sexta-feira, novembro 27, 2020

Alf e Gonçalo M. Tavares: o elogio da derrota em grande estilo
[Com o Valtinho aqui no meio a segurar a vela]

 

Fui a uma pequena livraria de bairro. Há muito tempo que andava a ser catequizada para lá ir e, na verdade, de bom gosto lá iria se me ficasse em caminho, se fosse fácil estacionar lá perto ou se estivesse aberta fora de horas. Nunca era o caso. Mas desta vez, por outros motivos, tive que ir a um sítio nas redondezas e aproveitei. 

Gosto de comprar livros em livrarias a que já conheça os cantos. Ali não. E, como é pequenina, tem tudo muito concentrado, cada milímetro ocupado. E não estão apenas ao alto, em estante. Não, há pilhas, tem que se ir levantando um e outro e outro para descobrir o que está por baixo. E há estantes até ao tecto e eu, míope, não consigo ver nada do que para ali vai.

Mas uma livraria é uma livraria é uma livraria e, passados os primeiros minutos de desorientação, já eu estava a separar um e outro, a fazer montinhos. E pus-me na conversa com a simpática Livreira que me contou que há quase trinta anos luta para manter a livraria aberta e que, apesar da luta, é para ela um prazer ali estar. Que conversa boa, que ambiente acolhedor.

Comprei a pensar que dali extrairia presentes de Natal para todos e, pelo meio, acredito que sobrarão um ou dois para mim. 

E, às tantas, na exploração, dei com um do Mãe, essa coisa mais fofa (refiro-me ao Mãe, não ao livro, que não li). Tenho ideia que saiu livro dele há pouco tempo pois tenho-o apanhado por aí, sempre a dizer coisas fofinhas, sempre a lamentar não ter filhos, sempre a ser o amiguinho fofo que as meninas tristes e as senhoras solitárias gostariam de ter. Nunca percebi porque é que, com tanta senhora a babar com suas as fofices, nunca nenhuma se ofereceu para ser mãe de um filho que teria duas mães, sendo que uma do sexo masculino (ups, que trocadilhinho mais coisinho). Folheei o book e pareceu-me o do costume, mais do mesmo. E digo-o isto com à-vontade e isenção até porque nunca consegui ler nenhum livro do peludo escritor. Não sei se o que vi é o último mas lá estava ele na capa, desenhado como gosta de se mostrar, nu, peludão, quase machão. Mas estava com o bracinho em frente das partes pudibundas pelo que, ó que pena, não se lhe vê o passarinho. Aliás, cá para mim já nem o tem no sítio pois, fofura das fofuras, está com ele na mão. 

Mais à frente, um do ilustre escritor Gonçalo M. Tavares. Outro que tal. Só não se queixa de não conseguir fazer filho. E, que eu saiba, também nunca se apresentou em pelota. E acho que não dá entrevistas fofas. Mas tem ar de também ser peludo e, sobretudo, também nunca conseguiu escrever coisa que se aproveite. E, igualmente, estou à vontade para o dizer: nunca li nada do ilustre escritor. Nunca consegui vencer a barreira que se ergue entre mim e a sua prosa.

Sou como os enólogos: cheiro, espreito, vejo-lhes a cor. Folheio, folheio. E só compro aquilo que me parece ter substância. E, caso me pareça que tem substância, que me pareça ter elegância. Mas, até hoje, nunca vi nenhum livro do Gonçalo M. Tavares que cumpra os mínimos.

Sou leiga? Claro. Leiguíssima. Básica? Ui, ponham básica nisso. Portanto, é do alto da minha ignorância que o digo: de cada vez que, nas livrarias, folheio algum livro do Gonçalo M. Tavares penso sempre: este fulano não dá uma para a caixa. Nada do que escreve faz sentido, tem graça ou, sequer, tem utilidade. Penso eu. De que.

Por isso, nunca percebi como é que continua a publicar livro após livro, uma publicação numerosa e incompreensível, direi mesmo torrencial  -- por acaso até acho que alguém deveria fazer-lhe o que se faz aos cães: esterilizá-lo, literariamente falando, claro --, a receber prémios, a andar por aí, até literalmente falando (passava a vida a vê-lo, na minha encarnação pré-pandémica). 

E ainda menos percebo que uma pessoa como o digníssimo alf se dê ao trabalho de escrever um longo, elaborado e erudito texto sobre a obra do dito GMT. Será que o alf conseguiu submeter-se ao castigo de tragar tanta página de tão desconchavada prosa? Ou é que nem eu (mas em bom) e consegue fazer tal dissertação só a partir do que intui da extensa e desiluminada obra? Mistérioooo....

Seja como for, é digno de se ver. Se puderem apreciem a arte de bem esquartejar a todo o post: Gonçalo M. Tavares: investigação de um sucesso inevitável (com um bocadinho de inveja à mistura, texto galhardamente ilustrado com imagens de Irina, ex-Miss Aveiro, que nada tem a ver com o contexto tal como David Gandy que aqui nos visita e que, qual J. Pinto Fernandes, igualmente nada tem a ver com a história.


Tão lindo que ele é apesar de não ser um escritor de alto gabarito como o nosso fofo Valtinho ou o nosso prolixo Gonçalito.
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E queiram continuar a descer para presenciar os pré-beijos na boca da Catarina & Mortáguas ao Rio e, quem sabe, um qualquer dia destes, ao Ventura. Como diria o outro: uma órgia.

14 comentários:

APS disse...

A "Escriba", certamente. Um pequeno oásis!
Estou consigo em relação ao caxineiro mãezinha e na pelintrice do Tavares copiador - bastaria ler o arrazoado indigente do diário da peste, no semanário do regime...
O país é pobre, actualmente, em plumitivos, e quem não tem cães, caça com gatos.
Um bom fim-de-semana.

Gato Aurélio disse...

GMT faz parte dos meus escritores eleitos. Não o leio todos os dias nem toda a sua obra mas de cada vez que o faço, sinto-me tranquilamente inquietada:
https://gatoaurelio.blogspot.com/search?q=GON%C3%87ALO
Votos de uma boa sexta feira :-)

Miss Smile disse...

Como mera leitora, tenho apenas a dizer que gosto muito do valter hugo mãe, mas que gosto ainda mais do GMT. Do último, aprecio a lucidez, a articulação de teses com itinerários ficcionais e o humor lúgubre e melancólico dos seus livros e micronarrativas. Para mim, é um escritor original que me faz pensar e interrogar o mundo. Adoro a coleção «O Bairro», sobretudo, pela forma como cruza história da literatura com ficção. E embora seja fundamental distinguir a obra do autor, quero acrescentar que gosto também dele como pessoa.

Um bom fim de semana, JM. :)

João Lisboa disse...

Na qualidade de, pelo menos, tão grande fã do vhm como a UJM, seria indesculpável não lhe fazer esta modesta oferenda: https://lishbuna.blogspot.com/search/label/valter%20hugo%20m%C3%A3e

O GMT é apenas tremendamente aborrecido, banal e indigesto.

Diogo Almeida disse...

Hum. Tanta virulência...

A Roberta Medina disse uma vez que, assim que viu que era preciso sair da folha branca e produzir, desistiu do curso de Belas Artes. Pois. Evidentemente, não é desta sinceridade que «assiste» ao VHM. A falta de noção é gritante, absurda. Como muitos outros. Hoje, lê-se meio livro e produz-se 35, com pose quem pertence ao stardom e merda vendida como «literatura», que é palavra massacrada até mais não. Parece que o mundo inteiro sabe o que é. Não se lê, mas faz de conta que sim.

E até para dizer mal se deve estar por dentro; só assim é legítimo.



Um Jeito Manso disse...

Olá APS,

Nem mais, a Escriba. Que livraria encantadora. Conhece?

Pequenina, o espaço milimetricamente aproveitado. E a Livreira uma pessoa de uma afabilidade também encantadora. E livros bons, alguns que, nas grandes livrarias, ou estão escondidos ou só por encomenda. Fiquei rendida.

Há muito tempo que andava a ser instada a ir conhecer e, na realidade, é um dever que temos, o de ajudarmos a manter estas livrarias independentes. E que luta a da Rosa Alface para manter aberta a porta, para não se deixar vencer pela feroz concorrência...

Quanto a escritores portugueses da actualidade a coisa não anda fértil. Assim de repente lembro-me de algumas mulheres. E tínhamos Agustina na prosa, tínhamos Sophia na poesia. E o Herberto, sim, também. E Eugénio, e António Ramos Rosa, o Manuel António Pina, o Saramago. Mas já se foram. Se calhar estou a esquecer-me de nomes imperdíveis mas é o risco de estar a escrever sem pensar antes.

Olhe, APS, ao estar a escrever isto fiquei a pensar. Quem deveria eu elencar de entre os vivos? Maria Teresa Horta, Hélia Correia. E mais?

Obrigada pelas suas palavras.

Um Jeito Manso disse...

Olá Gata,

Pois é... fui ver o seu exceto e... lá está... não me diz nada... Gostos não se discutem. Quando eu, na minha outra casa, resolvi plantar ciprestes, muita gente se espantou, se desagradou. A árvore dos cemitérios, que horror. E, no entanto, nem por um instante tal me tinha ocorrido. Acho uma árvore linda, elegantíssima, de uma dignidade que me encanta. E estou a lembrar-me de quando um conhecido, há uns bons anos, me disse com ar convicto: Tem que ler 'O Alquimista'. É a sua cara,. Fiquei estupefacta. Como era possível alguém achar isso? Quer crer que fiquei a olhar para ele de outra maneira...?

Por qualquer ângulo pelo qual olhe para os textos do Gonçalo M. Tavares, não consigo encontrar ali nada que me pareça justificar a leitura... Acho-o um chato, parece-me que só diz banalidades. Mas ainda bem que somos diferentes, assim a vida tem mais graça.

Um bom domingo, Gata!

Um Jeito Manso disse...

Olá Miss Smile,

Pois acredite que me deixou admirada. Não a 'via' a gostar de qualquer deles. Aliás, deixou-me a pensar se não estarei a ser preconceituosa ou a lê-los sob um prisma errado. Mas acho que não, que o santo deles não cruza com o meu. Aliás, cada vez mais parece que procuro o desalinhado, o imprevisto, o que me surpreenda. E, ao folhear os livros deles, não encontrei até hoje nada que me sobressalte ou cative.

PS: Já alguma vez lhe disse que gosto imenso de ler o que escreve? E tenho pensado naquilo de escrever sobre algumas mulheres bloggers e tento, por exemplo, escrever sobre si. Mas não consigo, sabe? As mulheres têm muitas texturas, várias camadas, têm dias, têm ângulos. É difícil. Também me parece que me levariam demasiado a sério. Não sei. Teria receio de aflorar melindres sem a devida dose de sensibilidade, teria receio de deixar escapar aspectos relevantes e dar importância ao que não interessa. Mas tenho andado a pensar nisso... a ver se um dia me deixo de frescuras e me atiro à empreitada.

Um bom domingo, Miss Smile

Um Jeito Manso disse...

Olá João,

O que me ri com as suas invectivas. Muito bom. Ri de gosto.

E fiquei estupefacta com a prosa 'erótica' do Valtinho. Não fazia ideia que aquela coisa fofa afinal precisa é de pimenta na língua... Caraças, quem diria...? Malandreco, o Valtinho.

Querem lá ver que o Mãe é o verdadeiro autor de O meu pipi?

Um bom domingo!

Um Jeito Manso disse...

Olá Diogo,

Sabe o que é? Tenho alguma falta de paciência para esta coisa de se encherem páginas e páginas de uma conversa que a mim não me parece literatura. E, depois de ter lido o seu comentário, até escrevi no post seguinte que não preciso nem quero ler um livro que não me agrada (ou melhor: que não me agarra) para poder dizer que não gosto.

Ainda bem para o Mãe ou para o M. Tavares que há quem goste e compre os seus livros. É como o António Lobo Antunes. Desde há já bastante tempo que não consigo ler os romances dele. Folheio, folheio e parece-me que é mais do mesmo. E ao falar em 'mesmo' refiro-me aos livros que tentei ler dele. Não consegui, desisti. Uma conversa redonda, sem rumo, sem graça, sem nada. Não quer dizer que, de vez em quando, não se encontre, no meio, bons nacos de prosa mas perdem-se no meio de palavras ditas e ditas sem um fio condutor que eu sinta vontade de agarrar. Contudo, gosto das suas Crónicas.

Gostos...

E como vai de produção artística, Diogo?

Um bom domingo.

Diogo Almeida disse...

Eu sou muito bipolar no que respeita à produção artística. Respeito os tempos. Creio que é necessário, mesmo, arrefecer, ou seja - e alinhando com Picasso - a inspiração existe, mas tem de te encontrar a trabalhar. Quero dizer que é um poema aqui, um desenho acolá, neste momento.

Quanto à literatura e seus autores, respeito, claro, as suas opiniões e esse quase sexto sentido que quasi-intui, pela capa, se é texto capaz de a agradar (ou agarrar), embora, no caso do Tavares, não compreenda. GMT trabalha. E bem. Não é um músico barato, de nota desprendida, mal tocada; mas terá também os seus lados lunares. Já foi escritor mais representado nas minhas estantes, por exemplo. Mas não sou guia de nada, e até me causa algum desconforto a linguagem quadrada, de série, do GMT; eu que sou todo mais free-jazz.

Um bom Domingo, UJM.

APS disse...

Ora viva, UJM:

quanto à "Escriba", não só conheço, como frequento e encomendo.
Das suas escolhas, subscrevo o livro de Mónica Baldaque, que li antes de sair (antigos conhecimentos) e a obra de Teixeira-Gomes.
Em leituras, reputo que idade obriga a exigência, se houver sentido crítico. O panorama nacional é pobrezinho. Quando muito só segunda divisão: acompanho, dos vivos, Mia Couto, embora epígono de Guimarães Rosa e muito inferior, e Mário de Carvalho; em poesia, Gastão Cruz e Manuel de Freitas.
E, dos estrangeiros, só lamento ter esgotado E. M. Cioran, G. Steiner e Sebald, porque, como é sabido, a pensar e ensaiar o português não sabe, a não ser aproximadamente - Eduardo Lourenço.
Que a natureza lhe seja propícia, neste Domingo indeciso!

APS

Um Jeito Manso disse...

Olá Diogo,

Gosto muito do que faz, seja quando escreve seja quando desenha ou sobrepõe texturas e luminosidades. Há sempre uma intensidade contida, como se quisesse disfarçar a intensidade do que lhe vai dentro. E há um sentido estético que me agrada. Concordo que nada na arte deve ser forçado pois acredito que há momentos em que a pessoa sai de si para deixar espaço ao ímpeto criativo. Mas também acredito que, como refere, referindo Picasso, há que estar a postos para que a inspiração não o apanhe despreparado.

O GMT quer fazer coisas, quer preencher páginas, quer ocupar um espaço. De tudo o que lhe vi quando o espreito não encontrei um pingo de originalidade. Mas pode ser que, sei lá.

E folgo que o Diogo seja mais free-jazz. Condiz consigo.

Abraço!

Um Jeito Manso disse...

Olá APS!

Como acredito que vou voltar à Escriba, quem sabe um dia não nos encontramos por lá, se calhar cada um a fazer montinhos para seu lado.

Tenho sempre receio de fazer escolhas pois receio ter esquecimentos imperdoáveis.

Tem graça ter falado de Cioran. Tenho aqui um livrinho que ando a ler aos poucos, intercalando com o que calha: 'Exercícios de Admiração' com textos e prefácios que ele escreveu sobre outros autores. É de tradução brasileira pelo que fica algo curioso ler as palavras de Cioran em português açucarado. Mas, enfim, seja como for, é um prazer. Livros sobre livros ou sobre escritores são sempre gastronomia fina.

Esteve de chuva mas, para o fim, a tarde veio com sol e foi bom.

Uma semana boa para si, APS.