quinta-feira, setembro 28, 2017

Com o mal dos outros posso eu bem...?
[Ou não é esta pergunta que deve ser feita?]


Isto agora está tudo profissionalizado. Por exemplo, uma reunião. Até não há muito tempo, quem tinha que tratar de uma reunião tratava. Muita ou pouca gente, mais ou menos trabalho. Agora não. Quem tem que tratar, contrata quem o faça. E uma reunião passou a ser um happening. Claro que não todas mas algumas. No outro dia, ao chegar a uma, parecia eu que ia para uma festa da Caras. Painéis e um fotógrafo que nos punha à frente do painel e nos fotografava. E fazia grupos, diziam ba-ta-ta e diziam para nos rirmos e... pumba, flashada para cima. E havia cocktail volante e palcozinhos entre as árvores. E, no meio do jantar, houve prelecções imprevistas e para a noite houve dança e bar aberto e, portanto, não sei se estão a ver. E havia fotógrafos e fazedores de filmes, tudo ultra eficiente.

Dentro de pouco tempo vou a uma outra destas cenas. E nova ultra produção deve estar a ser preparada pois já nos começaram a mandar coisas. No outro dia, estava eu naquelas minhas pseudo-férias, recebo um mail a dizer que abrisse o link e respondesse a umas perguntas. No meio das trapalhadas, não o fiz e nem mais me lembrei disso. Dias depois, novo mail a dizer que era o último dia, que era importante e que não demorava mais que uns minutos. Nesse dia eu estava sem cabeça para o que quer que fosse. Olhava para as perguntas e não sabia o que responder. Ainda por cima era o tipo de pergunta a que costumo recusar-me a responder. Mas uma coisa é a gente, em conversa, explicar a razão da recusa ou, em texto folgado, dissertar em volta disso -- e outra, bem diferente, é ter um espaço mínimo para responder e aquilo não aceitar não-respostas. Portanto, em sofrimento e muito contrariada, lá respondi o que me veio à cabeça.

Uma pergunta inquiria qual o meu filme preferido. Devem depois fazer algum filme ou arranjar surpresas com base nisso. Completamente esvaída, lá escrevi o nome de um de que gostei mas do qual, em consciência, não poderei dizer que foi o melhor de entre os melhores. E, tal como com outras perguntas abrangentes para redutoras respostas, fiquei contrariada. Entretanto, fiquei a pensar. Tinha que poder elencar uns quantos para me sentir confortável na resposta. E um deles seria, sem dúvida, 'A vida dos outros'. Aquela invisível fronteira entre o bom e o mau, entre o claro e o escuro -- que tanto me fascina.

Por exemplo, tenho um colega que é o maior traste. O maior. Horrível criatura. Acho que mente já sem dar por isso e acho que não se ensaia nada em prejudicar quem calha e fico com a sensação que nem se apercebe do mal que faz. Não o posso ver nem pintado.  E, no entanto, reconheço que, em determinadas circunstâncias ou, pelo menos na aparência, tem graça e parece demonstrar genuína franqueza conseguindo eu, nessas alturas, conversar normalmente com ele.

Na verdade, todos nós somos feitos de nuances e a mesma circunstância pode desencadear reacções antagónicas em diferentes pessoas. O mal não é óbvio nem facilmente reconhecível e os maus não têm caras de monstros. E podem ser maus para uns e amorosos para outros.

Tenho também constatado que a exposição a situações recorrentes de maldade, cria em nós uma quase habituação. E, com a habituação vem a tolerância. É um processo quase inconsciente. E se eu, indignada, perguntar. 'Mas por que raio fez isso?' as pessoas olhar-me-ão, espantadas, e dirão que o fizeram apenas porque sim. Já nem pensam. Fazem o que lhes parece normal. Hannah Arendt falou muito bem disso. A banalização do mal.



O filme A Vida dos Outros trata de um caso assim. Transcrevo:
O filme narra a história de um agente da Stasi, a polícia política da República Democrática Alemã (Alemanha Oriental) chamado Gerd Wiesler (interpretado por Ulrich Mühe, falecido em 2007) que se envolve num serviço de escutas clandestinas do apartamento de um casal da cena cultural de Berlim Oriental, o escritor Georg Dreyman (Sebastian Koch) e a atriz Christa-Maria Sieland (Martina Gedeck). Mais tarde, ele se vê envolvido na vida do casal e tem um papel decisivo em seus destinos.

E lembrei-me agora de escrever isto depois de ter começado a ler o livro Uma Vida Alemã sobre Brunilde Pomsel, a antiga secretária de Goebbels (que morreu este anos com 106 anos). O livro regista as memórias dela e, sobre esse registo, leio que foi também produzido um documentário. E é espantoso. É tudo espantoso. A banalização do mal entorpece.


Agora que a Alemanha acabou de eleger para o seu Parlamento um bando de nacionalistas, acho que tudo isto e, em especial a nossa própria natureza, deveriam merecer alguma reflexão -- até porque os outros somos nós.

Apenas dois excertos desse documentário.


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 Sexy

Maternal

Agora sai do  AfD e vamos lá a ver o que vem a seguir.

Com gente desta e, ainda por cima, com cara de anjo, nunca se sabe.

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