segunda-feira, fevereiro 03, 2020

És de natureza esquiva


Depois de um dia sereníssimo in heaven a receber a luz dourada e afável de um sol que se chegou de mansinho neste início de fevereiro, chego a casa, ponho a roupa a lavar, faço uma panela de sopa, arrumo o que tenho que arrumar, e, quando posso, sento-me no sossego da minha sala, ontem tão agitada e hoje tão tranquila, vejo as fotografias que fiz enquanto ouvia o canto dos pássaros e me maravilhava com o incessante devir da natureza -- e, finalmente, espreito a caixa de correio. 

Como habitualmente, tinha mails de Leitores que generosamente me enviam as suas palavras ou alguns presentes. Um deles era do Leitor LS que me enviou mais um vídeo com um seu inspirado poema lido por si. Não é esse vídeo que partilho mas tomo a liberdade de aqui divulgar o seu poema.

Acompanho com duas das fotografias que fiz no campo e com Fils de la nuit et du silence de André Campra (1660–1744).

Muito obrigada, LS. 




Sempre que regressas
te acolho nos murmúrios felizes
de todas as promessas
lavradas nas palavras que me dizes.
Não te pergunto que madrugadas atravessas,
que sóis se aqueceram em tuas mãos,
que flores te debruaram o caminho.
Celebramos como irmãos
bebendo no mesmo cálice o vinho.
Juntos galgamos impossíveis,
os sítios escondidos na névoa intemporal
das coisas invisíveis,
rasgando o vórtice da espiral
nos voos por dentro das tempestades
com que sulcamos a fome insaciada
no atravessar dos tempos e das idades,
no desfeitear das margens sem rios,
na procura da libertação anunciada
apesar dos tempos sombrios.
És de natureza esquiva,
sombreada pelos augúrios dos deuses,
por subtis rumorejares em deriva.
Me entrego em mágicas enfiteuses
e te celebro na minha voz cativa.


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