quarta-feira, setembro 13, 2017

Uma professora muito lá de casa


O que se passa é que, tendo eu ainda aqui umas quantas para dizer, me deixei ficar a ver o filme da 2 e, pelo meio, apesar de enternecida, me fui adormecendo e, quando melhor despertei, ainda o apanhei a tempo de me comover com o final -- e agora me passou a vontade de para aqui invocar o que de importância a tinha nula.

Prefiro antes falar de.

O filme mostra o último ano de um professor que, a seguir, ao fim de quarenta anos de trabalho, se foi reformar. 

E lembrei-me de todos os anos em que, no fim do ano, a minha mãe chegava a casa carregada de flores ou de lembranças, algumas feitas pelos meninos. Outras vezes eram as mães que ofereciam coisas e a maior parte das vezes eram coisas que a minha mãe nem sabia onde pôr e que dizia sempre que não queria mas que insistiam em oferecer-lhe. Por vezes, eu via o que ela tinha trazido e não sabia o que era e ela olhava e dizia que também não. E interrogava-se: Mas para que gastarão dinheiro nisto, senhores? Mas flores sempre muitas. Talvez pelo natal também. As jarras lá de casa cheia de flores. 

De tudo o que recebeu, só ficou com as mil histórias com as crianças. Recorda-as. Imita as crianças. Desata-se a rir com essas memórias. Orgulha-se de uns: Bailarino. Músico. Engenheiro. Do teatro.

Os meus filhos gostavam de lá ir. Uma vez por ano, talvez, levava-os a passarem lá uma aula. A avó era adorada pelos alunos. Usava uma bata branca, sempre elegante. Eles gostavam de estar entre os alunos da avó.

Quando deu aulas num bairro problemático, levava-os lá para casa. Sentavam-se nos sofás enquanto cabiam, outros no chão. Quando se entrava a casa, cheirava a escola em fim de dia, a ténis. Ela nem dava por isso.

As mães dos alunos também gostavam muito dela. Ainda gostam. Quando ando com ela na cidade, ou alunos ou pais de alunos, alguém está sempre a cumprimentá-la. O que ela temia eram as visitas de estudo. Tinha medo de perder algum ou que algum se magoasse. Lembro-me de excursões que acabavam tarde. A confusão da entrega dos alunos aos pais. A aflição dela se não via ou se se atrasavam os pais de algum. Acho que andava ela e o meu pai a ver se os encontravam. Até que chegasse a casa, via-a enervada. Detestava esses dias. Vinha cansada.

Tirando isso, nunca se queixava. também nunca faltava, nunca abrandava, nunca facilitava. E acho que não devia conseguir zangar-se com os alunos. Nem devia precisar. Eles respeitavam-na, ela deixava-lhes espaço para a criatividade, para se divertirem. 

A fazer-se de professora comigo a coisa nunca correu bem. Nunca conseguiu que eu corrigisse o que quer que fosse. Isto quando, na 4ª classe, resolveu preparar-me para o exame de admissão ao liceu. Lembro essas crises. Não gosto de fazer coisas desnecessárias. Se fazia uma coisa mal e ela me dizia como era, eu aprendia, escusava de corrigir ou de fazer três vezes. O que a minha mãe penou comigo naquela altura. Ela ainda se lembra disso e eu também. Traumatizante.
Já o contei aqui: a minha menina linda que fez agora sete anos e está agora para o 2º ano é igual a mim. Uma crise se a fazem repetir para garantir que aprendeu. Não faz. Zanga-se, desiste. Não verga. Percebo-a tão bem.
Mas antes e depois desse mês de fim de ano, teria eu uns nove anos, nunca a minha mãe tentou ensinar-me nada da escola. Nem criticava o método de ensino das colegas, nem sequer se pronunciava. Aliás, acho que guardava distância disso. O que eu temia era, em época de provas ou exames, quando trocavam de escola para vigiarem alunos alheios e calhava ela ir à minha. Já sabia que conversava com a minha pofessora e ficava com algum receio das queixas. À noite lá vinham algumas reprimendas. Coisa ligeira mas que me deixava um bocado inquieta.

Não me lembro do seu último dia como professora. Eu estava a trabalhar, nem a vi nesse dia. Mas imagino que a par de saudades e pena, tenha sentido algum alívio. Havia reformas escolares, colocavam professores excedentários como ajudantes, tenho ideia de que isso a perturbava um bocado. Volta e meia também inventavam novos métodos e com alguns ela não concordava lá muito. Imagino que cumprisse as regras mas mantivesse os seus próprios métodos que tão bons resultados davam. Também a gestão da escola estava um bocado politizada e isso impacientava-a já que estava ali para ensinar, para cuidar dos alunos, para os ajudar a melhor singrarem pela vida. Eleições, listas, partidos, rivalidades, etc, tudo isso lhe parecia ali deslocado.

Sempre teve boas amigas entre as colegas. Pelas diferentes escolas pelas quais passou, creio que quatro, arranjou amigos, sobretudo amigas. Ainda o são embora, desde que o meu pai teve o AVC, tenha deixado de se encontrar com elas no lanche e tertúlia semanal. Mas uma delas ainda vai lá a casa regularmente e, com outras, telefonam-se.

Procurei agora o filme Adeus, meu Professor para aqui o partilhar mas não descubro. Um filme tão bonito, tão, tão bonito. No meio de tanta porcaria que passa nas televisões, de vez em quando uma coisa belíssima. Para quem tenha verdadeira vocação, não deve haver profissão mais gratificante. E sei do que falo já que fui professora durante dois anos e picos e não me senti cativada dando, com o meu abandono, um certo desgosto à minha mãe que sempre achou que não havia melhor profissão do que a de professora, permitindo conciliar profissão e vida familiar. Mas não era para mim. 

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Entretanto, mão amiga fez-me chegar, por mail, esta versão do Cry me a river na voz da Mariza.


Obrigada. Estou a gostar de ouvir.


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As fotografias de crianças foram obtidas na net e acho que ficam aqui bem

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E queiram continuar a descer pois há uma entrevista interessante e uma canção muito bonita.

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