Sim, vi a entrevista. Sim, vi o debate na tvi24 que se seguiu. Sim, continuo a achar que toda a gente é inocente até prova em contrário. Sim, continuo a achar que ainda vale a pena haver tribunais. Sim, ainda acredito na Justiça, essa velha trôpega, tantas vezes entregue aos cuidados de gente que a mina e enlameia. Sim, podem chover canivetes que eu tentarei que não caiam directamente, a pique, sobre o peito nu dos que estão no chão, levando pedradas e pontapés da turbamulta.
O mundo dá muitas voltas e frequentemente o que se vê não é senão uma pequena parte do que há para saber. Na primeira pessoa muitas vezes o testemunhei. Mil vezes acompanhei, por dentro, conspirações, intrigas, farsas. Como assisto, sem preconceitos ou julgamentos prévios, às situações que me rodeiam, há muita gente que confia em mim. Confiam cegamente. Sabem que o podem fazer pois, se é para não falar, eu não falo. Tenho tido, portanto, a oportunidade de saber os contornos, as motivações, as manobras, os disfarces, de conhecer as actuações e as reacções --- e de constatar como, geralmente, é limitada e imponderada a visão dos que apressadamente julgam, pouco sabendo do que há para saber.
Em contrapartida, tenho testemunhado como é bondosa, generosa, a opinião dos outros para quem se apresenta como um sofredor. Pode o sofredor usar esse disfarce para ocultar uma alma de manipulador, um espírito de oportunista (quando não, mesmo, de desonesto), uma prática de mentira continuada. Bastar-lhe-á usar um jeito de vítima, de pessoa incompreendida, de alguém a quem os outros não reconhecem os méritos, pôr um arzinho indefeso de quem precisa de colo para que, perante a turbamulta, passe a ser visto como alguém que precisa de um conforto, que merece carinho. Tenho visto isso tantas vezes.
É assim.
Houve um primeiro-ministro que dizia que o povo é sereno. Mas eu digo outra coisa: tem dias.
Podem passar séculos, podem as temperaturas e as águas dos mares aí estar, a subir, podem ter caído monarquias e repúblicas, podem os homens ter ido à lua e mandado geringonças para marte, pode tudo. Mas a populaça é a mesma, gente que saliva e grita de entusiasmo enquanto alguns são puxados ao encontro da guilhotina, gente que não desvia o olhar quando um corpo indefeso cai inerte, desprendido da mente, da alma.
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Entretanto, passei os olhos pelas notícias. Hoje nada que me tenha agradado. Ontem sim. Duas que me dão que pensar, e por motivos distintos.
Uma é que Darius desapareceu. Tem cerca de um metro e trinta de tamanho e dizem que é o maior do mundo. A dona está preocupada, diz que o ladrão o pode matar por não saber os cuidados que Darius requer. A polícia está atrás do animal e a sociedade lamenta que haja quem mercadeje com coisas tão sensíveis, a saber, um ser vivo. E eu, reparo agora, estou a usar, pela primeira vez na minha longa vida, o verbo mercadejar. Aqui pensa-se que o ladrão vai querer mercadejar não um cabrito, que não tem, mas um Darius rabbit que está a deixar a dona com um buraco no peito, infeliz porque o seu Guiness já não esteja disponível para se fazer fotografar com ele nos seus braços.
A outra notícia é que uma bola de fogo de grande dimensão atravessou os ares a grande velocidade e que só por um bambúrrio de sorte não causou o fim da picada. Fireball lights up Florida sky as it 'passes uncomfortably close to Earth'. Passou longe, por sorte. Podia ter-me caído em cima e eu já aqui não estaria a escrever, ou ter caído em cima de si e já não estaria aí a ler-me, ou do João Miguel Tavares, do José Manuel Fernandes, do Filipe Santos Costa, do José Alberto Carvalho, da Ana Lourenço, do Ricardo Araújo Pereira e de todos os que sabem de tudo, antes de todos, e que -- sim, é verdade -- estão acima de todos e que, a ter-lhes a bola caído em cima, já não estariam por aí a manipular, a distorcer, a poluir a opinião pública. Tivemos sorte, todos.
Contudo, ao ver o vídeo, fico a pensar: até quando estaremos a salvo?
Estarmos a salvo é uma sorte: a salvo de que uma bola de fogo nos apague da superfície da terra, a salvo de que um qualquer outro evento não nos desgrace a vida.
A música, como é bom de ver, é: Get Up Stand Up por Skip and Cedella Marley (2020) | Playing For Change | Song Around The World
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Um dia feliz
3 comentários:
Bravo, bravíssimo!!
Um rico dia.
O primeiro ministro citado também dizia “é só fumaça”.
E perante esta espessa fumaça de tanto carpir e de tanto lapidar, ainda sobressai a atitude do “lider em formação”, em 2014, a propósito do Lula de cá, do “preso político” ..
Segredo de justiça
Sistematicamente a passagem para os média de partes de processos em segredo de justiça, ao longo de muitos anos, em casos que estes consideram «suculentos», criou a ideia de nada se poder fazer dada a impossibilidade de detetar a origem da fuga, se da acusação se da defesa, embora esta não tenha beneficiado das fugas, dada a natureza destas e a evidente intenção de provocar julgamentos na praça pública. Os inquéritos que se seguiam raramente apuraram a origem. Mas, como por vezes acontece, o juiz Ivo Rosa conseguiu a verdadeira proeza de do seu extensíssimo despacho nem uma vírgula transpirou.
Conclusão, Quis custodiet ipsos custodes ? é uma frase em latim do poeta romano Juvenal, traduzida como "Quem há de vigiar os próprios vigilantes?" e outras formas como "Quem vigia os vigilantes?", "Quem guardará os guardiões?", "Quem vigia os vigias?", "Quem fiscaliza os fiscalizadores?" ou similares.(WIKI)
Até quando normalizamos o abuso sistemático de quem se comporta acima da lei que deve respeitar e defender.
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