Em noite de vídeos, depois de ter partilhado um vídeo belíssimo a pedido da minha filha -- e que muito vivamente recomendo não apenas pela sua beleza e ternura mas pela mensagem que contém -- publico um outro que mostra um dos reversos da medalha.
Este não tem a ver especificamente com a Europa, não tem a ver com uma perspectiva de felicidade que esteja nas nossas mãos alimentar (como o vídeo abaixo). Tem a ver com algo que prefiro acreditar que é quase inexistente, coisa perfeitamente marginal. Mas não sei. Leio que, pelo menos em França, é tema tabu. O que desejo, e desejo mesmo muito, é que em Portugal não seja sequer tema.
Mas porque, mesmo que problema quase inexistente, mesmo que perfeitamente marginal, só de pensar que possa existir já fico revoltada e triste, acho que mais vale fazer alguma coisa que possa ajudar a chamar a atenção do que não fazer nada.
E penso que deve mesmo chamar-se a atenção para estes problemas até porque, muitas vezes, mesmo que queiramos, nem sabemos bem como agir.
Ver tratar mal uma criança deixa-me doente -- e é disso que estou a falar. E aqui incluo a violência física e a psicológica.
Há algum tempo estava na fila do supermercado e, à minha frente, uma mulher zangava-se de minuto em minuto com o filho, um miúdo que não teria mais que uns seis ou sete anos. Fizesse o miúdo o que fizesse, e pouco fazia, ela gritava, ela ameaçava-o, ela chegava-se a ele mal se contendo, como se quisesse agredi-lo. Eu estava num estado de nervos, já a ficar possessa com a mulher. No entanto, fui cobarde, cobarde, cobarde. Só me apetecia dizer: 'Ó mulher trate-se e deixe a pobre da criança em paz!'. Mas, vendo a irritabilidade da mulher, imaginei o escarcéu que poderia desencadear, talvez fazendo a criança sofrer ainda mais, com vergonha pela mãe, talvez até com pena da mãe. E, enquanto me continha, só pensava que se ela, de facto, batesse no miúdo, aí, sim, a ameaçaria: 'Proibo-a de bater no menino! Proibo-a!' mas, enquanto pensava isso, pensava que não sabia se uma pessoa qualquer pode chegar ao pé de outra e dizer que a proibe de fazer uma coisa mesmo que essa coisa seja bater numa criança, mesmo que essa criança seja o filho da pessoa que se ameaça.
Por isso, me parece relevante alertar para o que, a meus olhos, é um drama insuportável que me deixa a sofrer só de pensar nisso
Uma criança sentir-se pouco amada, indesejada, uma criança não saber o que fazer para despertar ternura e piedade em quem a agride, uma criança não saber o que fazer para se libertar do terror de ser agredida, expulsa, maltratada, violada
parece-me motivo mais do que suficiente para de alguma forma alertarmos para os possíveis sinais de que alguma coisa de mal pode estar a acontecer.
Porque crianças vítimas de violência geralmente não se queixam, queixemo-nos nós por elas
Ça va?
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E queiram continuar a descer para nos enchermos de esperança
(e para não nos esquecermos que a esperança está nas nossas mãos)
1 comentário:
Maltratar uma criança, que nada tem a ver com colocar limites realísticos num quadro de valorização existencial da criança, é hipotecar uma vida ao sofrimento e/ou à violência.
Socialmente continua-se a colocar em cima das crianças o dever de serem muito boazinhas e obedientes, como se a criança nascesse para amar automáticamente os pais. Este é um dos princípios fundamentais para as estruturas narcísicas propriamente ditas, quando a criança corresponde à pretensa grandiosidade dos pais e como prolongamento destes a criança não tem espaço para ser indivíduo assumindo essa falsa autoimagem de grandeza, ou para as estruturas depressivas quando a criança não corresponde e é constituída uma relação quase usurária na qual se cobram à criança as suas supostas insuficiências (que são as do/s adulto/s negadas e projetadas), gerando na criança uma fantasia de malignidade e, claro, culpabilidade.
Um abraço, brava UJM.
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