quarta-feira, novembro 07, 2018

Fatal




Fatal. Fatal como o destino. 

Nem mais nem menos. Isto mesmo. E os muito novos que me desculpem. E os muito velhos também, se a indecisão já passar da conta. É que tudo tem que estar no ponto certo. Sou exigente, se calhar um pouco niquenta, na volta ponho defeito onde outros vêem petisco. Mas é o que sou. Dourar a pílula para quê? Não sou perfeita. Orgulhosamente imperfeita, confesso.

E digo isto porque, se me ponho a querer definir, os requisitos parecem demais e parece que contraditórios. Mas são mesmo assim. Especifico. Pelo menos, tento. Comigo nem prato muito cheio, muito vulgar, tempero pouco cuidado, nem coisinha pouca, arte infantil, pratinho vazio com um salpico ao canto e uma ervinha a enfeitar. Não, nada disso. Tem que ter sabor inusitado e muito bom, tem que atrair o olhar, tem que ser na conta certa. E tem que ter beleza, graça, sabedoria, singeleza e malandrice, tem que saber pensar, surpreender-me com as suas metáforas, tem que usar a palavra como se fosse uma espada afiada porém delicada, como se fosse uma flor, um véu, um beijo, uma vénia, uma armadilha, um abraço, um ponto no infinito, um abismo, um afago, um desafio, uma imprevisão, um enlevo. E tem que olhar, saber olhar é muito importante, e, olhando-me, tem que saber desvendar-me. Mas não abusar da descoberta. Tem que ser capaz de guardar segredo. Mesmo que, um a um, vá desocultando os mistérios, tem que deles guardar segredo. E deve ser capaz de ouvir com reverência a música mais pura, o canto mais divino. E deve gostar de árvores, muito. Tanto ou mais do que eu. E tem que saber percorrer a minha pele. Com o olhar, com a mão, com a sua pele. E tem que apreciar os silêncios e tem que respeitar os meus vagares. 

Portanto, não é qualquer um. Não senhor. Tem que ser alguém especial. Raro. E tem que querer ser meu. E, sendo meu, tem que saber ser livre.

Mas mais vale deixar a Adélia falar que ela introduz bem o tema. 

Fatal

Os moços tão bonitos me doem,
impertinentes como limões novos.
Eu pareço uma actriz em decadência,
mas, como sei disso, o que sou
é uma mulher com um radar poderoso.
Por isso, quando eles não me vêem
como se me dissessem: acomoda-te no teu galho,
eu penso: bonitos como potros. Não me servem.
Vou esperar que ganhem indecisão. E espero.
Quando cuidam que não,
estão todos no meu bolso.

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E nada de conclusões precipitadas. Nem tem que ser anjo, nem minotauro. Poderia dizer que talvez in between mas sei lá. Aliás, nem interessa. Nada pior do que definições.

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O primeiro desenho é de Rodin, o segundo de Picasso. Renée Flemming interpreta Sempre libera de Verdi (na Traviata) e Serge Polunin dança como um anjo ao som de Evermore de Kai Engel. O poema Fatal, como referi, é de Adélia Prado.

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