segunda-feira, março 04, 2019

Um teste





Se contasse tudo ninguém ia acreditar pelo que apenas direi que trabalhei no duro de manhã à noite e que, sendo já noite, ao cortar arame com uma tesoura, arranquei um bocado de qualquer coisa no dedo que fez com que tenha sangrado abundantente e ainda não esteja bom. Agora pus um algodão com betadine e atei em volta com papel higiénico dobrado. A ver se estanca para não sujar a cama toda. Não tenho cá água oxigenada e tenho que procurar melhor porque não vi pensos e não estou bem a ver como é que sem um penso vou evitar o desastre total. 

Todo o santo dia serrei até mais não poder, andei em cima de muros e de rochas para chegar a ramos mais altos, prendi rede na vedação, apanhei ramos e ramagens e ramalhetes. E o meu marido fez isso tudo e mais uma fogueira que durou horas. Ainda há bocado foi lá fora, de lanterna, ver se já está tudo apagado. Deitou água e água e diz que continua incandescente. Tudo na natureza tem uma força difícil de explicar.


E, assim sendo, ao segundo dia de trabalhos altamente esforçados, à noite, depois de jantarmos, pusemo-nos os dois a ver aquele programa de culinária na 1 e, passado um bocado, já eu estava a dormir. Ele também deve ter estado pois levantou-se agora daqui a dizer que tinha dado um jeito ao pescoço.

Agora estou a rever o Thelma e Louise e estou a gostar. O poder de duas mulheres à solta pode ser letal. Sorry, queria dizer fatal. Gostei bastante na altura e agora contiuo a gostar. O Brad Pitt era um rapazola insolente e com um potencial transbordante e, passado todos estes anos, ainda é. Aquela ligação remota entre o detective desempenhado por Harvey Keitel e Louise (Susan Sarandon) mostra bem como não é preciso a visão do outro ou a presença física para que se estabeleçam laços que dificilmente se explicam. Tudo bom no filme. Até a música.


E estive a ler uma entrevista com Siri Hustvedt e muita coisa ali me interessou. Não foi só aquela urgência de despachar trabalho antes que seja tarde. Percebo-a muito bem. Foi também aquilo das memórias. A recriação das memórias. A observação sobre Karl Ove Knausgaard que escreveu milhares de páginas a reproduzir recordações ao milímetro, diálogos de toda a espécie e feitio. Diz ela: só se fosse um savant.
E eu, que conheço um savant, fiquei a pensar que é das coisas mais extraordinárias e difícil de perceber, a cabeça de um savant. Mas isso é tema complexo, não é coisa para aqui. Ou talvez fique para um dia em que me deixe de pruridos e conte apenas algumas particularidades. (Ou não). 
Este tema de as nossas memórias se calhar ganharem vida própria é um mistério que me atrai.
Readers of Karl Ove Knausgaard’s six volumes of memoir, My Life, with their endless descriptions of routine chores, may take note. “Many successful memoirs have dialogues that goes on for page after page after page, dialogue that nobody could possibly remember, unless you are a savant of some kind,” Hustvedt says. “And that’s extremely rare, so what are we talking about? You can’t possibly believe the memoir writers have that kind of memory.”

No meio da conversa, a propósito de uma coisa que também me desperta sempre muito interesse, o da cegueira não intencional, aquilo de a gente apenas ver parte do que nos é dado ver -- a parte que já esperávamos ver -- refere um vídeo que está no youtube. Como sou bem mandada, fui logo ver e, de facto, tem piada.

Como, ao ver o vídeo, fruto do que a Siri tinha dito, já sabia ao que ia, passei o primeiro teste, muito admirada por cerca de metade dos incautos não passarem. E, de seguida, estatelei-me no segundo. Uma vez mais, só vi aquilo que já sabia que ia ver. Sou uma ceguinha, é o que é. Mas, acho que não sou só eu.

Convido-vos a ver atentamente o vídeo. Estejam atentos ao desafio, tentem acertar. Exige-se apenas uma coisa: concentração.


Depois me dirão se não é verdade isto de sermos ceguinhos. E pensem comigo: se o que vemos é apenas uma ínfima parte do que há para ver, como seria caleidoscópico o mundo se conseguíssemos ver tudo ou, vá, quase tudo. Na volta, era mas é insuportável.



E então? Ceguinhos...? Ou... apenas míopes? 

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E estamos a entrar no carnaval. Os meninos mascaram-se, fazem desfiles, brincam. Em algumas cidades e vilas de Portugal algumas mulheres esquecem o clima e vestem-se de baianas e, noutras,  os homens soltam a Mariete que há em si e mascaram-se de matrafonas.

As imagens que aqui partilhei estão no The Guardian e não são forçosamente de carnaval, embora algumas o sejam. A primeira, aquela lá em cima, é espetacular: Mardis Gras avant la lettre. Mas, por exemplo, esta aqui abaixo mostra um jogo popular inglês que consiste em provas nas quais os cavalheiros vão com as mulheres às costas, presas pelas pernas. Amanhã vou ver se o meu marido consegue segurar-me assim e depois, como certamente há-de conseguir, vou sugerir que vá serrar ramos comigo assim. Vou levar a máquina fotográfica para fazer a reportagem do mundo visto segundo uma perspectiva nova.


Desejo-vos, meus Caros Leitores, uma boa semana a começar já por esta segunda-feira.

2 comentários:

Anónimo disse...

Todo o santo dia serrei até mais não poder,

Porque não compra uma serra eléctrica... ou se é longe do ponto de ligação, daquelas que fazem
brrruumm, brrruuumm.

Um Jeito Manso disse...

Olá,

respondi no post que acabei de escrever. E gracias pelo brrrruuuum, brrrruuuummmmm. Gostei.