quarta-feira, julho 25, 2018

Emilia Tereza, Cliff e John
-- o que podemos aprender com eles --





Já tinha visto o vídeo que lá mais abaixo partilho mas gostei de revê-lo. O fenómeno da longevidade com qualidade é fascinante. O que diferencia o metabolismo de pessoas que vivem até para lá dos cem anos? Transportamos, desde a nascença, a nossa linha da vida? Está espelhada na linha que se desenha na nossa mão? 

Olho a minha mão e prefiro nada concluir. Não sei quanto tempo vou ainda durar nem sei de que é que depende o comprimento da linha da vida. Dentro de nós, inexpugnável, o mistério que desvenda a nossa sina.

Volta e meia, quando apanham alguma pessoa com mais de cem anos, os jornalistas perguntam qual o segredo. Uns respondem que é um copo de vinho ou de aguardente por dia, outra assegurou que três ovos por dia. Serem optimistas e gostarem de viver parece ser um factor comum. Mas isto não estou certa que seja opção ou se, pelo contrário, é genético.


A minha mãe tem uma amiga que fez noventa e um anos. Enviuvou há uns anos, vive sozinha, sai todos os dias, passeia. Já teve vários cancros e de todos eles sai intacta, como se nada se tivesse passado. Vai visitar a minha mãe, conversam, riem. Recordam memórias comuns. Foram colegas. O tempo tem passado com leveza sobre ambas apesar dos pesares (que não têm sido pequenos). Esta alentejanita tão simpática não se sente limitada nem se preocupa com o presente, quanto mais com o futuro. Limita-se a viver a vida o melhor que sabe e pode.

No vídeo aqui abaixo, Emilia Tereza enternece-me. Tudo o que ela diz me enternece. Gosto, por exemplo, de quando fala da companhia que lhe fazem os que partiram. Sorri quando fala neles, quando conta que fala com eles, sorri quando diz senti-los perto de si.

Também penso assim. Penso muitas vezes nos que já não estão perto de mim. E não me refiro apenas aos que desta vida já partiram. Também os que apenas se afastaram.


Tendo sempre trabalhado em grandes empresas, não têm conta as pessoas de que já me despedi. Hoje disseram-me um nome. Só o nome. Pensei que ia receber uma má notícia. Felizmente não, era apenas para saber se eu o conhecia e se tinha o seu contacto. A verdade é que, antes, já não me lembrava dele. Vão-se esfumando. Mas depois regressam, de novo com vida.

Uma pessoa de que me lembro muito é de uma de quem não me recordo do nome e com quem pouco falava. Uma vez passei no corredor e vi-a com a cabeça entre as mãos. Entrei no gabinete a saber o que se passava. Estava branca, tinha tomado um comprimido que alguém lhe dera. Estava quase sem voz. Apática apesar de desesperada. Era secretária de um director que tinha aceitado a rescisão e, portanto, ia ficar sem trabalho e também tinha sido contactada para sair. Estava apavorada. Lembro-me de ter ficado em frente dela, quase tão aterrada quanto ela. Com a casa por pagar, um filho adolescente, um marido com ordenado tão baixo quanto o dela, a vida parecia estar a enfiar-se num buraco negro. E eu percebia muito bem o seu medo. Saíu pouco depois com a ilusão de que, com o dinheiro que tinha recebido, ia montar uma tabacaria e prosperar. Que será feito dela? Tomara que a sua ilusão se tenha materializado.


Houve um outro a quem tentei a todo o transe evitar o que lhe aconteceu. Era um contínuo. Sempre que havia reestruturações, não se percebia porquê mas o mexilhão era quem mais era atingido: contínuos, estafetas, administrativos, motoristas. (Percebia-se, percebia-se: era o mais fácil). De facto, com o tempo, algumas dessas profissões foram desaparecendo. Mas um dos contínuos era alcoólico. Mil vezes mandado para casa, mil vezes mandado tratar, não tinha jeito. Um pobre desgraçado. Sem eira nem beira. Reincidia já mesmo sem dar por isso. Por vezes estava de baixa, para se tratar, mas, não se sabia como, aparecia bêbado lá à porta. Era escusado. Não se podia contar com ele para nada e, muitas vezes, nem se podia estar ao pé dele, tal o cheiro. Mas eu tinha tanta pena dele. Um dia perguntaram-lhe se queria uma indemnização para se ir embora. Aceitou logo. Todo contente. Andava a despedir-se todo feliz da vida, achava que tinha ficado rico. Tentei que não, que voltassem atrás. Escusado. Andava numa alegria e racionalmente não se podia ter dentro da empresa uma pessoa alcoolizada, incapaz de se tratar. E, no entanto, eu tinha a certeza que não ia durar muito e que aqueles milhares eram a sua sentença de morte. Uma vez eu dizia isto, revoltada. Um colega disse-me: E é vida a que ele agora leva? E quem somos nós para tomar decisões por ele? 


Quando fiz anos recebi mensagens e telefonemas e um deles de um antido subordinado meu. Não deveria dizer assim, subordinado, deveria dizer amigo. Meu amigo durante tantos anos. Quando saíu, pensei que me ia ser difícil aguentar-me sem o seu apoio. Era o meu braço direito. Mas sobrevivi. Sobrevivemos sempre. Habituamo-nos a tudo, até às ausências. A vida sempre continua. Já foi isso há mais de dez anos. E todos os anos, pelos meus anos e pelo natal, me telefona. E eu nunca fui capaz de fixar a data do seu aniversário. Mas ele não se importa que eu me esqueça de lhe ligar porque a verdadeira amizade é assim, não pede nada em troca.

Lembro-me de tantas pessoas. Penso como Emilia Tereza: podia ficar o resto da vida a recordar as pessoas que conheci. Quando as recordo penso na sua generosidade, na sua bondade, nos seus sorrisos. E essas boas memórias ajudam-me, ainda mais, a sentir-me agradecida e feliz. Talvez também ajudem a ir-me mantendo viva.

Sabemos lá nós que frágil acaso faz com que a nossa efémera existência se mantenha. Não é?


Lições de vida de pessoas com mais de 100 anos



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As fotografias provêm da Vogue e do The Guardian. Comecei com uma ideia mas depois mudei. Talvez pareçam que não seguem qualquer lógica e o mais certo é que não sigam mesmo.

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(que provavelmente até dá um prazer quase igual ao que se fosse a dois), 
queiram fazer o favor de descer

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