terça-feira, setembro 12, 2017

Fugas no paraíso





Como já o disse, as minhas so-called férias foram deveras atípicas e não me apetece entrar em pormenores. Já basta o que basta, quanto mais pôr-me ainda a falar disso.

Mas, no meio do que foi sucedendo, outros sucedidos foram igualmente atípicos.

Conto.

Para começar, estávamos com uma fuga de água e sem fazermos ideia de onde. Todas as torneiras desligadas e o contador a correr. 

Isso podia ser mau mas pior foram as contas da água. Uma loucura. E sem fazermos ideia de onde saía aquela água toda. Em casa ou cá fora, que se visse, nem uma gota. Do contador até à casa principal e do contador até ao estúdio e do contador até ao telheiro: tubos enterrados debaixo do empedrado que rodeia a casa. Depois, em cada um desses sítios, canos everywhere. Mesmo debaixo do telheiro há a torneira da mangueira, depois o tubo vai enterrado ou por dentro da parede, não faço ideia, até ao lava-louça. E dentro da casa principal? Espatifar a casa toda até descobrir? É que vestígios, como disse, zero.

Falámos com o vizinho da ponta da rua que conhece meio mundo. Ficou de ir lá com um canalizador e já punha a hipótese de neutralizar as canalizações existentes e fazer novas, por fora, à vista. Mas o canalizador não podia, disse que ia mas depois não conseguiu.

Entretanto, abro a caixa do correio e um aviso de corte da água. Espantada. Porquê, caraças, se o pagamento é por débito directo? Mas ainda ia a tempo de pagar desde que fosse in loco, ou mandasse um cheque e que pagasse juros e mais as despesas que tiveram para activar o aviso de corte.

Aflita, liguei para lá. Mas o que se passa?! O banco não tinha pago a factura. Pedi: Dê-me a referência que pago por multibanco. Não, por débito directo não há cá multibancos. Liguei para o banco: Por que raio não pagaram a factura? Falta de saldo não é. Foram ver. Mandaram depois um mail. Quando autorizámos a transferência, colocámos um valor máximo e, dada a fuga de água, esse plafond foi amplamente ultrapassado. Portanto, não pagaram. Indignada, perguntei: E não avisaram? Responderam que não, que é tudo automático. Indignada, questionei as Águas: Mas, então, viram que o banco não pagou e ninguém nos avisa? Isso é assim?. Resposta: É assim, sim, é tudo automático, não sabemos, não damos por nada, não podemos avisar. Conclusão. Lá fui a uma estação dos CTT enviar um vale postal. 

Sem canalizador e sem pistas, procurámos na net e encontrámos uma firma que faz detecção de fugas através de uma máquina. Um balúrdio mas que remédio. Mas só dentro de dias.

Entretanto, o meu marido teve uma intuição: Não serão as raízes daquela azinheira? Não terão dado cabo da entrada dos canos em casa?

Toca a levantar a chão, as pedras todas fora, um buraco no chão. Nada. As raízes estão mais fundas que os canos.

Mas o meu marido com aquela intuição. Pediu ao pedreiro que chamámos: Abra mais. Um buracão. Nada. O meu marido: 'Mais'. O homem dizia: 'Pode ser noutro sítio qualquer'. Entretanto, naquelas nossas vidas agitadas, não pudémos lá ficar. Porque tudo isto se passou in heaven -- sim, no paraíso também há fugas. No dia seguinte, liga-lhe o vizinho: Teve sorte. Nem queira saber. Ao pé do portão, um repuxo! E logo ali combinaram que o vizinho, para resolver o repuxo, haveria de tapar os canos de qualquer maneira e que o canalizador depois ia arranjar aquilo como devia ser. 

Suspendemos a ida lá do senhor com a máquina que detecta fugas. Menos mal, o mistério tinha sido detectado.

Depois foi a espera pelo canalizador.  Que ia, que ia, mas nunca mais lá ia. 

Até que lá foi. Canalização toda nova naquele troço. Agora estamos à espera que lá vá o pedreiro tapar o buraco e refazer o empedrado naquela zona toda.

Dias depois, nova carta no correio. Novo aviso de corte. Mais uma factura tinha batido na trave. Nova ida aos Correios para pagar antes que, na nossa ausência, lá aparecesse alguém a cortar a água. É que sem água é que não: transpirados com aquela nossa lide de podar árvores, apanhar folhas e sei lá que mais, os banhos são imprescindíveis.

Dois dias antes de nos virmos embora, tinham caído umas pingas de chuva na véspera. Estava eu não sei onde, à noite, chama-me o meu marido para ir ver um fenómeno. Odeio que me chame e se limite, depois de dizer o meu nome, a acrescentar: 'Anda cá'. Quero sempre que me diga o que é, para eu ver se vale a pena. Adiantou: 'Para veres uma coisa'. Ora abóbora. Quis pormenores: 'Para ver o quê?'. Nada. Assertivo. 'Anda cá. Vem cá ver se percebes o que é isto'. Contrariada, lá fui.

Daquela é que eu não estava à espera. Chovia na cozinha. Chovia do tecto entre a chaminé e o frigorífico. Ele estupefacto, eu estupefacta. 'Mas não choveu nada de jeito... ' E ele, 'Estará uma telha fora do sitio...?'. Mas não tinha chovido que justificasse, um dia depois, uma chuva daquelas dentro de casa.

Foi buscar o escadote, espreitar dentro do sótão. Não conseguiu ver nada. E continuava a chover copiosamente. 

No dia seguinte, um SOS ao vizinho. Sempre prestável, apareceu com uma escada enorme, subiu ao telhado, destelhou, encavalitou-se e viu tudo molhado. Afinal a canalização passa pelo sótão e havia nova rotura. Desconhecíamos tal percurso. Não era coisa que ele soubesse reparar. Tinha que vir o canalizador. Meteram-se no carro e foram ver se arranjavam um. Difícil, outros trabalhos. Talvez mais logo. Senão logo de manhã. Na tarde do dia seguinte ainda esperávamos.

Tínhamos que fechar a água no contador. Mal a abríamos, uma chuva do caneco. Até que apareceu o canalizador. Foi ver. Veredicto: tinha que se abrir a placa para ele conseguir ver onde é que o cano trabalhava e onde é que havia o problema. Lá foi o pedreiro. À medida que abria o buraco na placa, a chuva caía mais copiosamente. 

A despensa alagada, baldes e alguidares por todo o lado, a tralha da despensa na cozinha, o micro-ondas, na cozinha, fora do sítio, o carrinho das batatas e cebolas e toda aquela tralha também fora do sítio.

E isto tudo no meio dos nossos problemas -- ao pé dos quais isto eram amendoins.

Até que tivemos mesmo que nos vir embora. Um buraco no telhado, os canos rotos, tudo a cheirar a molhado e desarrumado. E um buracão na zona do jardim onde tinha havido a outra fuga. O pedreiro ficou de ir lá tapar o buraco da placa e voltar a telhar o telhado. Acho que isso já fez. O do jardim é que continua no mesmo estado.

Entretanto, com tudo o que aconteceu, não voltámos lá. E as férias a chegarem ao fim. Resolvemos ir na quinta-feira passada para o Algarve. Ou seja, de facto, de facto, tivemos dois dias úteis de férias (já que o fim-de-semana, em que também lá estivemos, não será justo considerá-lo férias). Quando lá chegámos, como nesse dia contei, estava tão esgotada que, sem querer, deixei-me dormir até às tantas -- pelo que essa tarde foi quase perdida.

Parecia que tínhamos deixado para trás uma hecatombe tal a sucessão de sucedidos. Os dias no Algarve foram bons mas muito curtos. 

Esta segunda-feira já foi dia de trabalho. E eu só espero que agora sejam tempos de acalmia e que, para além disso, os canos parem de se romper porque não há paciência para tanta maçadoria. 

E, assim sendo, qual a conclusão...? Ou seja, apesar de tudo, what...?
E a resposta é: Apesar de tudo, cá estamos. Ou melhor, que isto do plural majestático não está com nada: Cá estou.
E a vida continua e é boa e eu gosto dela. 
Um tio meu, quando soube que tinha cancro nos pulmões disse, com ar tranquilo, que não se importava muito, que já tinha vivido bastante e tinha vivido uma vida boa e que tomara muitos terem vivido o que ele já tinha vivido. Quando partisse, partiria feliz. Infelizmente todo este estado de espírito viria a desmoronar-se quando soube que a minha tia estava também com cancro, e bastante adiantado. Mas, enfim, isso foi apenas um azar dos távoras que apareceu para acelerar as coisas e fazer com que ele não tivesse morrido feliz. Mas, ainda assim, partindo do princípio que azares destes só acontecem once in a lifetime, continuo a dizer que a vida é uma coisa muito boa. Boa, boa. 

E agora talvez vá já dormir que, parecendo que não, talvez eu tenha uns little motivos para andar ainda um bocadinho cansada. Já vejo se me aguento ou se vou juntar-me ao meu marido que já foi entregar-se aos braços do outro.
Do outro, salvo seja, claro, que isto do morfeu melhor fora que fosse assexuado para evitar confusões.
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Algumas fotografias são de Paolo Roversi e outras de Sølve Sundsbø. Podem não ter muito a ver com o descrito... mas quem vos diz que não têm a ver comigo...? E mesmo que não tenham. 

Thomas Rhett interpreta Die A Happy Man e escuso de explicar porque me apetece tê-lo aqui comigo. Connosco. Ou, se calhar, até devia para não parecer que vem a despropósito. Mas, olhem, ficamos assim.

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E um dia feliz a todos quantos por aqui passam.

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