terça-feira, abril 10, 2018

O enervante e verídico caso do jovem que tinha muito amor para dar






O horóscopo confirma-o: trabalho e mais trabalho. Mas sabem enroupar bem as coisas: que é a minha capacidade disto e daquilo que faz com que os outros reconheçam isto, aquilo e o outro. Conversa. Uma conversa coincidente com a dos que me convidam para toda a espécie de molho de brócolos como se me estivessem a oferecer um prestigiante cargo de faz de conta. Um deles dizia, certamente com receio de deixar os seus méritos por mãos alheias: o presente envenenado foi ideia minha. E eu pensei: ah, que bom, obrigadinha. E, portanto, para cada lado que me vire, parece que há alguma alma caridosa à espera para me pôr um macaquinho ao colo.

Ou seja, os meus dias são um sufoco que me suga a alma. Gente a entrar-me no gabinete, telefone a tocar, mails a toda a hora, reuniões consecutivas. Volta e meia, quando me sinto a desesperar, vendo que o trabalho se acumula e que ninguém me dá um minuto de trégua para tentar pôr as tretas em dia, penso: Caraças, mariazinha, se o Marcelo consegue estar de manhã a fazer selfies com os bombeiros de Santa Maria da Gata e do Cão, ao almoço, a trezentos de quilómetros de distância, a distribuir diplomas na Escola Profissional dos Bolos e dos Guardanapos, à tarde a lanchar com os velhinhos e velhinhas no Lar do Alto Gabarito Eclesiástico e à noite a jantar com os embaixadores da Rússia de todos so países que os expulsaram -- e isto para estar às sete da manhã do dia seguinte no Vale de Caídos de país irmão, como posso eu, que mal saio de Lisboa, deixar-me cair numa ladaínha tão parva?

Mas a verdade é que isto me esgota um bocado. Parece que atraio as trabalheiras e as intragáveis maçadas. E o que isto me faz é que só me apetece meter férias nem que seja para ir cortar mato. Mas não dá. 

E, enquanto estou nisto, chego aqui, cheia de boas intenções, que vou ler mais umas preciosidades do Leopardo, transcrever umas pérolas para que V., meus Caros Leitores, percebam este meu xodó, e tal e coisa e tudo de bom. Mas, mal me reclino neste sofá, dá-me o sono, dá-me uma tal lazeira que se me esvai a energia, as ideias, a desenvoltura mental.

E, portanto, neste depauperado estado, de pouco mais sou capaz do que de meia dúzia de mal alinhavadas ideias, devidamente enroladinhas numa mantinha virtual.

Ponho-me, então, a preguiçar, tasquinhando noticiazeca aqui, fofoca acolá, brunodecarvalhada acoli. Os olhos fecham-se-me, as palavras escapolem-se e, quando dou por mim, está o algoritmo do YouTube a ter piedade de mim e a sugerir-me vídeos ao nível dos poucos neurónios que ainda mexem.

Hoje foi o doutor da Porta dos Fundos

E eu, vendo aquela mãe com aquele filho, lembrei-me de uma colega de quem já aqui falei e que, por ter ido dirigir aquele departamento, conheci de perto. Tinha um casal de filhos um bom bocado mais velhos que os meus. A preocupação dela era o rapaz. Alto, moreno, cabelo ondulado, ar gaiato. Havia uma empatia mútua que nos levava a, sempre que a ocasião se proporcionava, conversarmos um bocado.

Para meu espanto, um dia diz-me ela que já era avó. Fiquei sem perceber. Perguntei que idade tinha a neta. Ainda mais espantada fiquei: já tinha, salvo erro, quatro anos. O rapaz tinha acabado o curso de engenharia, teria uns vinte e dois anos. Fiquei de boca aberta. Contou-me ela: Numa santa noite estava a ver televisão com o marido. Às tantas, chega o rapaz a casa mais cedo do que o costume. Vinha com a namorada. Uns putos. Estavam com cara de caso. Queriam falar. Ela pensou: 'Bateu com o carro'. Tinha tirado a carta e, à noite, volta e meia, pedia o carro ao pai para ir a algum bar com a namorada. Imaginou a fúria do marido. Mas foi pior. O que ela nunca tinha imaginado, aconteceu. 'Ela está grávida e resolvemos assumir'. O marido levantou-se, pegou no casaco e na chave do carro e saíu, batendo com a porta. E ela ficou sozinha em frente do par de jarras, sem saber o que fazer. Disse-me: 'Só me ocorria dar-lhe uma tareia'.

Veio a menina e, claro, era muito amada. Quem ficava com ela durante o dia era a mãe da minha colega, senhora já de boa idade. E a namorada foi viver com o namorado, em casa da 'sogra'. Estudantes universitários em início de licenciatura.

Um maluco, dizia ela sempre que falava do rapaz.

Mas a verdade é que o rapaz era inteligente, simpático, trabalhador. Mal acabou o curso, arranjou logo trabalho, a namorada também, embora um trabalho precário e mal pago. Casaram, compraram casa.  A minha colega respirou de alívio.

Eis senão quando, logo de seguida, ele se embeiçou por uma colega lá no recém-trabalho. Confessou à mulher e aos pais que se tinha apaixonado por outra mulher. Saíu de casa e foi viver com a colega apesar de continuar casado com a mãe da filha que, de resto, teve um enorme desgosto. A minha colega contou-me que ficou varada de raiva, que só lhe apetecia pegar numa cadeira e atirá-la para cima do filho. Eu ri-me com o inusitado da confissão, ainda por cima serena como ela era. Mas percebia-a. Dizia-me ela: o meu marido parece que fica mudo. Mas dorme mal, ralado com as que o filho apronta; a mim só me apetece espancá-lo. Como o trabalho da jovem era mal pago e a família da rapariga não tinha posses, foi a minha colega quem, na prática, voltou a ter a nora e a neta a cargo. No entanto, dizia a minha colega que lá nisso o filho não faltava com nada à menina e à ex-mulher, que ia visitá-las, sempre brincalhão, que a criança adorava o pai.

Ao fim de pouco tempo, apareceu em casa dos pais com a namorada. Vinham abraçados, apaixonados. Um jovem casal de pombinhos. A minha colega já tinha visto uma fotografia da rapariga, parecia simpática e, ao vivo, era, de facto, simpática. E tinham uma notícia: um bebé a caminho. Todo ele sorria, feliz da vida, como se estivesse a começar uma nova vida. A mãe não conseguiu dizer grande coisa. Aquele filho enchia-a de preocupações: tão novo e já separado, já numa segunda relação, já a caminho de um segundo filho, os encargos sempre a aumentarem. Mas não disse nada, não quis fazer nenhuma desfeita logo no dia em que conhecia a nova nora.

Estava a criança quase a nascer, apareceu ele um dia em casa dos pais com a menina e a ainda sua mulher. Vinha apreensivo. A ainda-nora estava com ar envergonhado: quase a medo, a voz sumida, confessou que estava grávida. Dele. E ele também meio atrapalhado. 'Aconteceu', disse. A jovem baixou os olhos. E ele falou pelos dois: 'Já decidimos. Vamos assumir'. Como se tivesse tido um inconfessável affair com a mulher. Uma vez mais aparecia a assumir os disparates que fazia e parece que ainda vinha orgulhoso, contou-me a mãe.

A minha colega passada, doente de fúria com aquele filho. Dizia ela que o 'diabo do rapaz só pode ser sexualmente incontinente'. Contou-me que, naquele dia, foi por pouco, mas mesmo por pouco, que não lhe deu uma valente estalada. Só pensava nisso: o que ele precisava era de um estaladão. Que o mal era nunca lhos ter dado quando ele precisava deles. Estaladões. Valentes estaladões. E chispava, a contar-me isso.

Passado algum tempo, com ar cansado, vencida, pediu para negociar a saída, foi para o desemprego para depois pedir a reforma antecipada. Teria que tomar conta da neta, que a bisavó da menina já estava a ficar velhota, teria que ajudar a nora e mais o bebé que vinha a caminho. E havia ainda o bebé da namorada do filho. 'E nunca se sabe que mais aquele valdevinos ainda me vai aprontar', lamentava-se ela. Mas, logo depois, deixava perceber que, apesar de tudo, adorava aquele rapaz transbordante de vida e de alegria e por quem as mulheres se embeiçavam daquela boa maneira.


Nunca mais soube dessa minha colega. Ela saíu da empresa, eu mudei de empresa. Mas há-de estar rodeada de netos, se calhar de meia dúzia de 'noras' diferentes.

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E este, aqui abaixo, foi o vídeo que me fez lembrar o filho da minha colega de boa memória.

Castração


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As imagens não têm nada a ver mas acho-lhes piada:
mostram composições da fotógrafa Magali Lambert

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