O título da crónica chama pela gente. Nem sempre leio o que a Fernanda Câncio escreve mas desta vez li.
O tema não é linear. Já algumas vezes falei sobre ele mas isso não significa que tenha ideias feitas sobre o assunto ou que consiga reduzir a meia dúzia de mandamentos o que há a saber sobre o tema. Longe disso. Há as subtilezas de que Fernanda fala, as do desejo e da sedução, os pudores que nascem das incertezas, do respeito ou do receio, os interditos, os mistérios, o que não se diz mas que se deixa perceber. Felizes são os que sabem descodificar os intangíveis sinais.
O tema não é linear. Já algumas vezes falei sobre ele mas isso não significa que tenha ideias feitas sobre o assunto ou que consiga reduzir a meia dúzia de mandamentos o que há a saber sobre o tema. Longe disso. Há as subtilezas de que Fernanda fala, as do desejo e da sedução, os pudores que nascem das incertezas, do respeito ou do receio, os interditos, os mistérios, o que não se diz mas que se deixa perceber. Felizes são os que sabem descodificar os intangíveis sinais.
Não falo de violações, não falo de sexo forçado, não falo de sexo como abuso de poder. Isso é inequívoco, crime sob qualquer perspectiva. Falo de outra coisa. Falo do que é mesmo assim, avanços, recuos, vontades confessadas ou inconfessáveis, terreno que se pisa sem guião, desacertos, passos em falso, riscos que se correm.
[Ou não. Vidas que nunca chegam a convergir porque alguém não ousou no momento certo.]
Mas passo ao texto de Fernanda Câncio, transcrevendo alguns excertos (a imagem é escolha minha, não dela):
(...) Homens despedidos de séries, ostracizados no métier, retirados de listas de candidatos a prémios. Vou dizer uma coisa que já disse várias vezes sobre isto mas que já fui várias vezes acusada de nunca ter dito (sucede-me muito, e o contrário também): não suporto linchamentos. De nenhum tipo. Não gosto daquilo a que os anglófonos chamam "saltar para as conclusões". Não gosto de ir nas correntes. (...)
Mas há também, claro, casos como o de Aziz Ansari, acusado por uma mulher que mantém o anonimato de ter insistido em ter sexo com ela durante um encontro, apesar de ela lhe ter dado a entender que (já) não estava nessa. Apontado como exemplo da histeria acusatória do #metoo e denunciado como contraproducente numa série de artigos irritados de mulheres feministas que certificam que nada do descrito pela narradora constitui assédio, obrigou-me a pensar.(...)
Ora é precisamente porque nas relações íntimas as coisas se passam com subtileza, sem papéis assinados nem certidões, porque o desejo é algo de fluído, misterioso e inconstante e o que queremos ou julgamos querer num momento pode mudar no seguinte, e também porque vivemos num quadro cultural de ascendente dos homens sobre as mulheres do qual faz parte - não dá para negar isso, certo? -- a ameaça da violência masculina, que o caso Ansari, ao invés de ser uma prova da alegada histeria do #metoo, é um tão excelente ponto de partida para a nossa conversa. Vamos falar, meus senhores?
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Sobre o tema lembro-me muitas vezes de um dos filmes que me marcou. A condenação de Marco Bellocchio. La Condanna. The conviction. Filme inteligente. Filme que sabe como lidar com as subtilezas. Mereceria um debate.
Qual a fronteira? Qual a inequívoca linha?
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Enquanto o debate não é feito -- o debate sério, verdadeiro, olhos nos olhos, um debate que reproduza a verdade escondida, as mentiras expostas, os subentendidos, o não que quer dizer sim, o sim que quer dizer talvez, o talvez que quer dizer que alguém vai ter que descobrir --
e se calhar esse debate não é feito porque, simplesmente, não pode ser feito pois talvez os segredos da alma ou os avanços titubeantes ou falsamente seguros não possam ser expostos à crua luz da realidade e da intriga
deixem que vá parodiando o exagero e a acefalia que, aqui e ali, me parece ir tomando conta da conversa.
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É que, parece que respondendo ao apelo da Fernanda Câncio, já fomos surpreendidos com os testemunhos de dois briosos e viris cavalheiros
Houve um [homem que me assediou], mas eu não posso dizer, já faleceu. Assediou-me uma vez. Eu estava no meu quarto, tínhamos ido a Inglaterra, num grupo de cantores, fazer uma digressão para a emigração. De repente, há um colega que me bate à porta e eu estava a fazer a barba em tronco nu. Eu era muito atlético e ele diz-me assim: 'Sabes, é de homens como tu, muito musculados e com pelo, que eu gosto! 'E eu disse-lhe: 'Pois, olha, esquece e deixa-me fazer a barba em paz'", conta. "Só posso dizer que era um fadista"
E Bruno Maçães, outro garboso machão, publicou um livro depois de ter andado durante seis meses na passeata. Quando lhe perguntam se conheceu gente importante, respondeu com aquela sua famosa ingenuidade (que alguns mal-intencionados confundem com burrice):
Há um arqueólogo russo que, sem ser um Indiana Jones, tem um certo elemento de mistério e de aventura; há um agente secreto russo, com quem passei um dia inteiro a ser entrevistado. Foi possível aprender mais sobre a Rússia do que a ler 20 livros. Há uma professora de mitologia e agente de moda que talvez me tenha dado as melhores explicações sobre as diferenças entre a Europa e a Ásia, e estão citadas no livro.
E outra. Este anónimo, creio eu. Um adepto do PS, parece que tem pensamentos estranhos depois de ver um outro elemento do meio artístico nacional, o pimbérrimo Bruno de Carvalho que, diga-se em abono da verdade, tira qualquer um/a do sério:
Por breves momentos, e ainda quando decorria o discurso do máximo dirigente leonino, surgiu a seguinte frase no Twitter do PS: "Assustador: Eu não sou daqueles que dorme com um olho aberto. Eu quando durmo tenho os três olhos fechados", lia-se.
O tweet foi de pronto apagado e levou mesmo a um pedido de desculpas por parte do Partido Socialista: "Por lapso, foi publicado nesta conta um twett que se pretendia publicar numa conta pessoal. O PS pede desculpas ao Sporting Clube de Portugal, aos seus adeptos e ao seu presidente", revelaram
Portanto, parece que começamos a assistir ao coming out dos homens. Que venha ele. Contem-nos tudo.
Quem vos assediou? Fadistas? Forcados? A artista Vasconcelos? A Santa Mana?
Quem vos apetece assediar? A falsa taróloga Teodora Cardoso? A sensível Teresa Guilherme? O valentão Super Judge Alex? Os pavilhões auditivos do escritor José Rodrigues dos Santos? O reservado Desembargador Dâmaso?Contem-nos. Contem tudo. Cá estaremos para vos ouvir. Nada de titubeações. Vá. Sem medo. São capazes. #YouToo
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