terça-feira, janeiro 30, 2018

Três acidentes de percurso e quatro manas olharapas




Se me recordo de tudo o que aqui já recordei fico a pensar que, na volta, sou um cromo (cromo no feminino, bem entendido). No entanto, se me vir ao espelho, acho-me normal. E, dizendo isto, não sei qual a imagem que melhor me representa. Não quero induzir os meus leitores em erro nem vender gato por lebre mas, na verdade, não sei bem como me caracterizar. Maluca, excêntrica, normal - ou talvez um misto, de tudo um pouco.

Portanto, ficamos assim (que não interessa aprofundar muito mais até porque muito mais abaixo apenas há núsculo, tendões, ossos, vísceras, coisecas nessa base -- ou seja, miudezas sem nada de especial).

Isto porque, no meio de tudo o que já fiz, disparate que até ferve, há alguns que podem parecer coisa de cabeça no ar. E, na volta, é isso mesmo.

Conto. Tinha uns sapatos em bordeaux escuro, salto bem alto, corte clássico; e tinha outros, num tom parecido, a pele numa textura um pouco diferente, com um corte mais elegante e salto igualmente alto.

Um dia, estava eu a falar no corredor com um colega, já depois de duas reuniões, calha olhar para os pés, pensativa, e... caneco!, um sapato de cada nação. Quando me viu estupefacta a olhar para os pés desatou a rir. 'Não acredito...', gemi eu. Consolou-me: 'Deixe, ninguém vai dar por nada.'. Ai não... Fui ao gabinete, peguei nas chaves do carro e aí vai ela, direitinha a casa a trocar um dos sapatos pelo par do outro.

Moral da história?

Um desatino. Volta e meia vou no carro, no pára-arranca, e dá-me uma daquelas dúvidas assassinas: 'Será que não venho com sapatos trocados?'. Tento espreitar e não consigo: os pés estão lá em baixo, fora do meu ângulo de visão. A minha vontade é ligar os quatro piscas, situação de emergência, encostar para sair e inspeccionar bem a coisa. Mas não sou maluca a esse ponto e, portanto, lá vou toda a viagem a pensar no que me espera. O que vale é que, mal me distraio, me esqueço porque, quando digo 'toda a viagem' não é bem 'toda a viagem', é só enquanto os meus neurónios não partem para outra.

Mas a quem nunca aconteceu, posso afiançar: é traumatizante.

Claro que nada tão angustiante como deve ser a de um homem que esteja em público e verifique que tem a braguilha aberta -- e fique na aflição de ter que escolher entre dar o flanco e atirar-se impudicamene ao fecho das calças ou fazer-se de lelé, fingir que não está a dar por nada, e continuar airosamente de cueca ao léu.


Já contei a cena do meu colega que passou por uma cena do além e de que ainda hoje, sempre que me lembro, me desato a rir. Estavamos quatro sentados em volta de uma pequena mesa. Ele enorme, de pernas abertas, afastado da mesa. Chega-se uma ilustre desconhecida, segreda-lhe qualquer coisa bem no ouvido e deixa-lhe um papelinho.
Ah... não conto mais, não quero ser repetitiva. (Que cena mais hilária, aquela...).
Todos: 'O que é que diz o papel...?'. 'Diz lá, pá. O que é que diz o papel?'. E ele nada, mudo a olhar para o papel.
Pronto. Calo-me já. Não vou estar a contar as mesmas coisas.
Bem.

Há coisas piores. Há sempre coisas piores. Pode ser fraco consolo mas ajuda: há coisas piores, pode ser um mantra para uma hora difícil.

A deste escultor aqui abaixo que deixou cair a obra e a esborrachou toda deve tê-lo deixado mais desconfortável do que eu fiquei com um sapato de cada nação ou que o outro com a braguilha wide open.


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Claro que podia ainda falar daquele acidente no prestígio do País: a última macacada da Santa Mana Joana que, em vez de apadrinhar a investigação em coisas sérias, como para tal lhe falta o engenho e a arte, resolve derivar para a palhaçada e pôr-se a brincar às telenovelas mexicanas, agora envolvendo como suspeitos dois perigosos bilhetes da bola. Mas para esse peditório eu já dei e, de facto, na verdade só gabo a resiliência e o estoicismo de Centeno. Havia de ser comigo. Acho que até ia buscar, como assessora comunicacional, a minha cunhada que, quando está inspirada é mais apimentada que as peixeiras do Bolhão. A ver se não haveríamos de abater, com a pontaria da nossa língua afiada, muito comentador descerebrado e muito ex-paf que por aí ande perdido já a questionar se o prestígio do governo não está abalado. Tristeza, caraças. Por episódios como este, se conclui que há ainda um longo caminho a percorrer para sermos, de facto, gente grande.
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Mas pronto, para não me despedir só com acidentes, acabo com uma obra de arte. Melhor: com quatro obras de arte. Da imaginação de Alexandra Dillon saíram quatro manas olharapas com franjas artísticas a embelezar os sofisticados penteados.


Contudo, note-se que, quais ovelha Dolly ou macaquinhos Zhong Zhong e Hua Hua, há manas olharapas aos montes, todas almas gémeas, clones quase perfeitos


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E queiram continuar a descer que, já a seguir, temos Porto à moda dos bifes. Sempre bom. Seja qual a receita, é sempre bom já que a matéria prima é do melhor que há.

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