sexta-feira, setembro 29, 2017

Ainda James Rhodes.
Ainda sobre um tema muito difícil.





Sou maternal desde que me conheço. O que eu pedia para ter irmãos... O que eu gostava dos meus primos mais novos... Tomava conta deles com a responsabilidade de uma pequena mãe. O que sempre gostei de bebés... Tanto, tanto. Às vezes, ia para casa de uns vizinhos dos meus pais. Os vizinhos tinham uma padaria com um grande forno de lenha e estavam fora todo o dia. Eram uma simpatia. Era o vizinho padeiro e a vizinha padeira. Tinham uma filha que ficava em casa. O marido dela estava no Ultramar. Dedicava-se à costura. Creio que costurava para ela ou para a casa. Não devia trabalhar para fora pois não me lembro de lá ver clientes. Tinha uma filha bebé. Quando não andava a brincar na rua, eu gostava de ir para casa deles. Gostava de vê-la com os alfinetes, alguns na boca. E, sobretudo, gostava de tomar conta da bebé. Tenho ideia que uma vez o marido veio passar férias. Se calhar veio mais que uma vez mas não sei dizer. Era um homem silencioso. Tempos depois nasceu um menino, que viria a revelar-se igualmente silencioso. Também gostava de tomar conta dele mas, ao contrário da irmã, que era uma criança buliçosa, ele era introvertido, sempre caladinho.
Os vizinhos padeiros já morreram há algum tempo. O marido da filha também já morreu. A bebé fez-se uma mulher divertida, já tem filhos e foi viver para as ilhas. O rapaz é agora um homem magro, sempre tímido e vive com a mãe. Vejo-os, às vezes, quando vou a casa dos meus pais.

E isto agora não vem a propósito pois eu estava a falar era dos meus instintos maternais. Quando era miúda, não via a hora de estar grávida. Gostava de brincar às mamãs. Estava grávida, tinha bebés. Claro que, mal a vida se equilibrou minimamente, tratei logo disso (tratei não: tratámos). Pelo meio dos vintes já cá tinha os meus filhos. E ainda tenho pena de não ter tido família por perto para me darem alguma ajuda e eu poder ter mais uns quantos. Adorava ter tido uma casa cheia de filhos.  Imaginava-os correndo, brincando, sentados na sala. Agora, entre filhos e netos, já consegui a tal casa cheia -- e penso muitas vezes que, se tivesse tido a tal meia dúzia de crianças e todos se reproduzissem como estes, havia de ser uma festa quando cá se juntassem todos. Não havia mesa que chegasse para todos se sentarem à sua volta.

Já o contei muitas vezes: não é apenas o amor que sempre senti pelos meus filhos, é também o prazer de ser mãe. Prazer mesmo. E é a empatia com crianças pequenas. Vejo um bebé e apetece-me brincar com ele, pegar-lhe ao colo. Uma criança mais crescida e apetece-me conversar, ensinar, deixar-me encantar com o que dizem.

E penso que é por tudo isto que fico doente, mas doente mesmo, se vejo alguém tratar mal uma criança. É coisa que praticamente não controlo. Passo-me. Não suporto. Mesmo se vejo os meus filhos zangarem-se com os pimentinhas já eu fico incomodada, com vontade de lhes dizer que não falem assim com os miúdos. Contenho-me (até porque, racionalmente, reconheço que têm razão) mas fico atravessada. Se na rua ouço alguém a gritar com uma criança tenho que me dominar para não ir impedir.

No outro dia, ao lusco-fusco, vimos uma menina quase bebé sozinha no carro. Sozinha e, coitadinha, com ar assustado. Fui logo a uma farmácia que ali estava para ver se lá estava a mãe pois só me ocorreu que a criança estivesse com febre, sem poder apanhar frio, e que a mãe tivesse ido numa corrida comprar medicamentos. Não estava. Voltei para perto do carro, pronta para intervir. Eu e o meu marido. Nisto chegou a mãe, uma brasileira afobada que vinha do café. O meu marido disse-lhe 'Não é boa ideia deixar a criança sozinha no carro'. E ela toda empinada: 'E o que é que tu tem a ver com isso?'. Eu e o meu marido dissemos que é perigoso deixar uma criança sozinha no carro e ainda por cima já de noite. E ela toda empertigada: 'Eu é que sou a mãe. Não se mete nisso'. O meu marido já a levantar-lhe um bocado a voz: 'Estou a dizer-lhe que não foi boa ideia deixar a sua filha sozinha no carro!'. Viemo-nos embora mas arreliados. Se ela não tivesse aparecido, tinha chamado a polícia e teria tentado tirar a criança do carro. Fico varada com coisas assim.

Imagine-se, então, quando sei de maus tratos. Pior, mil vezes pior, se se tratar de violações. Fico arrasada. É coisa que não entra na minha cabeça. O sofrimento de uma criança que seja violada é de uma dimensão que não consigo sequer avaliar. Sofrimento, vergonha, humilhação, desespero.     


Custou-me ouvir o testemunho de James Rhodes. Hesitei em trazer de novo aqui este tema. Mas acho que é importante que se fale nestas situações para que quem também passa por isto se encha de coragem e denuncie os agressores. E exorcise as vergonhas e medos e procure o apaziguamento. 


'This is child rape - let's call it what it is': James Rhodes



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E queiram, por favor, continuar a descer.

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