domingo, maio 09, 2021

Um dia feliz

 





Estou encantada com a árvore grande, toda florida. Quem diria que uma árvore gigante daquela boa maneira se enfeitava com flores tão inesperadas. A natureza tem coisas surpreendentes.

Tudo está a florir. Ao fim do dia, quando nos despedíamos dos últimos, o meu marido chamou-me a atenção: olha, o hibisco já tem flores. Nem queria acreditar. Duas flores amarelas. Nos grandes frios de inverno, com as geadas da madrugada, parecia desfalecido. Secou, parecia acabado. Afinal, há algum tempo começou a renascer, as folhinhas a aparecerem. E agora já florido? Parece impossível. 

Um dos passarinhos que vive no ninho que, creio, antes era de andorinhas
[Podia ficar o dia todo a olhar para o movimento de entradas e saídas deste ninho]


Aconteceu outra coisa: fui à horta pôr cascas e restos de legumes na compostagem e, como tantas vezes faço, antes de voltar a casa, deixei-me ficar ali parada, respirando o ar húmido da vegetação, o perfume das árvores em flor, aquele ambiente tão bom. Estava ao lado de um dos dois arbustos de azevinho. E, então, ouvi um barulho. Sobressaltei-me. Depois percebi que era um bater de asas vindo de ali mesmo.  Olhei com um certo receio: era um passarinho, num pequeno ramo, mesmo no interior do arbusto. Quase tive vontade de estender o braço e tocar o seu corpozinho inocente. Mas contive-me. Não sei porque não voou estando eu mesmo ali ao seu lado. Amanhã irei lá para ver se ainda lá está.

À hora de almoço, depois de termos feito a nossa caminhada, fomos ao supermercado. Pensamos que é a melhor hora. À tarde, iriamos ter com a minha filha à praia, depois ela viria até cá a casa. E eu estava com esperança que o meu filho se nos juntasse. Por isso, não sabia bem as quantidades. O meu marido faz-lhe impressão preparar um lanche sem saber quem vem. Queria que eu ligasse. Não liguei, sei adaptar-me.

Queria ter uma coisa boa para o lanche. Os meninos têm sempre aquele apetite que me enche de alegria. Além disso, já vêm à espera de coisas que lhes agradem, não posso desiludir.

Trouxemos pizzas frescas, previamente idas a forno de lenha, uma de presunto, outra de carbonara. Eles adoram pizzas.

Também gostam todos dos ovos mexidos do avô, gostam deles em sandes. Mas pensei fazer outra vez bifanas pois pareceu-me que, no outro dia, gostaram delas em pão quentinho. Comprei lombinhos de porco preto, fininhos. Fritei-os em azeite, com louro, grandes dentes de alho com casca, cubinhos de bacon, um pouco de sumo de limão, um pouco de orégãos. Estavam com ar apetitoso. Mas não as provei. Estava sem fome, almoçámos tarde. Não estou habituada a lanchar.

Vi outra coisa que me deu vontade de arriscar: uma embalagem de moelas. O meu marido indignou-se: moelas? quem é que vai comer moelas? eu não como moelas! Não me demoveu. Mas, confesso, receei que começassem todos com expressões de rejeição. Moelas...?

Fiz assim: lavei-as e cortei-as ao meio, separando as duas metades. Num tachinho, coloquei azeite, uma cebola grande, das novas, sumarentas, uns dentes de alho e uma folha de louro. Deixei que frigisse. Juntei também uns bocadinhos pequeninos de bacon. Juntei as moelas cortadas. Pus umas pedrinhas de sal, pouco, salsa e coentros em quantidade generosa. Envolvi. Depois lavei umas folhas de alho francês, a parte verde, e cortei-as para o tachinho, cobrindo tudo. Deixei que refogasse. Depois juntei água, tudo coberto. Depois de ferver, baixei e ficou uma hora e tal, talvez duas, a cozinhar em lume brando, até que o caldo se reduziu, ficando as moelas envoltas num molho grossinho e verde. 

Cada núcleo familiar fica numa ponta da mesa. Comeram de gosto. Afinal, gostaram das moelas. Aliás, acho que gostaram de tudo. Pelo menos não se queixaram... As crianças pareceram-me entusiasmadas com os petiscos. Penso que todos gostaram. E isso deixa-me feliz. 

Para a sobremesa, a minha filha trouxe bolo de iogurte com chocolate, que estava óptimo. O meu filho trouxe fofos de Belas, bolos de que, volta e meia, me lembro, macios, com um creme mesmo bom. Mas Belas não me fica muito em caminho... Apesar de ainda não ter fome, não resisti e uma fatia do bolo da minha filha e a um fofo. É assim que dou cabo da linha. 

É de dias assim que gosto. Ter a família em volta da mesa, tão bom estarmos juntos, agarrar-me aos miúdos, vê-los a brincar, correr, a desfrutarem a alegria de estarem juntos. Os mais crescidos também em harmonia, todos envoltos em verde, na tranquilidade do reencontro. 

Depois, já eram oito, a rapaziada ainda foi jogar à bola e é uma festa, o mais crescido todo orgulhoso por ter feito uma cueca ao tio, o tio, para lhe fazer pirraça, dizendo que tinha feito de propósito para o compensar por antes lhe ter feito o mesmo. São da mesma raça: competitivos até dizer chega. Mas o menino não liga, sabe que o tio dá luta. Está tão crescido, já com feições de pré-adolescente. O mais pequeno anda no meio da confusão a gritar: passem-me, passem-me. Mas, tamanha a disputa, que ninguém arrisca uma jogada menos certeira. Quando estava à mesa, mostrou-me que estava a comer pizza: já comi três. Rico menino, mais lindo, mais lindo. Fico toda contente quando vejo que gostam do que lhes arranjei. 

Quando estavam a ir-se embora, o mais novo da minha filha disse que tinha caído em cima da poça de chichi do primo. Pensei que era brincadeira. Afinal não. Diz que o primo estava com vontade e, provavelmente, para não sair do jogo, fez ali mesmo, imagino que junto a uma árvore. Pelos vistos, logo depois, numa jogada mais intempestiva, este escorregou a caiu em cima. A minha filha, ainda a querer perceber a situação: e molhaste-te? E ele, com naturalidade: sim, no braço e na perna. A minha filha concluiu: quando chegares  casa vais logo tomar banho. Fiquei a pensar que devia estar perfumado. Rapazes.

Na praia, quiseram que lhes fizesse massagens. À vez, põem a máscara, eu ponho a minha, eu sentada no chão, eles sentados de costas para mim, entre as minhas pernas. Faço massagem nas costas, na cabeça, no pescoço, nos braços. Ficam zen, nem se mexem. O mais novo até fica com olhos gordos, quase a dormir. Por ele, ficava horas naquilo.

Cada um tem a sua. A minha menina mais linda, agora, mal chega, vai buscar as muletas que usei quando, há uns anos, fiz a artroscopia aos joelhos. Passou de andar com os meus saltos altos, para andar de canadianas. Anda, corre, brinca... sempre de canadianas. Como não me lembro nem descobrimos como se ajustam em altura, tem que andar inclinada pois estão-lhe curtas. Menina doce e bonita, com os olhos mais lindos do mundo.

O seu mano do meio continua um patifório de primeira, denuncia-a ao primo no jogo das escondidas mas ela não liga muito. Também encara com naturalidade que, quando é ele que anda à procura, em vez de ir a correr quando descobre os escondidos, faz de conta que não os vê. Hoje andava a fazer a ronda de bicicleta e, sendo óbvio que tinha visto a irmã e um primo, continuou à procura, fingindo que não fazia ideia. A irmã disse: 'Viu, viu. Faz sempre isto, finge que não viu'. 


Acho-lhes imensa graça. São todos diferentes mas muito amigos. Aliás, quando estão uns, estão sempre a perguntar quando chegam os outros.

O meu marido, de vez em quando, ameaçou que não iria dormir com ele, que o melhor seria ir dormir com os netos, que não tenho qualquer cuidado com a covid. Distraio-me, agarro-me a eles. Quando estava a despedir-me da minha filha, baixei a máscara para lhe dar um beijo na nuca. Com tanto cabelo que tem, foi mesmo no cabelo. Depois, distraída que não tinha máscara, agarrei-me a um dos meninos. O meu marido ia-me fuzilando. 

O meu filho também se zanga, oh mãe, olh'ó covid.... Mas esqueço-me. Tenho para mim que, ao ar livre, o bicho não pega. Mas tomara que não mesmo.

Ao fim do dia, estive a andar de balouço. Gosto muito. A minha filha fez um vídeo e mandou para o grupo da família. Depois recebi da minha menininha um monte de corações, cada um da sua cor. Fiquei toda contente. Menina mais querida.

Ah, e no meio daquilo, vi a minha filha estava ao telefone, animada, uma chamada de vídeo: era com a minha mãe. Acho que foi ver o vídeo que a neta lhe enviou comigo e, sem querer, fez uma chamada de vídeo, dizendo que não sabia como tinha feito. Estava de rolos. Um dos bisnetos, quando a viu, ficou sem palavras. Fartámo-nos de rir com o 'penteado'...

E é isto. Anda o país a discutir a cimeira e o mundo as patentes e eu não passo disto. Relevem, está bem?


__________________________________

As fotografias são cá de casa 
Ólafur Arnalds, New Grass

_______________________________

Desejo-vos um feliz dia de domingo

Sem comentários: