sábado, agosto 10, 2019

O tempo, a serenidade, a beleza





À vinda, uma mensagem a dizer que já tinham aterrado e bjs. Respirei de alívio, senti-me agradecida e, como não dava para escrever de volta já que estava a conduzir, liguei. Estavam à espera das malas e, ao mesmo tempo, a controlar as crianças e, portanto, não era a melhor hora para telefonemas, pelo que ok, tudo bem, bjs, etc. Fico sempre mais descansada quando os tenho por perto. Bem podem tentar explicar-me que a sua segurança não depende de mim que não quero saber. É uma coisa física, mais do que racional. Entretanto, liguei ao meu marido a dizer que já tinham chegado. Ficou contente.


Depois de chegar, fui ao supermercado. Depois à loja das frutas e legumes porque os tomates no supermercado não estavam bem maduros e a fruta também não me inspirou. Depois vim arrumar as compras a casa e outras coisas como pôr alguma roupa a lavar e etc. 

A seguir, como a canseira fosse razoável e a preguiça ainda maior, fomos passear para a praia. Pode ser que pessoas haja que, estando a precisar de descansar, se deitem sossegadas. Nós não somos exactamente assim e, pelo menos nisso, somos parecidos. A menos que estejamos a cair para o lado, a canseira dá-nos sobretudo para ir lavar a alma para a beira de água. Também podia ser enfiar-nos nos bosques, atravessar serras e andar por entre árvores e outros bichos secretos -- mas isso era se estivéssemos perto desse outro mundo mágico por onde gostamos de adentrar-nos. E não estávamos.

Por isso fomos para a praia, bem rente ao mar.


Névoa, frescor, uma luz coadíssima, um entardecer dourado, um intenso e húmido perfume a maresia. Não me cansei de fotografar. A noite a cair sobre um mar em fúria e eu maravilhada com tamanha beleza. O mar revolto, tomado por aquela força avassaladora, é de uma grande e assustadora beleza.

A seguir fomos petiscar.

E depois, uma vez mais, espreitar o mar. Mas já estava frio e eu, com uma blusinha curta e fina e, por cima, apenas um poncho ultra-aberto de crochet aos buracos, senti que o melhor seria bater em retirada. Ele fez de conta que se zangava comigo, perguntando-me retoricamente se eu tinha mesmo achado que, contra a humidade e frio da noite, aquela 'coisa' ia servir para alguma coisa. Expliquei-lhe pela enésima vez que ele xailinho aconchega que se farta. Ele gozou, porque não acredita, e desistiu. Há coisas difíceis de explicar e as mais simples são as mais difíceis.

E agora passa da uma da manhã e estou perdida de sono. Perdida, perdida. Só de pensar em ir ali ver se as fotografias do mar estão boas para aqui as incluir já me apetece é fechar os olhos, encostar melhor a cabeça e deixar que o sono me pegue ao colo. Mas vá, tem que ser, não ia estar aqui a falar da braveza do mar e da sua enorme belezura e guardar as imagens só para mim.

Mas não posso ir tarde para a cama pois a alvorada vai ser cedo e há mil coisas a arrumar pois a jornada promete.


Entretanto, aqui ao lado, ele já dorme há que tempos. Não ter este meu vício de dar asas aos dedos ao fim da noite é capaz de ser bom. É capaz. Mas mal conheço.

Se não era para escrever aqui, era o tapete de arraiolos ou pintar. Também houve aquilo de escrever o livro. Mudei de computador, pu-lo numa disquete. Isto deu-se naquela era remota em havia disquetes. Depois perdi o rumo da disquete. Foi-se o livro. E se eu me empolgava a escrever noite adentro, o meu marido a perguntar, lá do quarto, a que horas é que ia deitar-me. Sempre a dar uso aos dedos. Dedos que têm vida própria, estes meus. Escrever não é coisa mental. Muito menos de coração. É mesmo apenas coisa de dedos, ainda por cima dedos desmiolados.


Isto para dizer que, a menos que pinte por aí uma espertina, hoje não vai ter Clara e Manel nem nada mais. Até porque ainda não sei que nome dar ao folhetim. E isto porque também não sei onde aquilo vai dar. Aliás sei onde deu na realidade mas, como tenho que pintar a realidade, não sei como vai ficar depois de photoshopar o filme real. Ou seja, preciso de um break e esse break vem a calhar num dia como o de hoje. Ainda por cima hoje não tem Alone e tanto que eu gosto de ver aqueles lá a inventarem como sobreviver, junto ao mar ou na floresta, do lado de lá de ursos grandes. Seria eu capaz de viver assim? Sozinha não de certeza mas a dois, se calhar, sim. Mesmo assim, receio que não. Mas gosto de ver. Mas hoje não dá. Uma lacuna.

Para compensar pus-me a ver o último vídeo da Li Ziqi, aquela jovem chinesa que sabe fazer tudo com uma precisão impressionante. Ela apanha bagas, flores, ela faz infusões, geleias, bolos. E até tinge roupa. E borda. E costura. Aquele meu lado de menina prendada faz-me ficar a olhar, presa, com vontade de viver num lugar assim, de ter um espacinho lindo assim, arrumadinho. E saber fazer aquilo tudo e ter tempo e sabedoria. Tempo. Tempo e motivação e recolhimento e capacidade de entrega. Tempo e sentido de harmonia e beleza.


Olho e ponho-me a imaginar se poderia criar um espaço assim para poder fazer as minhas cenas à vontade. Talvez in heaven. Espaço lá não falta. Só que, mal começo a pensar, percebo logo que comigo não dá. Não gosto de estar sozinha. Só à noite. Gosto muito de estar sozinha à noite. É como se, de tudo o que fui durante o dia, sobrasse esta que chega à noite, destilada, pouco mais do que a essência de mim. De dia sou outra.

O vídeo da Li Ziqui foi feito há um dia e já foi visto mais de um milhão e trezentas mil vezes. Há, afinal, muita gente que gosta de ver coisas assim. Parece-me espantoso. Na volta, há mesmo cada vez mais pessoas que apreciam a vida simples, o contacto com a natureza, os trabalhos manuais, as actividades em que sabe bem desfrutar o tempo e fazer nascer a beleza.


E um belo sábado a todos. 
Saúde e harmonia.

2 comentários:

Francisco de Sousa Rodrigues disse...

Anteontem estava 21oC à meia-noite em São Martinho, ontem já estava bem mais fresco. A chuva que por aqui fez trouxe um aumento das temperaturas, inclusive das mínimas.
Ontem lá consegui fazer uma hora de praia, pois cheguei às 6h da tarde e tinha compromissos às 19h15.
O mês de julho foi muito fraco de tempo de verão, estou a ver que este ano vamos passar o Natal e o Ano Novo de chanatas.

Tenho de ler a Clara e o Manel.

Um belo fim-de-semana.


Um Jeito Manso disse...

Olá sortudo Francisco,

Morar com os pés quase na praia é uma sorte. Não que eu me queixe que, sem trãnsitos malucos, também estou ao pé do mar em pouco tempo. E mais perto estou ainda do rio. Mas, por exemplo, não dá para ir a pé para a praia e aí deve dar sempre.

E o tempo é sempre bom...

Abraço, Francisco!