Os tanques de lavar a roupa com a água do rio |
Ontem falei. Imaginava uma terra de casas escuras, sem flores, sem ponta de graça, tudo gente mumificada em casas quase abandonadas e lúgubres. A minha filha ajudou-me a definir o que eu imaginava: uma terra austera. Mas era pior que austera, o que eu imaginava.
Quando penso que não sou preconceituosa, sou confrontada com o meu absurdo preconceito. Sou preconceituosa, sim, e da pior espécie, da espécie que ignora que o é.
Até hoje nunca tinha sentido qualquer vontade de visitar Santa Comba. Mas nem eu nem o meu marido. Era como se, sem ser necessário verbalizá-lo, achássemos que o espírito do velho das botas -- o supremo beato da voz de cana rachada, o sinistro parceiro da D. Maria, criadora de galinhas em S. Bento, santo patrono da PIDE e apascentador de visõezinhas cinzentas e pequeninas, grande fomentador do permanente atraso de vida, do crónico sentimento de culpa e do medo da liberdade, fascistazeco de trazer por casa -- vivesse ainda por entre casas sombrias e para sempre tocadas pelo venenosa baba do dito.
Passámos, pois, sempre ao largo.
E em boa hora o fizemos. Que surpresa. Uma preciosidade, uma beleza, uma pérola florida, chilreante de água.
Por aqui tem chovido que deus a dá. Por isso, ontem, descuidadamente sem chapéu de chuva, a meio do passeio a pé, tivemos que correr para o carro. Mas o que vimos, fez-me sentir pena.
Porque é que nunca eu tinha ouvido dizer que esta terra é tão bonita? Mas bonita, bonita mesmo. Será que, tal como eu, há mais gente presa a preconceitos, sem vontade de ir conhecer? Ou será que quem lá vive ou conhece o segredo da sua graça, se envergonha de mostrar orgulho? É que parece uma heresia daquelas de que qualquer pagão ou santo se deveria arrepender. Morar aqui deve ser um privilégio. O som da água, dos passarinhos, a tranquilidade do lugar só pode ser uma benção. Quanto ao espírito ruim do velho das botas pois que se dane ou descanse em paz, tanto faz. Já era. Saltemos a pés juntos em cima da lembrança dele, sempre que tal se nos ocorra, para que nenhum outro vírus da mesma estirpe volte a atentar o nosso juízo. E abençoemos a beleza desta terra que não tem culpa nenhuma de quem lá nasceu.
Porque é que nunca eu tinha ouvido dizer que esta terra é tão bonita? Mas bonita, bonita mesmo. Será que, tal como eu, há mais gente presa a preconceitos, sem vontade de ir conhecer? Ou será que quem lá vive ou conhece o segredo da sua graça, se envergonha de mostrar orgulho? É que parece uma heresia daquelas de que qualquer pagão ou santo se deveria arrepender. Morar aqui deve ser um privilégio. O som da água, dos passarinhos, a tranquilidade do lugar só pode ser uma benção. Quanto ao espírito ruim do velho das botas pois que se dane ou descanse em paz, tanto faz. Já era. Saltemos a pés juntos em cima da lembrança dele, sempre que tal se nos ocorra, para que nenhum outro vírus da mesma estirpe volte a atentar o nosso juízo. E abençoemos a beleza desta terra que não tem culpa nenhuma de quem lá nasceu.
De resto, parece que não foi bem em Santa Comba Dão mas no Vimieiro, outro lugar abençoado de que daqui a nada já falo, que o sinistro rato de sacristia nasceu. Mas tanto dá. Era o que faltava que um rato merdoso pudesse destruir a beleza do lugar que o viu nasceu. Não pode.
Portanto, viva Santa Comba Dão.
A terminar e num àparte. Quando estava a andar e a fotografar, reparei como dois prédios estavam tão inacreditavelmente juntos. Quase que de um, estendendo o braço, se poderia tocar no outro. Apontei e fotografei. O meu marido disse 'a senhora não deve ter achado graça nenhuma a que a tivesses fotografado'. Fiquei espantada. Míope como sou não tinha visto senhora nenhuma mas fiquei arreliada comigo mesmo. Coitada da senhora, estava na sua vida e passa uma qualquer na rua e fotografa-a. Contudo, à noite, ao ver a fotografia, verifiquei que a senhora sorriu para mim. Tivesse eu reparado nisso e tê-la-ia cumprimentado. Coloco aqui a fotografia ou, melhor, a ampliação da parte da fotografia em que se vê a senhora (como a ideia foi fotografar os dois prédios encostadas, a senhora, na fotografia original, é quase um pormenor no infinito) como forma de retribuir o seu simpático sorriso. Muito obrigada.
Até já, no Vimieiro.
1 comentário:
Quando ainda não existia a auto-estrada,nem a IC-12, passávamos por Santa Comba Dão, sempre que fazíamos a viagem, com nossos pais (e mesmo depois, mais tarde) e recordo-me de passarmos junto à casa de Salazar. Nessa altura entrava-se mesmo em Santa Comba. Um dia, quando fui com uns amigos passar uns dias a casa de meus avós da Beira-Alta, éramos jovens - já depois do 25 de Abril -, perguntámos a umas pessoas, com ar fingidamente reverente, "onde ficava a casa do Ditador Salazar" (nós sabíamos muito bem onde ela estava, pois passávamos por ela). Aos locais a quem a pergunta foi feita não escapou a palavra Ditador, mesmo dita com (falsa) reverência. Um riu-se, mas uma velhota zurziu-nos, atirando: "era um bom homem e sério. Vocês, canalha jovem, um dia irão perceber isso! Vão com Deus!" ("canalha" não era um termo ofensivo, significava apenas "malta nova").
Conheço bem essa região e mais adiante.
Se um dia for até aos lados de Avô, vire em direcção à Aldeia das Dez e suba até ao Monte do Colcurinho, onde aliás está uma capelinha e ali, do alto dos seus 1.244 metros, irá usufruir de uma vista paisagística espantosa, com a Serra do Açor em volta. É um miradouro natural deslumbrante. Mas, cuidado a subir, pois exige cuidado e muita atenção do condutor.
E pode ficar instalada no Hotel ali relativamente perto, nas Caldas de São Paulo (perto de Oliveira do Hospital), o Aqua Village Health Resort.
P.
Enviar um comentário