segunda-feira, março 20, 2017

As regras da sensatez




Porque não é a primeira vez que recebo comentários como o que alguém deixou na mensagem abaixo e porque é tema que gosto de deixar claro, tomo a liberdade de o puxar para aqui para, de seguida, dizer de minha justiça.

O comentário é este:
Não é sensato exibir uma vida fácil e grandes alegrias. Há nisso algum despudor. E é ingenuidade acreditar que alguém pode encontrar o que não tem na leitura do que outra pessoa tem. Mas é apenas uma opinião, claro. Se lhe dá prazer manter este registo, mantenha-o.
Tenho alguma dificuldade em ajuizar sobre a sensatez de pessoas que desconheço mas admito que quem o disse, por ler o que aqui escrevo, ache que já me conhece o suficiente. Portanto, passo por cima do argumento do (des)conhecimento e refiro um outro aspecto que esse, sim, me parece mais relevante: o da subjectividade.

Quem assim decreta a minha insensatez acha que detém a bitola da sensatez. Ora, duvido que a tenha. Mais: duvido que alguém a tenha. É que estamos no domínio da pura subjectividade.

Exemplifico. Eu acho que alegria e o prazer de viver são matéria pública enquanto acho que a dor e o sofrimentos são matéria reservada. Portanto, fico até admirada com a falta de reserva ou pudor com que algumas pessoas publicam dores tão íntimas. Não que vá ao ponto de as achar insensatas. Longe disso. Fico é a pensar que a dor deve ser tão grande que o pudor, para elas, deixa de ser relevante. Mas, salvo casos extremos, nunca me ocorre achá-las insensatas.


Como qualquer pessoa, tenho os meus momentos complicados, tenho cansaços, preocupações, tristezas. Contudo, quando as causas são coisas cá minhas, geralmente apenas falo a posteriori, com algum distanciamento, e sem grandes pormenores. Muitas outras vezes, tantas vezes, nem toco no assunto. Como já o contei, escrevi aqui -- na maior animação -- na véspera de ser internada, escrevi aqui sobre política e fait-divers de toda a espécie durante o doloroso pós-operatório, escrevi sobre ninharias quando me morreram pessoas muito próximas, escrevi histórias e maluqueiras debaixo de grandes preocupações. E quem diz isso, diz em tantas outras situações, em que acho que nem vem ao caso falar, em que ninguém deu por nada. Geralmente, guardo para mim os assuntos que me pesam. Em situações difíceis prefiro espantar as dificuldades em vez de me debruçar sobre elas. Por natureza, facilmente ponho para trás das costas o que me desagrada nem que apenas por uns instantes, para 'desopilar'. Mas há uma outra razão: de facto, sinto um certo pudor em exibir assuntos íntimos, dores, mágoas.

Mais: penso que falar sobre alegrias não faz mal a ninguém, enquanto falar sobre dores e angústias pode tornar-se contagioso, pode dar más ideias, pode fazer baixar ainda mais o ânimo de quem esteja a sofrer.

Eu sei que os portugueses, em geral, tendem a cultivar a baixa auto-estima e a sentir-se solidários com os que se mostram em baixo e a rejeitar os que se mostram afirmativos ou 'felizes da vida' ou, seja, os que gostam de rir e curtir os prazeres desta vida.


Mas eu não posso fazer nada contra isso. Sou sincera e não vou fingir que sou infeliz para agradar a quem tem uma vida difícil. Tenho sido afortunada e por isso me sinto agradecida. São factos de que não tenho que me envergonhar: não tenho dificuldades financeiras, nunca fui abandonada, tenho trabalho, adoro a minha família e sinto-me retribuída. Por isso, sendo esta a minha realidade, é sobre ela que falo. Não sinto pudor ao reconhecê-lo, sinto apenas alegria e, sobretudo, um grande agradecimento. 

Quanto a ser ingenuidade acreditar que alguém pode encontrar o que não tem na leitura de outra pessoa que tem, permita que diga que talvez não seja bem assim. Não têm conta os mails que recebo de pessoas que me contam os seus problemas, as suas dificuldades, as suas doenças e ansiedades dizendo-me que lhes faz bem ler o que escrevo. Por alguma curiosa razão, muitos Leitores preferem dirigir-se-me num tom pessoal, de confidência, através de mails. Penitencio-me por cada mail a que não consigo dar a devida atenção mas o meu tempo livre é muito curto, não chega para manter a proximidade que eu gostava de ter com quem assim me procura e, ao mesmo tempo, manter o ritmo a que me habituei aqui no blog. Tantas vezes aqui tenho apresentado desculpas por não conseguir responder a mails (ou a comentários).

Portanto, para finalizar: vou manter este registo, sim, e não é apenas por me dar prazer: é porque este é o meu registo. Sou como sou e não é aqui que me vou pôr com fingimentos ou dissimulações.

E é no mesmo registo, o de sinceridade, que digo a quem escreveu aquele comentário -- que agradeço -- que espero que a vida lhe sorria para que sinta também vontade de sorrir e para que fique feliz quando vir o sorriso no rosto ou nas palavras dos outros.

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Lá em cima Rui Veloso canta 'As regras da sensatez', canção de que muito gosto, até pela letra (que é de Carlos Tê).

As fotografias foram feitas no Ginjal, lugar onde uns apenas vêem decadência e onde eu, impudicamente, vejo uma beleza quase mágica.

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9 comentários:

Maria disse...

Bom dia, sodona Jeitinho.
Pois olhe fez muito bem em puxar o dito comentário
porque
1. pensamentos negativos só atraem mais negatividade; há pessoas que não sabem, não querem, não conseguem, sei lá eu, sorrir, ser felizes, ver beleza nos pequenos nadas com os quais nos cruzamos diariamente; fujo delas a sete pés porque fazem-me dor de cabeça, dores em todo o corpo de tão contraída que fico. Poderão dizer: mas não tentas ajudar essas pessoas assim tão deprimidas? Nestes meus já longos anos o que tenho verificado é que há muitas pessoas que recusam ser ajudadas, "ensinadas" a sorrir. Será uma incapacidade, isto é, uma questão biológica. Sabemos que em muitos casos isso é um facto mas o que costumo dizer é que não tenho obrigação de no meu dia a dia ter que aturar pessoas que me fazem sentir mal. Ainda ontem mandei uma tomar chá de urtigas porque parece que aumenta os níveis de serotonina;

2. depois há aquelas pessoas que são umas invejosas do caralho; sofrem de uma inflamação crónica que designo cornite = dor de cotovelo: inveja da nossa alegria, da nossa felicidade, dos nossos bens materiais, da nossa família, do nosso sucesso profissional. Só são capazes de sorrir com a desgraça alheia. Alan Kardec resumiu muito bem os invejosos: "com a inveja e o ciúme, não há calma nem repouso para aquele que está atacado desse mal: os objetos de sua cobiça, de seu ódio, de seu despeito, se levantam diante dele como fantasmas que não lhe dão nenhuma trégua e o perseguem até no sono." Quando conheço ou sou obrigada a conviver com alguém assim faço logo uma reza para os afastar de mim eheheheheh

penso que tinha mais coisas para dizer quando aqui me sentei mas verreram-se. Caraças da pdi. Se me lembrar volto.
Beijo e boa semana

GG


Maria disse...

Já me lembrei :)
Queria deixar aqui este excerto de O Principezinho, Saint-Exupéry, Capítulo XXI

(...)
- Tenho uma vida terrivelmente monótona - disse a raposa. Mas, se tu me prenderes a ti, a minha vida fica cheia de Sol. Fico a conhecer uns passos diferentes de todos os outros passos. Os teus passos hão-de chamar-me para fora da toca, como uma música. Os campos de trigo não me fazem lembrar de nada. Mas os teus cabelos são da cor do ouro. então quando estiver presa a ti vai ser maravilhoso. Como o trigo é dourado, há-de fazer-me lembrar de ti!...
(...)
E o principezinho voltou no dia seguinte.
- Era melhor teres vindo à mesma hora.
- Se vieres, por exemplo, às 4 horas, às 3 já eu começo a ser feliz. E quanto mais perto for da hora, mais feliz me sentirei. Às 4 em ponto já hei-de estar toda agitada e inquieta; é o preço da felicidade! Se vieres a uma hora qualquer não saberei quando hei-de arranjar meu coração, pô-lo bonito.
(...)
Foi assim que o principezinho prendeu assim a raposa. E quando chegou a hora da despedida:
- Ai que me vou por a chorar – exclamou a raposa - Ai que me vou por a chorar…
- A culpa é tua – disse o principezinho – Eu bem não queria que te acontecesse mal nenhum, mas tu quiseste que eu te prendesse a mim…
- Pois quis – disse a raposa.
- Mas agora vais-te por a chorar - disse o principezinho.
- Pois vou – disse a raposa.
- Então não ganhaste nada com isso!
- Ai isso é que ganhei - disse a raposa – Por causa da cor do trigo…

GG

Anónimo disse...

PARECE QUE TEM RAZÃO, A FELICIDADE PEGA-SE - https://www.diadafelicidade.gov.pt/depoimentos

bOB mARLEY

Anónimo disse...

mas também tenho uma palavra de solidariedade para com o anónimo, já a tirei e coloquei nos favoritos diversas vezes. Um dia lia um post , e pensava, mas tá armada em quê (tirava), noutro dia ou no mesmo dia num outro post, já pensava totalmente o contrário.Mas como estava sempre a espreitar para ver o que escreveu,cheguei à conclusão que tinha que ver o saldo, é positivo ou negativo. Acabou por ficar, até porque é mais fácil aceder, se estiver nos favoritos-)))
pode ter a certeza que o anónimo vai andar por aqui, estava num dia mais negativo e foi mais forte que ele ou ela, como dizia o outro, atire a 1.ª pedra quem....

Bob Marley

Maria Guerra disse...

O seu blog é descontraído, bem disposto e revejo-me em muito dos seus escritos, é bom ver alegria em pequenas coisas, há que aproveitar a vida e vive-la o melhor possível.

Um Jeito Manso disse...

Olá Maria,

Uau, que mulher arrebatada. Consigo, quem não ficar numa boa a bem, fica a mal, certo? Parece ser mulher para virar do vaesso quem se apresente ao pé de si cheio de frescuras.

E adorei a passagem do principezinho. Muito bonito. E é isso aí. mesmo quando se perde alguém de quem se gosta, fica o que dessa pessoa mais gostávamos ou as associações de ideias que para sempre faremos.

Um thank you very much, Mary.

Um Jeito Manso disse...

Olá Bob,

Claro que a felicidade se pega. Pode ter a certeza que sim. Uma pessoa com um bom astral predispõe bem as pessoas com quem convive. Comigo isso acontece. Se estou com uma pessoa animada, fico ainda melhor. E as pessoas dizem que eu também as faço sentir melhor.

Algumas.

A outras, pelo que vejo, volta e meia causo brotoeja. A si também, portanto...

Li e fiquei a rir mas depois pensei : oh caraças, será que volta e meia dou mesmo a ideia que sou uma convencidona...?

E a minha dúvida é se será coisa de estilo literário ou de falta de cuidado na escrita ou se, na verdade, volta e meia, me porto mesmo como se fosse uma convencida...?

Já viu bem? Agora deixou-me com essa dúvida metódica. Parece-lhe bem?

Mas pronto, pode continuar a vir que eu lhe perdoo tudo e deixo-o entrar.


Um Jeito Manso disse...

Olá Maria vai à Guerra!

Obrigada pelas palavras simpáticas. É certo que não se pode agradar a toda a gente mas a verdade é que fico toda contente quando leio palavras de agrado.

É verdade: fico contente e feliz com pouca coisa e a verdade é que até o eu ser assim me faz feliz. Conheço tantas pessoas que querem sempre mais, que parece que nunca estão felizes com nada, que agradeço aos céus eu ser tão 'poucachinha', dando-me por satisfeita com qualquer insignificância.

Obrigada.

Um abraço, Maria Paz!

Maria disse...

KKKKKKK
pode crer
a uma pessoa em tempos proibia de se queixar, pelo menos quando estivesse junto de mim e expliquei-lhe por quê.
Hoje, passados uns anos, agradece-me.
Beijos