terça-feira, julho 23, 2019

Strip numa noite quente


Esta minha sala é quente. Toda envidraçada, bate-lhe o sol desde a nascença até que, a meio do dia, se vira para o outro lado. Estive como habitualmente: à espera de aqui ficar sozinha para poder ligar o vento frio. Sabe-me bem o vento frio a soprar-me a pele.

Tanto que lutei contra isto. Anos. Nem queria pensar no que um aparelho destes desfearia esta minha sala tão cheia de coisas especiais. Anos. Toda a família a querer vergar-me, a apelar ao bom senso que, em mim, tantas vezes vagabundeia. 

Até que baixei a guarda. 

Seguiu-se a escolha do lugar menos intrusivo. Eu queria-o escondido. Mas escondido não atiraria o ar com toda a pujança. O técnico elegeu o melhor sítio. Zanguei-me: nem pensar. A estética deve sobrepor-se ao conforto. Absurdo, disseram. Teimei: nada feito, só escondido. Absurdo, repetiram. 

Até que cedi. 

Ali está. Já nem dou por ele. Acho que ninguém dá por ele.

E o que sei é que, desde há algum tempo, mudei muito. A sala é ampla e consegui que, apesar de todas as muitas estantes a circundar todo espaço, permanecesse com este ar espaçoso e amplo. Mas os móveis, na maioria, são móveis escuros, de bela madeira maciça, ou de raiz de nogueira ou de mogno. Mesmo as últimas estantes, do IKEA, são escuras. E tenho peças muito bonitas, especiais mesmo. Mas, dizia eu, mudei. Hoje não escolheria nada disto. Aliás, assalta-me a vontade de simplificação, de móveis brancos, de zero objectos especiais. Zero vidros de murano, zero clepsidras -- e que lindas são, umas de pó dourado que, devagarinho, se vai esvaindo, todas de formas elegantes, umas de um belo líquido azul, o mar a escoar-se em silêncio vagaroso, e caixinhas de música ou outras, lindas, com bonequinhos em biscuit. Para quê tudo isto? Só quereria algum objecto caído do céu como aquele leque de finas lâminas de madeira com desenhos à mão, dedicatórias de amor e poemas manuscritos, coisa de mil oitocentos e tal que um dia descobri. Ou não: como os tais livros que me descobrem (assim mo dizem), também este leque me descobriu numa tarde longínqua.

De resto, zero.

Digo-o apesar de tanto gostar de tudo.

Na realidade, não consigo desfazer-me destas minhas coisas. A sala, apesar de tudo, não está escura. Pintei uma parede de sanguínea. Faz a sala vibrar. Tenho nessa parede um quadro grande que pintei e do qual jorra a cor. E os tapetes são coloridos e os sofás também têm cor e as almofadas também. Mas seria diferente se todas as estantes fossem absolutamente simples, brancas, se os sofás fossem larguíssimos e todos brancos, se as paredes fossem brancas, quase sem nada. E eu, numa noite assim tão quente, nua, numa chaise bem longue, corbusier por exemplo, minimalista -- eu e a cadeira.

E nem conto aqui sobre o striptease que faria antes porque este blog não é dado a intimidades desnecessárias.

Em contrapartida, para ilustrar a desnecessidade de roupa em cima, aqui vos deixo uma série de strips de toda a espécie e feitio. Inspiração para whatever.


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Não sei em que filme é que a Sofia Loren deu cabo do juízo do pobre do Marcello Mastroianni mas, quem tenha curiosidade, talvez descubra.

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1 comentário:

Mamã iogurte disse...

Os objetos contam histórias e o medo das perdermos da nossa memória, são os cordões umbilicais que nãos deixam esvaziar os espaços!
Beijinhos!