sábado, maio 25, 2019

Theresa May, um irrelevante ponto e vírgula na história do Reino Unido



Claramente não podia dar certo. Não sou de rogar praga mas há trajectórias que não enganam. Não é preciso ver o caminho acabar no buraco para a gente olhar e ver que é lá que ele vai dar.

No outro dia um colega lançou um projecto e eu, ao sair de lá, arreliada pelo dinheiro que se gasta em coisas destas, disse-lhe: 'Não vai dar em nada'. Ele, nem percebendo a incorrecção lógica da frase, como que teve um arrepio: 'Puxa. Vire essa boca para lá!'. Lembrei-o: 'Algum dos meus alertas alguma vez falhou?' e ele insistiu: 'Não. Por isso lhe digo que vire essa boca para lá'.

E é.


Mas também pode ser que os meus palpites que dão furados eu esqueça. Posso não saber de muita coisa mas de uma eu sei: não sou arraçada de cavaco de maneira nenhuma: engano-me. E, quanto a dúvidas, upa, upa, cada vez mais.

Hoje, por exemplo, juntei um e mais um e mais outra coisa que nada a ver e deu três e, vai daí, tocou um sino do caraças: uma suspeita cabeluda que, a ser verdade, seria uma tal bomba que me forço a pensar que mais vale tirar daí o sentido porque ia ser bomba demais, coisa que ninguém na vida poderia suportar. E, no entante, é como sempre. Sei que a coisa vai começar a fazer o seu caminho. E escrevo isto e penso: 'Estou enganada. Estou enganada'. e, dentro de mim, há sinos a tocar, campainhas que não se calam. 

Em situações destas forço-me a pôr-me em stand by, a não me mexer. Sei que a coisa se vai resolver por si e é assim que as coisas se devem resolver. Quando as antenas estão ligadas captam tudo, até o que está a milhas, até o que está para acontecer. Só tenho que estar sossegada, à espera que as pontas se juntem e que eu esteja atenta para observar antes da coisa ser visível. E, se nada acontecer, a suspeita morre por si.

Mas caraças. Caraças.


Mas isso não vem ao caso. E neste caso nunca aqui virá. Quanto muito sob a forma de história.

O que vem é que, tendo estado todo o santo dia incontactável, agora à noite me diz o meu marido: 'A May anunciou a demissão' e eu pensei que desde o primeiro dia eu tinha lido na cara dela a palavra demissão. Ter-se-ia poupado a tantas humilhações, a tanto esforço para superar as atrapalhações e para ser engraçada, para aparentar naturalidade, a tanto trabalho inglório, a tanta traição, a tanta preocupação para nada. Obviamente não nasceu para liderar coisa nenhuma.

Até acredito que seja boa pessoa, até acredito que genuinamente tenha pensado que conseguia fazer alguma coisa. Mas, coitada, não teve um bom amigo que, sem ser derrotista, lhe pudesse ter dito que aquilo não era coisa para ela?


Estive agora a ver o vídeo. A forma como se emociona ao terminar, dá-me pensa. Coitada, tanto esforço para nada. Terá à sua espera o abraço apertado do marido, aquele senhor com ar de totó e que é capaz de também ser um bom homem. 

Mas isso não apagará as noites mal dormidas, os vexames, as viagens permanentes de Londres para Bruxelas e vice-versa, para levar tareia por onde quer que passasse.

A alhada em que o Reino Unido se meteu é outra que me dá pena. Não é bonito de se ver nem sei como é que isto vai acabar. Adivinho mas não é tudo: só algumas coisas e, ainda assim quase nunca vem o guião completo. Mas uma coisa parece óbvia e nem é preciso ser bruxa: começo a pensar que pode não acabar bem.

A única saída que pode ser é se os resultados forem inesperados e vier a haver um segundo referendo que reverta a situação. Muitos ses que não descansam ninguém até porque... e se não?

Caraças.


Whatever. Estou a dormir. Muitos dias a madrugar e a dormir pouco, muita cena, muita distância, sempre muita coisa. E na volta até aconteceram muito mais coisas e, possivelmente, até mais colunáveis do que o triste fim de uma pobre desasada. Mas eu não sei e, além disso, é coisa que, a esta altura do campeonato, me dá igual.

Os vídeos abaixo mostram tudo isto de que tenho estado para aqui a falar, enquanto tiro um cochilo entre cada sílaba.









Os cartoons que plantei lá em cima, a meio do texto, são de Steve Bell e obtive-as no The Guardian. Gostava de ver é como eu me saíria das mãos dele. Medo... [o que vale é que essa é hipótese inexistente]

Impossível para mim, agora, comentar os comentários de ontem. Pode ser que amanhã. As minhas desculpas.

4 comentários:

AV disse...

É difícil não ter pena da pessoa, neste fim de uma era que lhe foi visivelmente pesada e em que acredito que teve convicções genuínas.
Como política, essas convicções revelaram-se limitadas e perigosas - ‘if you believe you are a citizen of the world, you are a citizen of nowhere’ resume-as. São convicções que levaram a decisões, como Ministra da Administração Interna, que tiveram consequências terríveis para outras pessoas - as vítimas do caso Windrush deportadas ao fim de uma vida no RU, os alunos estrangeiros condenados injustamente por batota, presos e deportados ... muitas dessas pessoas ficaram sem emprego, sem casa e sem vida.
Como Primeira-Ministra, cometeu erros que não se pode cometer a esse nível: accionar o artigo 50 sem ter um consenso nacional ou mesmo partidário por detrás, delinear ‘linhas vermelhas’ sem ter noção das possíveis consequências, convocar eleições sem qualquer necessidade, quando tinha uma maioria e depois a perdeu, ficar teimosamente no lugar depois de perder várias votações no Parlamento, oferecer paradoxalmente a demissão se o Parlamento votasse o seu acordo. Desastre.
Só não quero pensar no que aí vem.

Abraço e bom fim de semana,

Ana

Anónimo disse...

Crónica de um fim anunciado.
Quanto ao R.U e olhando para os números esmagadores de Nigel Farage (a par dos Tories), nas sondagens, muito mais sózinho do que o Labour e Tories juntos, - ver-se-á como será a votação - ficou claro como água que os ingleses querem, indiscutivelmente, sair da U.E. Muitos achavam que tinham sido enganados e manipulados. Alguns talvez tenham sido, mas não a maioria. A Democracia no Reino Unido tem séculos e é adulta. Se, como se prevê, os eleitores deram uma maioria clara a Farage e se a isso somarmos os votos nos Tories, não restarão dúvidas qualq o caminho que aquele país quererá seguir, no futuro próximo. E, sinceramente, não creio que a sua economia a médio e longo prazo possa ressentir-se muito. O R.U não é Portugal, ou outro membro menor da União Europeia. Já para Portugal, a saída do R.U da U.E terá seguramente consequências negativas na nossa economia, tendo em vista o valor e volume das nossas exportações para aquele país.
Um último desejo: oxalá que, no seio dos Tories, haja o bom senso de não se escolher Boris Johnson para PM. Há outras alternativas menos festivas e menos popularuchas. Mas, quem sabe!

Um Jeito Manso disse...

Olá Lady Ana of Vazconcelos,

Ora aí está uma boa resenha do que foi a actuação política da coitada da Theresa May. Perfeito.

Falta de habilidade, falta de tino, falta de visão, falta de inteligência. Um notório erro de casting. Todos os disparates que ela fez aparentemente foram feitos sem grande consciência das consequências dos seus actos. Pelo menos fiquei sempre com essa ideia. O que sempre me espantou é como uma pessoa com tão notória falta de jeito ia conseguindo chegar aos lugaresq ue chegou. E, ao chegar, a forma penosa como acabou por sair. As parvoíces que ela fez para acabar a sair desta maneira, quase empurrada a pontapé por toda a gente. Dá mesmo alguma pena.

Agora é ver o que aí vem... e que aparentemente não é melhor.

Uma pena que aqui se tenha chegado.

Um abraço e um belo domingo europeu.

Um Jeito Manso disse...

Olá Anónimo (P. Rufino?)

Vou esperar pelo resultado das eleições e desejar que as sondagens se tenham enganado redondamente.

Não consigo acreditar que os britânicos, na sua maioria, queiram sair da UE. Só espero que votem em força e que mostrem que o tempo da parvoíce acabou.

E, quando ao próximo líder conservador, só espero que seja melhor que a Theresa May e que não venha para destruir a esperança de um dia o RU voltar a estar na UE por opção e gosto e com vontade de nunca sair.

Um belo domingo!