sábado, junho 06, 2020

Pôr Trump a ridículo dizendo nada, apenas mexendo os lábios.
[Post com outras coisas dentro como, por exemplo, duas selfies, algumas flores e outras imagens colhidas in heaven]







Não tenho andado a dormir muito bem. Acordo muito cedo e não volto a adormecer. Como me deito tarde, isso traduz-se em poucas horas de sono. Hoje pensei que, a seguir ao almoço, durante uns minutos, poderia descansar, quiçá, até, passar pelas brasas. Reclinei-me mas não adormeci. De resto, logo tocou o telefone. Pensei que, a seguir ao jantar, talvez adormecesse. Mas não adormeci. Tenho a sensação que a minha cabeça trabalha de mais e descansa de menos.

Ligo a televisão na esperança de ouvir música de qualidade, ver documentários de arte, entrevistas a arquitectos ou pintores. Ou bailados. Sinto que o mundo precisa de algum silêncio. Precisa de uma pausa. Isolamento no meio da floresta. Contemplação silenciosa do mar ou do voo de um pássaro. Gostava de ver documentários sobre jardins. Gostava de ouvir dizer poemas. Gostava de ouvir falar pessoas que falem uma língua nova, que falem de filmes, de músicas, de compositores, de escritores. Podia ser um filme sobre Virginia Woolf. Ou sobre José Rodrigues Miguéis. Gente que lesse trechos seus, que falasse sobre ele, passagens da sua vida e dos seus gostos, a música de que gostava, os cozinhados que mais apreciava. Coisas assim. Ou sobre Menez. E quem diz esses, diz outros.


Também podia ser outra coisa: pessoas normais conversando sobre assuntos banais, conversando entre si. Só isso. De vez em quando algum silêncio, de vez em quando alguma música.

Se eu tivesse um programa de televisão, convidava algumas pessoas que eu cá sei. Sentava-me com elas num terraço com flores, pedia a essas pessoas que escolhessem umas músicas, e deixava-me ficar a conversar com elas. Gosto de fazer perguntas que deixam as pessoas caladas, apanhadas desprevenidas, sem saberem como responder. Depois, ao fim de um bocado, porque não querem deixar de corresponder, começam a falar e começam a ficar surpeendidas e entusiasmadas com o que as suas palavras dizem. Depois fico calada, apenas a ouvir. As pessoas conversam muito facilmente comigo, fazem-me as mais inesperadas confissões. Depois, daria o braço ao convidado e iria passear com ele pelo jardim. A música continuaria a tocar até ao entardecer. Ao cair da noite subiríamos para o terraço e continuaríamos a conversar. Sobre livros, sobre músicas, sobre músicos.


Também poderia ver uma história de amor se passasse alguma na televisão. Uma insólita e bela história de amor. O amor vivido através de memórias. O amor vivido através de cartas. O amor através de ausências, silêncios, demi mots. 

Um dia vou escrever guiões para filmes. Uns vão ser eróticos, quase escandalosos. Outros românticos, deliciosamente românticos. Outros de morrer a rir. Só de pensar já fico numa impaciência para me dedicar a isso. O pior é que só consigo escrever de noite. De dia tenho que viver como se não houvesse a noite. E à noite vivo como se não houvesse o dia.

Enfim.


Mas não há disso na nossa televisão. Ligo e vejo as coisas do costume, ouço falar de crimes, de mortos, vejo os mesmos comentadores de sempre a falarem dos mesmos assuntos de sempre. Geralmente falam da actualidade. E a actualidade é, por definição, perecível, coisa permanentemente condenada a ser passado. Salvo raras excepções, é coisa que começa a desinteressar-me. Quero coisa nova, rasgo, perfume bom, gesto de amor, rasto de raposa, pegada de leopardo, caligrafia desenhada a tinta permanente, compreensão, carícia ao de leve, música irreal, mistura de cores, vontade de uma janela aberta para o desconhecido, gato atravessando a noite, uma música vinda de longe. Não é pedir muito, acho eu.


Então, como não encontro isso na televisão, nos meus tempos livres sento-me no sofá, abro a janela, ouço o canto oculto dos pássaros, vejo o seu saltitar colorido aqui mesmo à frente, ou saio para andar pelo campo, fotografo a luz e as sombras -- tantas fotografias, sempre os mesmos motivos -- ausento-me da actualidade que as televisões me mostram, ausento-me de mim, tento que esta suavidade descanse a minha cabeça.

Depois, quando a noite se adentra pela madrugada, ponho-me a ver os vídeos que o meu amigo algoritmo me mostra, divirto-me, irrito-me, agonio-me, desculpo o mundo, desconforto-me, sorrio, penso, preparo-me para a noite breve e para um novo dia.


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E os vídeos que o algoritmo hoje achou que eu ia apreciar são estes

Sarah Cooper, a Grande -- Trump e a Bíblia





O palhaço-mor e a bela e estranha múmia paralítica


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Um bom sábado!

4 comentários:

Francisco de Sousa Rodrigues disse...

Sempre inspirada pelas coisas belas que tanto necessitamos para sermos mais humanos.

Lindas fotos de um lugar que merece mesmo a toponímia de "heaven".

Um fim-de-semana condizente com beleza.

" R y k @ r d o " disse...

Como os poetas, aqui sonha-se. Claro que o sonhar pode ser mau mas também pode ser bom.
Gostei muito de ler a publicação, como gostei, das imagens. E, fiquei eu também pensando... ou será que, acordado, fiquei sonhando?

Um Sábado feliz
Cumprimentos

Um Jeito Manso disse...

Obrigada Francisco,

Parece que a paz que por aqui paira me abençoa, sabe?

Penso sempre que seria tão melhor se todos nos sentíssemos em dívida para com os outros, incapazes de lhes fazer mal. Tenho muita dificuldade em perceber a estupidez das pessoas que se sentem com poder sobre a vida dos outros.

Obrigada pelas suas palavras sempre tão simpáticas.

Aquele abraço!

Um Jeito Manso disse...

Olá R y k @ r d o,

Sonha-se por aqui, sim, passeia-se, observam-se os verdes, as flores, ouvem-se os pássaros. Por aqui, in heaven está-se sempre em paz.

Fico contente que tenha gostado de aqui estar. É bem vindo.

Um belo domingo!