sábado, maio 26, 2018

Quem vê caras não adivinha corpos (nem vozes)


Gosto tanto de música, quando ando no carro estou sempre a ouvir música, sempre que posso ouço música e, no entanto, nunca fui de gostar de cantar. É como escrever poesia: acho que não tenho jeito, não faço. Nem tento. 

E espanto-me com as pessoas que, tendo enquanto falam, uma voz normal, quando cantam apresentam um inesperado vozeirão. A gente interroga-se: mas de onde vem isto? Olha-se a cara da pessoa, ouve-se a conversinha em voz fininha e suave e, depois, alto e pára o baile.

Ou isso ou dançar. Gosto de dançar, gosto muito. Mas danço sem perder o controlo, sem me tranfigurar. Gostava de, dançando, me tornar outra. Mas isso nunca aconteceu.

Conheço uma mulher (ia a dizer uma mulher jovem mas, pensando bem, deve ter perto de quarenta e, portanto, apesar do arzinho juvenil, já deve poder ser encaixada na categoria das da idade média). É bonita e, em acréscimo, super elegante, super distinta. Apenas veste griffe e tudo nela respira 'pinta'. Profissionalmente é competente, compenetrada. 

Quando fala em público, não pode passar despercebida: e não é só a beleza, a elegância, o bom gosto na forma como se apresenta. É também a contenção, a segurança, um certo recato. Impõe alguma distância, respeito.

Nos tempos livres, toda ela é literatura. Devora leitura. Ama livros. Manda vi-los de todo o lado. E consta que escreve como uma princesa. Diversas vezes ouço amigos comuns comentarem os seus escritos no facebook. Uma vez mostraram-me. Fiquei admirada. Culta, feminista, engajada. Não lhe imaginava essa veia. 

Mas ponham-na, à noite, numa pista de dança. Vira outra. Fica selvagem, sem contenção, sem freio. Irreconhecível, impúdica, desbragada. No outro dia. Um amigo chegando perto. Abraçando-a, ela toda entregue ao louco prazer da dança, abraçada a ele, toda ela corpo, liberdade.

Eu olhava-a e, apesar de ser sempre assim, quase a irreconhecia. Um amigo comum dizia dela: vira outra, uma transformação espantosa, não se imagina. Não se inibe de nada. Fotografei-a, uma vez, quando estava numa daquelas loucas performances. Viu que eu a fotografava mas foi como se não me visse. 

Quando saímos, o meu amigo disse-lhe: isso é que foi, hein...? fica outra, mesmo.

Mas, nessa altura, já ela era outra, de novo. Mal sorriu e nada disse. Pareceu, até, incomodada com a conversa. E nunca, nas nossas conversas, o tema da sua veia de dançarina veio à baila. 

E eu lembrei-me disso agora ao ver os vídeos abaixo. Quem, vendo aquele rapaz a cantar, poderia adivinhar a forma como dança?

Jakub Józef Orliński