O dia foi preenchido. De manhã tratámos de coisas cá em casa, depois fomos ao Leroy comprar parafusos e buchas, goma autocolante para fixar quadros pequenos sem ter que furar a parede e umas ripas de madeira para o meu marido tentar desempenar uma tela de um metro por oitenta cuja armação tem vindo a retorcer-se.
A seguir fomos levar algumas compras aos meus pais e, dali, seguimos para almoçar fora com a minha mãe. Umas belas sardinhas assadas. Depois fomos passear com ela à beira-mar e estava-se bem, calozinho bom, um sol ameno, uma aragem suave. Fotografei os veleiros e o mar e só não estivemos mais tempo, não por ela -- que está para as curvas -- mas porque o trabalho que nos esperava ainda era bastante.
Depois de irmos pô-la a casa, fomos ao supermercado e foi mais um daqueles valentes carregos. Ao regressarmos, enquanto o meu marido foi aos seus afazeres, fui logo tratar do jantar que era trabalhoso pois deu-me para ter prato de peixe e prato de carne e, logo a seguir, chegariam todos (todos menos o mais crescido que foi passar a noite a casa de um colega da escola; não te esqueças que já é um pré-adolescente, avisa-me a minha filha quando me vê triste por não o ter cá também). E assim foi: chegaram, como sempre fizeram aquela festa quando se encontraram, conversámos, os pequenos brincaram alegre e ruidosamente, e etc. Depois jantámos e, a seguir, os dois rapazinhos mais crescidos foram brincar às lutas e, pouco tempo depois, regressaram ambos à cozinha e, directamente da travessa, desataram a comer os restos como se não houvesse amanhã e, claro, como se não tivessem acabado de jantar meia hora antes.
Mas, recapitulando, almoçámos com a minha mãe. No restaurante, a televisão estava ligada e a dar o noticiário. Quando apareceu o Rui Rio, a minha mãe quase tapou os olhos, virando a cara com ar enjoado, 'Já não tenho paciência. Olha aquele papagaiozinho. É mesmo um papagaiozinho. Um parvalhão. Não consigo ouvi-lo. Quando aparece, mudo logo de canal, vou ver aquele programa dos dois irmãos que restauram casas. É como aquela regateira da Cristas. Outra parvalhona. Já não consigo ter paciência.' Rimo-nos com a veemência dela.
Quis saber a opinião dela sobre O Caso: 'Então, mãe, e aquilo de Tancos?'. Responde ela, igualmente enjoada: 'Uma pouca-vergonha. Nesta altura é que se saíram com aquilo. Não descansam enquanto não derem cabo do PS. Uma autêntica pouca-vergonha'.
Contei-lhe aquilo de os ladrões terem transportados as muitas caixas das munições em carrinhos de mão e contei que a vedação é longe do quartel, que deve ter sido giro os ladrões a roubarem caixas pesadíssimas em carrinhos de mão, para trás e para a frente, vários percursos com o carrinho de mão. Ela desatou-se a rir.
O meu marido voltou à conversa que tínhamos tido no carro: 'A mim o que mais me intriga é o Marcelo não falar. Fala sobre tudo e sobre nada e perante uma coisa destas, uma acusação que põe a ridículo a PJM e a malta do quartel e as hierarquias das Forças Armadas de que ele é o Comandante Supremo das Forças Armadas... e não diz nada? E se o Chefe da Casa Militar de Belém foi informado, ele não foi? E não diz nada? Deixa que as Forças Armadas sejam todas postas em cheque e não tem nada a dizer? Acho isso tudo muito curioso...'. A minha mãe, que geralmente está de acordo com o genro, disse: 'Pois é... Tem razão. Mas, se calhar, como disse que não é o papagaio, agora quer mostrar que sabe estar calado. Mas tem razão, é curioso. Mas a mim o que me chateia mais é isto ter saído em cima das eleições. Uma pouca vergonha'.
O meu marido voltou à conversa que tínhamos tido no carro: 'A mim o que mais me intriga é o Marcelo não falar. Fala sobre tudo e sobre nada e perante uma coisa destas, uma acusação que põe a ridículo a PJM e a malta do quartel e as hierarquias das Forças Armadas de que ele é o Comandante Supremo das Forças Armadas... e não diz nada? E se o Chefe da Casa Militar de Belém foi informado, ele não foi? E não diz nada? Deixa que as Forças Armadas sejam todas postas em cheque e não tem nada a dizer? Acho isso tudo muito curioso...'. A minha mãe, que geralmente está de acordo com o genro, disse: 'Pois é... Tem razão. Mas, se calhar, como disse que não é o papagaio, agora quer mostrar que sabe estar calado. Mas tem razão, é curioso. Mas a mim o que me chateia mais é isto ter saído em cima das eleições. Uma pouca vergonha'.
Confirmei: 'Vai votar, certo...?'. É que, volta e meia, especialmente quando há coisas destas que a deixam incomodada, parece que desalenta, fica a achar que já não tem paciência para 'tanta porcaria', perde a vontade, quase tenho que lhe pedir encarecidamente que não se abstenha. Se, em cima disso, está de chuva ou frio (o que não é o caso de dia 6, que até vai estar calor), então, ainda mais perde a vontade. Nessas alturas, ofereço-me para a levar mas não quer, diz que a escola é perto, que não é preciso. E já cheguei a apanhá-la hesitante em quem votar. Penso que tem oscilado entre o PS, se calhar algumas vezes PCP, se calhar alguma vez o BE e, cá para mim, também já votou alguma vez no PSD (mas isso, pouco assumidamente, quase como se tivesse sido um mau passo). Mas desta vez respondeu convictamente: 'Claro que sim!'.
E eu, sendo indiscreta: 'E pode saber-se em quem?'. A resposta foi imediata: 'No PS'.
Fiquei contente.
Embora concorde com ambos, as minhas palavras são estas:
E eu, sendo indiscreta: 'E pode saber-se em quem?'. A resposta foi imediata: 'No PS'.
Fiquei contente.
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E garanto-vos que o que escrevi é rigorosamente verdade, não estou a pôr palavras minhas na boca da minha mãe ou do meu marido. Aliás, ele está aqui ao meu lado e não me deixa mentir.
3 comentários:
Ah rica mãe da UJM, só podia criar uma filha com a fibra da UJM.
Quanto ao nosso estimado PR, só me lembro da personagem de Paulo Gracindo na novela "Rainha da Sucata" - "coisas de Marcelo"*.
Um abraço.
*"Coisas de Laurinha", no original.
«O...silêncio de Marcelo, Comandante Supremo das Forças Armadas, face à forma como a acusação do Ministério Público expõe as Forças Armadas»
Certo, tirando algum mal entendido compreensível pela mentalidade dos menos novos.
A gongórica designação "Comandante Supremo", de um pequeno universo em vias de extinção;
"Forças Armadas, mais 'desarmadas' que armadas.
TANCOS 28J:
«O novo exército territorial é agora constituído pela PSP e GNR» -Morais Silva, Coronel
E contudo, não faltam Estados-Maiores, Quartéis-Generais, Quartéis de Chaves a Tavira, muitos deles vazios.
Sugiro a leitura do excelente editorial que o Director do Público hoje escreve, intitulado “Até quando vai o PS ficar em silêncio”, relativamente ao caso de Tancos (onde até não falta uma menção à irresponsabilidade dos fogos de Outubro de 2017). Mas, a sua atitude (quase doentia) pró-PS leva-a ignorar a razão – que M.C exalta. Oxalá que o PS recue e acabe por vir a ter um resultado humilde, muito a contragosto dessa caricata figura que é o troglodita de recurso do PS quando é necessário “bater na Oposição”, Augusto Santos Silva (ex-PSR)
Tancos conspurcou a campanha e sobretudo o PS. Mas, também atingiu o prestígio do PR e das Forças Armadas que ele, enquanto Chefe Supremo das mesmas, tinha a obrigação de defender. Do mesmo modo, o Ministro da Defesa, João Cravinho, deveria ter vindo a terreiro defender o nosso Corpo Militar. Isto porque uma coisa é Tancos – que é uma vergonha para quem se vê envolvido nela, a começar por Azeredo Lopes (cujos passos da acusação elaborada pelo MP o desprestigiam em absoluto), a par dos militares que foram igualmente constituídos arguidos – outra o conjunto das Forças Armadas.
Álvaro Sobral
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