Sabem já de mim alguma coisa. Sabem que não me acho importante. Um ser efémero na longa cadeia que vai habitando o planeta - nada mais que isso eu me acho.
Hoje ao cair da noite, um dos meninos, o de de quatro anos, apanhou uma flor e ofereceu-ma. Coloquei-a no meu cabelo. Nem mais me lembrei dela. O meu marido é que, ao chegarmos a casa, disse: 'sabes que tens uma flor no cabelo?'
Quando entrei em casa, vi-me ao espelho. Gostei de a ver ali. Bonita a flor. Estive a vê-la. Perfeita na sua elegante simetria, no seu suave colorido, na delicadeza do desenho das suas pétalas. Pensei: vale mais, para mim, olhar esta flor do que, para alguns, ler os clássicos de frente para trás e de trás para a frente.
São opções de vida ou é genético -- não sei. Inclino-me para a genética, uma coisa como a orientação sexual. Não escolhi ser hetero tal como não escolhi ter tal devoção pela natureza e pela simplicidade.
A verdade é que me custa suportar gente cheia de si própria, narcisos que se deslumbram com o seu próprio conhecimento, gente que mostra arrogância e superioridade perante aqueles que não leram os mesmos livros ou não ouviram as mesmas músicas, gente que impõe conceitos e pontos de vista sem cuidar de saber que, para alguns outros, a vida é mais, mil vezes mais do que mil teorias, mil estratificações do conhecimento, mil dogmas.
Coitado de quem um dia tenha a infelicidade de se alhear da simplicidade ou de se fechar no seu mundo de mil labirintos sem se lembrar de sentir o prazer de ver a luz brilhando na pele de quem se ama ou de sentir a emoção de um olhar humedecido ou de procurar o afecto de quem da vida procura a bondade, a ternura, a suavidade dos bons momentos.
Coitado, digo eu, mas digo com pouca convicção. Que seja feliz aquele para quem a sua imagem ao espelho é bastante -- e com as formas de buscar a felicidade que cada um saiba de si, sem julgar os outros.
Mas eu sou assim, como têm aqui visto.
Cultivo a ignorância* com o desvelo que outros colocam no estudo aturado do que quer que seja. Tento manter-me um campo em branco, aquilo que em gestão se designa por greenfield, onde mil sementes consigam sempre encontrar espaço para germinar. Tento que a minha passagem pela vida seja um doce passeio em que eu, em estado de inocente desconhecimento, consiga sempre encantar-me com o que vou descobrindo, sem cuidar de saber em que movimento ou linha de pensamento se integra aquilo que me traz maravilhamento. Com sorte, não se integrará em nenhum compartimento.
Tenho passado a noite a ouvi-la e estou em estado de encantamento como se tivesse acabado de presenciar um prodígio.
Cultivo a ignorância* com o desvelo que outros colocam no estudo aturado do que quer que seja. Tento manter-me um campo em branco, aquilo que em gestão se designa por greenfield, onde mil sementes consigam sempre encontrar espaço para germinar. Tento que a minha passagem pela vida seja um doce passeio em que eu, em estado de inocente desconhecimento, consiga sempre encantar-me com o que vou descobrindo, sem cuidar de saber em que movimento ou linha de pensamento se integra aquilo que me traz maravilhamento. Com sorte, não se integrará em nenhum compartimento.
E eu estou maravilhada com Emahoy Tsegué-Maryam Guèbrou, a freira etíope de 93 anos (vídeo lá em cima) que compõe e interpreta ao piano as suas obras.
Tenho passado a noite a ouvi-la e estou em estado de encantamento como se tivesse acabado de presenciar um prodígio.
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* Quando me refiro a cultivar a ignorância tal não deve, claro, ser lido no sentido literal. Não me refiro à ignorância levezinha, banal, ao alcance de todos. Refiro-me, sim, àquela forma de desconhecimento que vem da libertação de taxonomias, da tentativa de desagrilhoamento de peias limitativas do pensamento, da desnecessidade de saber tudo o que há para saber para conseguir formular uma ideia que nos chega das entranhas. Refiro-me àquela forma de estar de quem está sempre disponível para aprender mais, para compreender e aceitar os outros, para se encantar com os pequenos ensinamentos e descobertas que a vida nos vai proporcionando.
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Um dia feliz a todos
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[E caso queiram saber o que eu gostava que fizessem ao meu carro, é fazerem o favor de descer até ao post que se segue]
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