quarta-feira, dezembro 04, 2019

A maldade levada a um extremo *



Tenho um amigo que, de um dia para o outro, se tornou vegan. Digo vegan um pouco na dúvida mas penso que seja isso já que também não come ovos. Contudo, sei que, se a ocasião se proporciona, é capaz de se lamber com um belo queijo da serra. Tirando isso, nada que provenha do reino animal. Diz que pensa nos animais quando vivos e que pensar em comer a sua carne, depois de mortos, lhe causa repulsa. Acredito. Se me vierem à cabeça pensamentos mórbidos dessa natureza, capaz de nem ser capaz de olhar para o estufado de borreguinho que comi ao jantar com maçã e salada. 


Mas isto para dizer que, apesar de não ser vegan ou vegetariana, sou incapaz de fazer mal a um animal ou de permitir que, à minha vista, alguém o faça.


Tenho para mim que os animais são tão animais como nós, porventura mais inteligentes que nós. Que os cães pensam e sentem e reconhecem um significativo vocabulário penso que ninguém duvida, pelo menos alguém que tenha convivido de perto com algum.
Eu dizia: vai buscar a bola e ela ia buscar a bola grandinha. Mas se eu dissesse: onde está a bolinha?, aí já ela ia à procura e aparecia-me com a bola pequenina. Eu dizia: sabes do brinquedo? e ela olhava para mim, a cabeça de lado, a pensar, e depois aparecia com uma coisa a que eu não sabia dar nome e a que, por isso, chamava simplesmente brinquedo. Se eu dissesse: E, então, no outro dia o cavalo, hein...? ela rosnava, eriçada, furiosa. É que, lá in heaven, os vizinhos da ponta da rua volta e meia costumavam passar a galope até ao vale e ela, só de ouvir os cascos no asfalto ou por lhe dar o cheiro, saía a correr, desvairada, a ladrar ao longo da vedação. Chegava a casa ainda agitada, a resfolegar, enervada. A mesma coisa se fosse o gato. Na brincadeira, eu dizia: Escuta... Anda aí algum gato...? e ela passava-se, à procura, furiosa, a bufar. Se eu dissesse: vamos à rua? ela ficava numa alegria, corria, até derrapava na curva do corredor, e ia esperar à porta, fazendo barulhinhos a chamar por mim enquanto eu não me despachasse. E conhecia cada um de nós pelos nomes. E tantas mais palavras que ela sabia. 
Minha fofa, que saudades tenho dela. O que gostava dos meus mimos. Eu deitava-me ao seu lado, eu abraçada a ela, ela abraçada a mim, muito quentinha, a minha cabeça colada à dela, a sua pata em volta do meu pescoço. Enchia-a de beijos e ela gostava, ficava quietinha a receber os meus mimos. Com os meus filhos, então, era uma irmã, um ser querido a quem sempre tratámos como um dos mais queridos elementos da família. As saudades que sinto dela. Não passam com o tempo.
Presumo que os gatos também sejam assim, animais inteligentes e emotivos. Quem lida com cavalos diz o mesmo. E tenho a mesma ideia das gaivotas.
Não me quero repetir pelo que não vou voltar a recordar o dia em que uma ficou presa na minha varanda e em que eu, conversando com ela, consegui que acreditasse em mim e deixasse que eu a elevasse até poder voar. Mas não foi só essa. No outro dia, no Ginjal, a gaivota voava sobre o rio e pousava no gradeamento. Uma e outra vez. Eu a fotografá-la e ela a deixar-se estar, eu a aproximar-me e ela na dúvida, hesitante. E eu, cada vez mais perto, a falar baixinho, a dizer que não tivesse medo e ela, de cabeça de lado, a olhar-me com uma atenção humana, a ouvir-me, sem medo. Uma relação surpreendente que sinto que estabeleço com alguns animais.

Imagine-se, pois, a maldade que é preciso transbordar de um corpo humano para se ser capaz de humilhar um animal de grande porte, mais humano que os humanos, um animal forte e digno. 

O grande urso apareceu numa região ainda não identificada na Rússia e tinha sido graffitado. Uma coisa impensável.

T-34, o nome de um tanque da segunda guerra mundial. Os cientistas dizem que o animal deve ter sido sedado para ser tão vilmente vandalizado.  E dizem outra coisa: que dificilmente vai conseguir caçar já que a pintura anulará o efeito de camuflagem.

E eu vejo estas imagens e fico assustada com a capacidade de fazer mal de algumas pessoas. Humilhar um animal...?! Usá-lo com um intuito panfletário...? É medonho, é sinistro, é ultrajante, é criminoso. Nem consigo sequer pensar nisto.


* Coloquei um asterisco no título do post pois esta maldade é um extremo, sim, mas a verdade é que há tantos outros extremos, tantos, tantos que já é difícil saber qual é o limite.

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4 comentários:

AV disse...

A capacidade para a crueldade de algumas pessoas é inacreditável e revoltante.
Reconheço tudo o que disse da sua cadelinha. São animais muito inteligentes e com os sentimentos mais puros. E reconhecem um vocabulário enorme, sim. Perdemos muito recentemente o nosso cão. Era um membro querido da família e fazíamos tudo com ele. Foi um grande desgosto. Não há dis em que não sinta muito a sua falta e não me emocione com as memórias. Digo que é uma das injustiças da vida não termos mais tempo com os nossos patudinhos.

Francisco de Sousa Rodrigues disse...

Que o diga Panksepp, a nossa personalidade baseia-se em sete sistemas emocionais primários comuns a todos os mamíferos.
Que o diga eu com as minhas riquezas caninas e gatinas, em perceber ali tão bem escarrapachada a experiência do amor incondicional (ai se a Raquel Varela me lê).

Agora vegan ou vegetariano mais light não dá para mim...

Um rico serão.

P. disse...

Não tenho paciência para Vegans, ou vegetarianos e isto por uma razão muito simples: a sua falta de vontade em acolherem os outros que o não são. Tive duas experiências que foram as últimas, com essa malta. Há um par ou mais de anos, fomos convidados por uns amigos vegetarianos - que sabiam bem que nós não eramos. Tinham estado anteriormente em nossa casa e minha mulher teve o cuidado de lhes cozinhar, à parte, um prato vegetariano. Quando lá chegámos, espetaram-nos com comida vegetariana, sem qualquer outro tipo de escolha. Não gostei e fiz, na altura, uma observação sobre isso. O que seria de esperar era que, para nós, a exemplo do que fizéramos com eles, tivessem tido uma atenção semelhante. Nunca mais lá fui a casa deles comer o que quer que seja e expliquei-lhes as razões. Aqui há uns meses, recebemos outro casal, que uns tempos antes se tinham convertido à “causa” Vegan. Tudo bem, cada um é como é. E, novamente, procedemos com idêntico cuidado e atenção, cozinhando algo diferente para eles, tendo em consideração a sua postura. E, durante o jantar, mencionei, já não sei a propósito do quê, o anterior episódio, sublinhando o desagradável que foi não ter havido uma atitude semelhante, da parte daquele casal vegetariano, à que tínhamos tido para com eles e até referindo que se nos tivessem colocado a questão, por exemplo, se fazíamos muita questão de comer carne, ou peixe, teríamos muito possivelmente teríamos dito que não haveria problema. Os Vegans criticaram-me, com até uma ponta de indignação (logo em minha casa como convidados!), por entenderem que "eles, Vegans, ou Vegetarianos, não têm de fazer concessões, visto a postura deles ser uma espécie de «stateman» e, nesse sentido, ao contrário de nós, os outros, que não nos incomoda comer vegetais, eles não fazem compromissos e assim, quem vai a casa deles, come vegan!” Foi como se me tivessem dado uma picada! Deixei ali, logo, muito claro, que nesse caso eles que não se incomodassem a convidar-me, como percebera ser intenção futura deles, “a não ser que tivessem a mesma gentileza e consideração que nós tivemos para eles”. Não recuaram. E hoje vemo-nos quando calha e se calha, mas fora das nossas casas. Não há pachorra para essa malta! Detesto pessoas incapazes de um compromisso, de não serem capazes de retribuírem uma idêntica atenção, etc. Isto não me impede de ir por exemplo a um restaurante vegetariano e de comer uma refeição em casa só à base de vegetais. Mas, uma coisa é isso, outra, como digo atrás, ser-se inflexível e pouco atencioso para quem é diferente deles. Passo bem sem essa malta, sinceramente.
2. Já quanto aos animais, estou de acordo consigo. Temos 2 Whippets que não só nos dão alegrias, como são uns companheiros muito especiais, para nós e restante família, além de muito dóceis.
P.Rufino

Paulo B disse...

P. Rufino, parece-me que ao insistir nessa reciprocidade para com os seus amigos está a pedir-lhes que abdiquem de um princípio que é importante para eles. Além do mais, sendo o P Rufino provavelmente omnívoro, uma refeição vegan não viola qualquer dos seus princípios alimentares. Ora, nesse caso estamos só no domínio do gosto pessoal. Eu não gosto de canja nem de arroz de molho pardo (ou de cabidela, consoante a região), mas não levo a mal que me a sirvam. É uma questão de gosto e o anfitrião pode insistir muito que dá canja dele é que vou gostar... (Nunca aconteceu...).
Não me leve a mal, eu até compreendo a sua indignação: por vezes o veganismo parece mais uma religião manhosa que outra coisa; e mesmo o argumento ambiental... tenho sérias dúvidas.

Um livro light, que li faz imensos anos, que na altura achei bastante interessante e que aborda um pouco a nossa relação com os alimentos: o dilema do omnívoro.

Abraço!