terça-feira, fevereiro 07, 2017

O populismo está a mudar o mundo.
[E uma ou outra reflexão de baixe calibre]




Se ligo a televisão ao fim de semana, pelo menos nos canais nacionais, é música pimba e apelo a telefonemas para sortear dinheiro e acho que pouco mais. Se se ligam os canais de cabo à noite ou há comentadores a eito a falarem de qualquer tema que levante cabelo seja por que motivo for ou comentadores de futebol. 

Se passam filmes em horário de grande audiência são perseguições, crimes, tiroteios, vinganças. 

Se vemos o que se passa na Assembleia da República pasmamos: salvo algumas nobre almas que levam o seu mister a sério, o resto é o rebotalho que deu à costa em eleições finadas ou uma primeira fila de grilos falantes e inúmeras fiadas de gente que entra muda e sai calada. Dá ideia que, a nível político, há umas duas ou três dezenas com competência e olha aí.

Entra-se numa livraria grande público e é lixarada a eito. Para encontrar alguma coisa que se aproveite, uma pessoa pena, sem saber em que secção espreitar.


Vai-se a um restaurante de tipo 'grande público' e a maioria das pessoas está a ver os telemóveis, a fotografar a comida, a fazer selfies ou, certamente, a fazer post no Face ou a ver por onde andam os 'amigos'. Se há um cão que morde o dono, logo se erguem cinquenta movimentos de apoio ao cão, se uma celebridade usa um vestido que deixa a coxa grossa à vista, logo mil bloggers virgens se ofendem, se alguém desencanta um artigo falso de um qualquer jornalista conhecido, logo é repostado e tripostado como se de carne fresca se tratasse e logo mil vozes ofendidas e outras tantas apoiantes se enfrentam como se estivesse em causa um crime de sangue ou um golpe de regime.

Este é o admirável mundo novo que nos calhou na rifa. A uns saíu a fava, a nós foi pior que isso. Um imenso caleidoscópio de anormalidades.

Neste terreno generosamente estercado, prolifera alegremente o populismo. Tudo vale. Verdades ou mentiras, factos verdadeiros ou alternativos, gente séria ou biltres encartados.

Nestas situações uma pessoa tem vontade de apontar o dedo a alguém. Encontrar o culpado, isolá-lo, apontá-lo a dedo é sempre um descanso.

Eu, sinceramente, não sei quem foi. Não pode ter sido apenas um ou dois. Não pode ter sido epifenómeno, coisa pontual com causa determinada.


Foi muita desregulação. Foi muita condescendência com a classe de intocáveis que fazia e desfazia à vontadinha, pagando prendas e prebendas a dúcteis e públicas figuras, tratando jornalistas como vulgares teúdas e manteúdas, avençando deputados e comentadores e levando a passear quem gosta de respirar o hálito do dinheiro. Foi também muita arrogância por parte de intelectuais que trataram os da plebe como sopeiras para quem uma ofensa seria paga mais do que justa, intelectuais de meia tigela que apenas sabem cavar fossos intransponíveis entre elites cultas e o povo. Foi tudo junto.

Chego aqui à noite e vagueio por entre as notícias. Muita baboseira, muita piroseira, muita poeira. Vagueio pela blogosfera e, aí, felizmente, encontro, de quando em vez alguma qualidade -- mas também muita futilidade, muito ressabiamento, muita pretensa elevação intelectual. 

Por exemplo, esta noite, no meio das trumpolinadas a esmo que a destrambelhada criatura americana não se cansa de plantar ao longo dos seus dias na Casa Branca, lá descobri uma ou outra notícia interessante. Por exemplo leio que Cientistas inventam laboratório de diagnóstico num "chip". E custa um cêntimo. Quase só esta notícia deveria merecer notícia de abertura, reportagem e debates. Nada. Notícia de rodapé.


Nos antípodas mais uma que até me fez rir. José Manuel Coelho pede asilo... ao ilhéu da Pontinha. Não sei se este artista, para além de gostar de armar fuzuê, faz alguma coisa de jeito em prol dos cidadãos, pelo menos nos que votaram nele. Só ouço falar nele quando arranja algum granel. 



Em linha com a notícia acima, uma outra: Cavaco Silva lança memórias presidenciais. A esfingíca figura, a quem nunca vi maior utilidade do que a José Manuel Coelho, vai agora pôr a boca no trombone. Mesquinho e vingativo como sempre se mostrou, imagino a elevação com que escreveu as suas memórias. Leio:

Cavaco Silva, o autor, assume, que o que está em causa é justamente as memórias dos seus dois mandatos presidenciais (de 2006 a 2016). 
Memórias centradas, em particular, nas relações com os três políticos que durante esses dez anos foram primeiros-ministros: José Sócrates (até 2011), Passos Coelho (2011-2015) e António Costa (os quatro meses finais do segundo mandato presidencial de Cavaco Silva). Era às quintas-feiras que o então PR recebia em audiência o primeiro-ministro.

Notícias assim. As que mereceriam destaque são ignoradas. As que mereceriam ser ignoradas são destacadas. Uma comunicação social que se deixou mercenizar, que faz o trottoir da audiências, rodando a bolsinha.

Depois é isto: a malta, o povão, acha que 'são todos iguais' e que é preciso é 'partir tudo', 'correr com eles', o lema é 'não, não, não'. Não interessa perceber de que é que estão a falar ou o que é que querem. A malta está a ficar 'contra o sistema' e, para o mostrar, vota nas maçãs mais podres desde que revestidas a ouro ou, simplesmente, nos que conseguem ter um discurso igualmente vazio pois assim não há quem se ensarilhe na semântica.

É isto. E até aqui eu consigo chegar. Não consigo é descobrir como sair daqui.


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Populism is reshaping our world


The Economist



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Para uma conversa muito pessoal  queiram, por favor, descer até ao post seguinte.

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