terça-feira, janeiro 05, 2021

Como se vive com demência? Como se vive com uma pessoa com demência? É possível combatê-la?

 


A primeira vez que soube de alguém concreto com demência foi com a mãe de um colega. Ele era daqueles solteirões ingénuos, desejosos de arranjar namorada, mas tão explícito nessa vontade que se tornava alvo fácil de chacota. As mulheres gostam de perceber que os homens têm uma certa malandrice e que já tiveram alguma vida. Ora, aparecer-lhes um homem com cerca de quarenta anos e que, pela sofreguidão que demonstrava, mais parecia um adolescente virgem é coisa que uma mulher dificilmente pode levar a sério.

Na altura eu tinha uma colega, a quem tinha levado para lá para me substituir durante a baixa de parto. Tinha-a conhecido na faculdade e tínhamos ficado amigas. Muito bonita, muito independente, muito maliciosa, ultra moderna, super gozona. Provocava-o só para se divertir com os inocentes entusiasmos dele. Eu casada, na altura já com a minha filha, pedia-lhe que não exagerasse pois ele não percebia, caía em todas as esparrelas, estava como se estivesse apaixonado, sem perceber que uma mulher como ela jamais -- em tempo algum  --poderia interessar-se por um inocente carente e totó como ele.

Vivia com a mãe, ele, uma senhora viúva, professora reformada, tinha sido uma mãe tardia. Falava dela sempre com cuidado e ternura e percebia-se que a mãe deveria querer que o filho se casasse e percebia-se que, até para dar esse gosto à mãe, ele não apenas tinha vontade de namorar como queria que fosse coisa 'a sério' para dar essa alegria à mãe.

Mais tarde, o namorado de longa data dela, um homem divorciado, mais velho que ela, com filhos adolescentes, com quem nunca vi qualquer afinidade nem grande interesse mútuo, saiu da hesitação em que andava há uns dois anos e propôs que namorassem mais a sério e casassem. Nunca consegui perceber qual o verdadeiro sentimento dela em relação a ele. Contava-me que andavam com advogados a discutir acordos pré-nupciais. Eu, que me tinha casado, miúda ainda, na desportiva, sem pensar em nada disso, aliás sem sequer saber que coisas dessas existiam, pasmava com tanta discussão para delimitar com o que cada um ficaria se se separassem. Ela tinha um apartamento dela mas ele morava numa grande casa numa zona nobre da cidade para além de que tinha uma outra casa na praia. E devia haver dinheiros, já não me lembro.

No meio disto, destas discussões entre eles, desentendimentos, geralmente aborrecidos um com o outro por estes motivos, entrou um jovem economista, alto, giraço todos os dias, uma simpatia. Arranjava sempre maneira de vir falar connosco: éramos os mais jovens e gostávamos de conversar e de rir. O outro pobre coitado andava pelos cantos a morrer de ciúmes, completamente descartado. Claro está que não tardou que, saindo eu para ir buscar a criança, dar-lhe de mamar e ir tratar da vida doméstica, ela e o jovem colega saíssem dali para beber um copo, depois beber um copo e ir jantar, depois beber um copo, jantar e ir dançar. Ela ia-me contando isso com sorrisos maliciosos, que o colega beijava bem que só visto, que dançava bem que só experimentando. O namorado dela devia andar muito ocupado com advogados e com os filhos adolescentes e a muito bem sucedida vida profissional que o levava a viajar muito, e ela andava naquilo, ocupada a gozar a vida.

Um dia, de manhã, apareceu com ar pesado, quase choroso. 'Então, o que foi?'. Nem precisava de ouvir a resposta mas ela confirmou: 'Aconteceu'. Fiquei admirada com aquele ar tão pesaroso quando estava na cara que tinha que acontecer. Disse-me que não, que não era suposto acontecer e que se sentia muito mal, que não sabia se havia de contar ao namorado. Respondi-lhe que ela parecia querer arranjar pretexto para se afastar do namorado e que aparentemente não gostava dele, que, se calhar, mais valia, simplesmente, dizer-lhe que afinal não gostava dele o suficiente. Desatou a chorar, que gostava, que não sabia porque tinha feito aquilo. Fiquei estupefacta, disse-lhe que me parecia que ela estava a enganar-se. Disse-me que não, que gostava mesmo. Achei extraordinário. Mas desde cedo aprendi que não se deve fazer juízos de valor.

Mais estupefacto ficou o bonitão com ela a cortar relações com ele, sem perceber o que tinha acontecido, que tinha sido uma noite fantástica, não entendia tal reacção. 

O outro ingénuo, percebendo que a costa estava livre, voltou a aproximar-se mas só recebeu da parte dela uma grande frieza.

Passado pouco tempo, a minha bela colega demitiu-se. E pouco tempo depois casou-se. E, como expectável, uns quatro ou cinco anos depois, período durante o qual andou a iludir-se relatando viagens, festas e feitos enamorados de ambos e louvando as grandes qualidades dele como se estivesse apaixonada, divorciou-se. Quando me contou, face à minha indiferença, perguntou-me: 'Não dizes nada?'. Só consegui dizer-lhe que não, e mudei de assunto. Desde o início era claro que n,ão eram um para o outro. Não sei como aquele pseudo-romance tinha durado aquele tempo todo pelo que a surpresa era essa, não que tivessem acabado.

Entretanto, tinha entrado uma outra colega, uma mulher grande, gorda, despudorada, desbocada, sempre pronta para uma conversa apimentada, palavrão de criar bicho de permeio. Também pelos quarenta, divorciada, mulher livre, sem receio do que dissessem ou pensassem. Os homens gostavam de provocá-la para verem até onde ela ia e ela nunca desiludia. O outro inocente, sempre a ver se conseguia namorada, não percebia que aquela não era também a mulher certa para ele. Mas o que ela se divertia com o pobre coitado. Ele, uma vez mais, caidinho por ela, autêntico babaca, toda a gente a gozar com ele e ele sem perceber. Ainda me lembro quando ela fez anos, ele a mandar entregar-lhe um ramo de rosas, ela levemente comovida -- mas toda a gente a gozar com ele e ela também, para não desiludir a plateia, e ele, tão tonto, apesar de tudo, a julgar que tinha encontrado a mulher certa. Durante muito tempo ela dizia-me que das poucas coisas que se arrependia na sua vida de excessos era de ter gozado com ele quando ele lhe tinha oferecido as rosas.

Até ao dia em que ele recebeu um telefonema da polícia: a mãe tinha saído de casa, tinha-se perdido, tinham-na levado para uma esquadra porque ela não se lembrava da morada, tinham encontrado na carteira dela o cartão de visita do filho. Ficou espantado, preocupado, saiu a correr.

Nessa tarde, voltou ao trabalho, disse que a mãe tinha ficado em casa, estava bem, não percebia o que se tinha passado. Tenho ideia que não se preocupou muito. Desvalorizou. Achou que toda a gente de vez em quando pode ter um lapso.

Continuava aquela paródia de flirt tardo-adolescente, ela tinha um carro meio velho e ele um desportivo e, volta e meia, um dos carros ficava lá durante a noite -- e nada de mais. Até que um dia, de tarde, ele chegou bem mais tarde. Não morando muito longe do trabalho, ao passo que todos nós almoçávamos uns com os outros nos restaurantes das redondezas, ele ia almoçar a casa com a mãe. Nessa tarde, vinha atordoado. A mãe não tinha feito o almoço e tinha deixado o gás ligado, sem colocar o tacho em cima e, aparentemente, não tinha dado por isso. Não tinha havido almoço e a mãe, que toda a vida tinha tratado escrupulosamente, do seu menino, aparentemente não estava nem aí. 

Na altura tenho ideia que pouco ou nada se falava em Alzeihmer. Eu também ficava espantada com aquilo, dizia-lhe que alguma coisa não estava bem. Ele dizia que ela conversava bem, estava bem, de boa saúde, cuidava da casa, que não percebia o que tinha sido aquilo, talvez tivesse adormecido, talvez nada de mais.

Mas, progressivamente, as coisas estranhas iam-se sucedendo. Um dia, quando ele ia a chegar a casa, viu uns sacos de plástico com roupas à porta de casa. Espreitou e pareceu-lhe perceber serem lençóis normais. Quando perguntou à mãe que sacos eram aqueles, ela disse que não sabia mas ele viu as gavetas da cómoda desarranjadas, meio esvaziadas.

A partir daí foi em crescendo. Coisas inexplicáveis, esquecimentos, alheamento. A tristeza dele era comovente. Ajudámos muito, nós, com os nossos conselhos, ouvindo-o, apoiando-o. Mas apoiou-o, sobretudo, ela, a maria-doida. Foi uma irmã para ele. Por fim, saíam juntos para ela ir ajudá-lo no que fosse preciso, e cada vez era preciso mais. Passou a ter que fechar a mãe pois fugia e perdia-se, deitava tudo fora, tinha que deixar a torneira do gás desligada. Andava sempre em pânico. As coisas que ele contava enchiam-no de estranheza e a nós também. Acabou por contratar uma senhora para ficar com a mãe durante o dia. Frequentemente, confundia o filho com o marido, depois com o pai. Por fim, já nada dizia que fizesse qualquer sentido. Já não tinha força nem qualquer autonomia. O declínio foi rápido. 

Na altura falava-se de demência. Quando ele falou em Alzeihmer ficámos a saber que havia uma doença com esse nome.

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A prescrição de Sanjay Gupta para combater a demência

The neurosurgeon, CNN commentator and author of "Keep Sharp: Build a Better Brain at Any Age" has long studied the brain and the onset of Alzheimer's. He talks with CBS News chief medical correspondent Dr. Jon LaPook about the recommended steps to a healthier brain, from diet and exercise to the value of sleep and social interaction.

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Pinturas de Paula Rêgo ao som de Spiral · Ólafur Arnalds
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Desejo-vos dias felizes

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