Enquanto nas televisões e nos jornais todos se afobam a ver quem aparece com o comentário mais inteligente e todos têm explicações elaboradas para tudo o que aconteceu, eu, moça simplória, para tudo o que acontece tenho explicações simples.
A saber.
Setúbal.
Vitória do PCP coisa nenhuma. Vitória da Maria das Dores, isso sim. Por acaso, a Maria das Dores é do PCP mas podia ser do PS, do BE ou ser independente. Algures no tempo deu-lhe para ali e por ali se foi deixando ficar. Mas, cá para mim, é tão comunista como eu. Mas também não é grave porque, para o efeito, não faz grande diferença.
O que ela é é trabalhadora, empática, gosta de ter a cidade arranjada, vê-se obra.
Em tempos passou por lá, por Setúbal, um burgesso, qualquer coisa Cáceres, não me lembro do nome do homem. Toda a gente abominava tal pessoa. Uma coisa na base do pato-bravo desqualificado que descaracterizou a cidade e deixou má memória.
Setúbal assolada por crises de desemprego, as fábricas a despejar gente para as ruas e, na autarquia, um matrafão que arrancava árvores, que empedrava tudo, que atafulhava a cidade do que a cidade não precisava.
Foi-se embora mas a fasquia inferior ficou bem definida. Uma coisa assim, jamais. De facto, a preocupação, ao votar, é que seja em alguém que seja o oposto dele. Depois dele, a malta só quer gente civilizada, de boas contas e boas maneiras, e capaz de sorrir.
Acontece que a Maria das Dores, pelo que se tem visto, é assim mesmo -- e, portanto, a milhas do tal bicho de má memória. E é bonita, bem arranjada, sorridente. Não sei como consegue ter sempre o cabelo tão bonito e ter tempo para aparecer sempre bem maquilhada e bem vestida. É agradável para a população ter uma presidente assim. E a cidade está bonita, cuidada, tem sido valorizada, e há eventos culturais, e ela tem sabido promovê-la e os turistas enchem a cidade, tornando-a vívida, alegre.
Portanto, sem pestanejar, as pessoas votam nela. E votariam se ela fosse de outro partido qualquer pois votam é nela. E era bom que o PCP percebesse isto.
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Inês de Almada - a rive gauche a quem a merece |
É o reverso do que aconteceu em Almada. As pessoas votavam no PCP porque, em regra, se admite que os comunistas são autarcas geralmente competentes e porque nunca tinha surgido candidatura alternativa com boa cara. De facto, os outros partidos sempre olharam para Almada como uma coutada comunista. Por isso, nunca lá punham ninguém de jeito.
Desta vez o PS pôs a Inês de Medeiros. E ela é simpática, fala bem, olha-se para ela e espera-se que se porte bem, que traga uma maneira diferente de fazer política -- e o PS apresentou um bom programa. Portanto, uns eleitores, talvez aqueles mais conservadores, ainda se deixaram ficar -- mas os outros resolveram ver se é desta que aparece uma boa lufada de ar fresco. Tão simples quanto isto.
E era bom que o PCP também o percebesse. Nem tanto a ver especialmente com o PS, nem com o efeito da Geringonça (que esvazie o papel do PCP) ou com qualquer outra razão metafísica. Almada votou na Inês de Medeiros sobretudo porque existe saturação da pasmaceira comunista e uma vontade de ter orgulho na cidade em que se vive e de ver acontecer coisas novas (como a Isabela explica no seu blog).
A velha guarda que votava no PCP por razões ideológicas, recordando os duros tempos do fascismo, é cada vez menor. Agora, para quem não é dos tempos da 'longa noite fascista', das torturas de sono, das vidas clandestinas, etc, os comunistas são vistos como os da CGTP... e pouco mais. E, nas autarquias, são vistos como gente competente e honesta mas sem grande rasgo, sem asas, sem serem capazes de abrir caminhos de modernidade.
A minha mãe hoje dizia-me: 'Antes do 25 de Abril, o PCP ainda se justificava. Agora hoje...? Não. Já não se justifica'. E, no entanto, votou na Maria das Dores. Chamei-lhe a atenção para a contradição. Mas ela confirmou o que eu já sabia: 'Não. Não votei no PCP. Votei foi nela'. Tal como em Almada votaram na Inês de Medeiros.
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