenteado, desvirgulado, queiram por favor relevar ou avisar-me, ok? 
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Desejo-vos um santo feriado.
(Santo=podre de bom)

2 comentários:

Maria Dolores Garrido disse...

Bom dia.
Numa outra vida, participei em ações com formadores. E, por vezes, ele era mostrar fotos, enviar mensagens, falar alto para o lado, não baixar o som do telemóvel...
De facto, existem muitas coisas que podiam figurar no programa 'Irritações' da Sic radical.
E ainda mais irritante é quando há irritação quando são os outros a irritar.
Bem, como isso já foi na outra vida, vou regar as minhas flores pequeninas azuis que 'arranquei' de um dos seus vídeos. É como se fizesse festinhas ao meu neto mais pequenino.
Um dia bom, sem irritações. Essas virão na altura própria, ou talvez não. Quem sabe.

Estevão disse...

Uma casa destas, com aqueles foquinhos no tecto, nem dá vontade de ir lá fora ver as estrelas ..