Esta minha hibernação tem a particularidade de eu não ter tempo para nada, muito menos para descansar. Acresce que hibernação que é hibernação tem garantida a televisão por cabo ou cenas afins e, eu aqui, zero: os quatro canais generalistas, a rtp3 e a memória, e é um pau por um olho. Uma pessoa, ao fim de algum tempo aqui enfiada, não apenas se sente uma ursa como sem pachorra para notícias, cada uma pior que a outra. Deviam abrir um canal só para boas notícias. Outro só para orquídeas para mostrar um mundo florido à Luísa. Outro só com aulas práticas de corte de cabelo à la maison, culinária, ginástica, costura, jardinagem de varanda e coisas afins. Isso é que era. A televisão digital terrestre deveria alargar a oferta e disponibilizar canais para coisas assim. E um canal só para poesia. Numa altura destas, a cura da alma é capaz de vir da poesia. Ou da música.
Mas não. Ou vejo repetições com ar vintage ou desgraças ou tretas. Por isso, invariavelmente esqueço a televisão e viro-me para a página em branco, esta que aqui vou bordando.
O que me apetecia agora era acordar amanhã e haver uma boa notícia. Não apenas aquela dos testes de fazer em casa em quinze minutos (que é boa mas not enough boa) mas outras ainda melhores, como, por exemplo, que o paracetamol misturado com sumo de limão, orégãos, hortelã e uns grãos de pimenta rosa matavam o bicho em três tempos. A pimenta é porque consta que o bicho é capaz de não ir à bola com calores. Ou que o sumo de meia beterraba misturado com o de uma laranja, um pouco de tomilho, uma folha de manjericão e um pé de salsa fazia o efeito de uma vacina contra este covid e todos os coronas que por aí derem as caras.
Ou, então, um dia, estando eu nesta hibernação de faz de conta, ouvir foguetes everywhere e, ao ligar a televisão para saber que festança era aquela, dar com breaking news a bombarem em todos os canais, que havia ordem de soltura, que quarentena já era, que já se sabia como prevenir e matar o bicho, que bastava tomar banho e lavar os dentes três vezes por dia e, pelo meio, ir bebendo água morna com um cheirinho a licor beirão e covid já era, e que era tempo de toda a gente ir para a rua para lhe saltar em cima a pés juntos.
Enfim. Ou isso ou coisa do género desde que igualmente boa. Nisso não sou exigente. Só quero notícia boa. De preferência rápida, acessível, coisa de pôr toda a gente a rir na cara do corona.
E quero outra coisa, se faz favor. Que nesse dia esteja sol para a gente se ir abraçar e beijar para a rua, o dia da libertação, marinheiros a dobrarem mulheres com a força do beijo, fotógrafos dos bons a fotografarem a alegria, velhos e velhas a dançarem em roda, floristas a oferecerem cravos a quem passa, raparigas em tronco nu e bandeira na mão aos ombros de garbosos calmeirões, drags e queens pintadas de arco-íris a cantarem como se não houvesse amanhã, várias lilis caneças a fazerem boquinha, aperaltadas com vison e chapeau com pena de faisão, avoilas e nogueiras com cartazes a pedir aumento, o marcelo com um telemóvel em pau de selfie rodeado de fãs, o chicão mascarado de soldado montado num chaimite de brincar, os adeptos do benfica de braço dado com os do sporting todos montados em leões e de águia ao ombro. Coisa assim. Uma festa como nunca se tinha visto igual.
Mas pronto. Isto sou eu a querer que o fim da hibernação chegue depressa e seja um dia de festa, um dia cheio de sol e felicidade, um dia sem máscaras, sem medos, sem nuvens negras a pairarem nos céus, sem necessidade de desinfectar, lavar mil vezes as mãos ou fugir do outro pobre coitado que tossiu só porque alguma coisa lhe foi ao goto.
E, agora, olha o ursinho tão lindo
E um dia razoável para toda a gente
Saúde, minha gente.
5 comentários:
Eu estava convencida que ia ter tempo para aprender a fazer muita coisa, mas os chefes estão a dar-me mais trabalho do que se eu estivesse realmente no local de trabalho...já não quero brincar mais às quarentenas.
O fim da hibernação, o fim da angústia.
E esse dia de festa chegará e será gostoso-bom, como diria o Carlos Filinto Botelho.
Um abraço gigante!
Mesmo!
Preocupa-me que isto vir moda para certas empresas...
É que não só acabam por sobrecarregar mais como têm a vantagem de transferir custos fixos da produção para o trabalhador (instalações, ...).
No caso da minha instituição, agora em tele trabalho passou a ser assim:
A eletricidade é nossa, a internet é nossa, o telefone é nosso, o computador é nosso... e o trabalho quase duplicou.
Depois acresce ainda o facto de termos ali o posto de trabalho sempre a olhar para nós, nem dá para nos esquecermos dele, mesmo depois da hora.
Oh,estou cansada disto. Ontem era meio dia e ainda não me tinha vestido. Às oito já estavam a telefonar-me para resolver um problema cuja resolução se arrastou até ao almoço.
Não gosto!
Acho que nunca mais vamos ter a vidinha de antes, não tenho a menor dúvida.
Não sei como será, mas nunca será a mesma.
e isso deixa-me tão apreensiva...
Saúde UJM, para si, para os seus e para os leitores.
L.
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