Não brinquei ao Carnaval. Só há pouco, ao ver o noticiário, reparei que as ruas de muitas terras se encheram de caretos, caraças, carantonhas, matrafonas e baianas.
Quando eu era miúda mascarava-me sempre. Eu e amigas e amigos brincávamos ao entrudo e entronchávamo-nos com roupas velhas que as mães punham à nossa disposição. E andávamos pelas ruas a rir e a fazer barulho (supostamente a pregar sustos a quem passava). Era um bairro de moradias e, ao tempo, o trânsito não era um perigo.
Penso que era por essa altura que faziam um boneco gigante, julgo que fariam a roupa e a enchiam talvez de papéis velhos ou de trapos. Tenho ideia que o suspendiam numa cruz e a cegada acabava com o homem-entrudo a arder. Festejos pagãos, acho eu. [Podia agora ir pesquisar para ver se há fundo religioso nisto. Talvez. Ocorre-me que talvez fosse a figura do Judas. Whatever]
Quando já mais crescida, adolescente ou jovem adulta, passei a ir a 'assaltos'. Mascarávamo-nos, então, mais a sério e havia festa rija e bailarico. Mais tarde, era um primo do meu marido que se pelava por forrobodós que passou a organizá-los em sua casa. A coisa dava-se na cave da sua moradia e era coisa a preceito. Ninguém devia ser identificável. Era bem divertido. Aparecia muita gente e, até tarde na noite, não sabíamos quem era quem. Durava até alta madrugada.
O bocado de tronco do meu pinheiro caído de que ontem vos falei. Parece que, com o tempo, tem vindo a adquirir feições humanas e está sempre com florzinhas ou ervinhas |
Passei depois para ser a mãe de meninos que se mascaravam. Na altura havia quem alugasse fatos para crianças, mas eu nunca aluguei. Não só não sabia se aquilo estava limpo como me parecia piroso. Então, entre mim e a minha mãe, improvisávamos alguns disfarces para os miúdos levarem para a escola. A minha filha teria preferido ir de dama antiga ou espanhola como via algumas colegas mas nunca consegui vencer aquela minha barreira e, portanto, nunca consegui dar-lhe essa alegria. O meu filho não apreciava grandemente ir mascarado pelo que julgo que até apreciava que eu não o pusesse disfarçado de qualquer coisa que o fizesse sentir envergonhado.
Contudo, já adolescente, lembro-me de o ver de personagem de Braveheart, kilt, cabeleira ruiva. Por essa altura, foi a minha filha que se tornou mais avessa a mascaradas.
Agora são os pimentinhas. No outro dia estava ela de espanhola, linda, mas, como sempre, superior, sem dar confiança, como se fosse normal andar assim, cheia de folhos, com flores no cabelo, toda maquilhada. O primo que é quase da idade dela estava de ladrão, todo vestido de preto e um passa-montanhas também preto que lhe deixava apenas os olhos de fora. Os outros dois rapazes vestiram-se de futebolistas pelo que o disfarce era relativo. O bebé estava apenas com um laço encarnado brilhante a fazer de papillon.
Mas pronto, aqui enfronhados nas nossas labutas, nem nos lembrámos do Carnaval. O mato e ramagens que debulhei, os montes que esmifrei para mais facilmente caberem no bidão... De novo, até de noite. O meu marido serrou ramos e ramos pois não queremos ramagens a roçar o chão porque acabam misturados com o mato. E queimou e queimou. Uma luta. Não é que o terreno seja infinito. Não é. As fotografias talvez induzam em erro ou as minhas palavras também. Não é daqueles latifúndios de que nem se sabe bem onde estão as extremas. Conheço pessoas que têm propriedades com largas centenas de hectares. Coisa a perder de vista, com barragens, habitação dos caseiros, caminhos largos, criação de animais, casas de hóspedes. Não é nem de longe nem de perto o nosso caso. Tem um tamanho bastante comportável e de tal forma que somos nós mesmos que tratamos dele. A questão é que tudo nele desatou a crescer desabaladamente. E por cada coisa que se serre há que transportá-la, cortá-la em bocados mais pequenos, queimá-la. Muito trabalho e um trabalho pesado. Pelo menos, para quem, como nós, não nasceu nestes meios nem está grandemente habituado a trabalhos braçais de sol a sol.
Do lado de lá da serventia e, portanto fora da vedação, há mais um bocado de terreno, coisa para pouco mais de mil metros quadrados e, do que me lembro, com uma bela vista. Mato pegado. Apesar de ser um bocado pequeno tem tal mato cerrado, árvores e moitas pegadas, que nós dois não conseguimos dar conta daquilo. Se tivessemos mais tempo, talvez. Mas só temos fins-de-semana minúsculos ou uns dois ou três dias de férias que, raramente, conseguimos enxertar no meio da vida na cidade. O vizinho do fim da rua veio ver. Estava muito admirado pois não lhe passava pela cabeça que aquele terrenozito também nos pertence. E logo ele que sabe tudo. Diz que tem um amigo que tem um tractor pequeno que pode vir cortar o mato. Salvaguardei que as árvores não e ele garantiu que aquela máquina pode poupar as árvores. E logo ali ligou para o outro, para ele vir avaliar e combinar connosco quando pode cá vir. Aí gostava eu de fazer uma casinha na árvore. A tal casinha. O meu marido tenta cortar-me a imaginação: 'Não inventes. Pára. Não estejas sempre com ideias'. Calo-me, portanto. Mas fico a imaginar uma escada de madeira a subir para uma casinha na alturas. Os meninos haveriam de adorar.
Bem. Com isto, como têm podido constatar, ando fora da actualidade. Não tenho assunto. Chego aqui à noite, salamandra a fazer quentinhos bons nesta saleta em que vemos a televisão, agora a beber um chá quentinho, a descansar. Estive a ver o programa do MEC com o Bruno Nogueira. Antes tinha estado a ver os vídeos que o YouTube tinha para me sugerir. E, uma vez mais, tinha alguns que mereceram o meu agrado. Partilho convosco este aqui abaixo, muito interessante. Há pessoas que se dedicam a actividades inesperadas. Há qualquer coisa de artístico e de oficinal nisto. Estava a ver e a pensar que eram origamis mas, afinal, são pop-ups. Há tantas maneiras boas para ocupar o tempo. E felizes aqueles que descobrem o que os deixa felizes. Pode ser cortar mato, escrever, fazer bolos, compor, pintar, fazer pop-ups, tanto faz.
Agora estou a ver um programa extraordinário na RTP 2 sobre falsários, pintores que fazem falsificações perfeitas. Agora Guy Ribes está a fazer um Matisse. É honesto na forma como fala, gosta do que faz e tem genuína admiração pelos pintores que falsifica. Interessante. Tenho visto bons programas na 2.Mas, enfim, não importa o quê. Bom mesmo é a gente sentir-se motivado e feliz da vida.
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O momento mágico em que o papel ganha vida -- segundo o autor, Peter Dahmen
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Como ontem e antes de ontem, as fotografias que aqui mostro foram feitas in heaven.
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