quarta-feira, fevereiro 15, 2017

A melancolia de Dindinha na dobra do Dia dos Namorados





Dindinha finge que chora, se achega, encosta a cabeça no meu ombro.

Diz: Prima, ninguém quis saber de mim hoje, foi dia dos namorados e nenhum quis se arrimar a mim.

Ponho-me a rir, Deixa disso, Dindinha, bonita como tu és, logo, logo vão andar de roda de ti, cheirando tua saia.

Quem dera, prima, quem dera. Tomei banho em água com pétala de rosa, depois pedi ao Zezinho que pusesse creme em todo o corpo e ele caprichou, cada refego, cada dobra, a pele toda macia, macia, macia, prima. Não quer ver?

     Não, Dindinha, deixa, acredito.

Mas, prima, confira. Eu dispo a blusa. Espere. Já despi, prima, veja.

     Oh Dindinha, para que é isso? Eu acredito.

Mas veja, prima, ponha a mão aqui na maminha, veja, veja, prima, a macieza.

Pega em minha mão e leva-a a ver que o Zezinho caprichou na espalhação do creme.

     Já vi, Dindinha, agora vista a blusa. Já vi.

Mas, prima, veja aqui o biquinho. Não parece botãozinho de flor, bom para passar linguinha?

     Tenha mas é tento na língua, menina, isso é lá coisa que se diga?

Esconde o rosto na dobra do braço, depois encosta-se à porta, finge que tem vergonha. Dindinha é moça melancólica. Desdobra a trança, solta o cabelo. Está triste.

Lastima-se: Veja, prima, foi dia dos namorados e nem uma rosinha alguém deu para mim. Nem bombom. Sabe que eu sonhei.

     Foi? Com quê?

Sonhei que vinha um homem grandão, morenão, barbudo, e batia na porta e eu ia abrir. E ele perguntava: 'Foi daqui que pediram um bombom entregue na boquinha?' E eu dizia que sim. E ele dizia: 'Mas tenho que tirar a camisola e a menina também, são ordens da casa'. E eu tirava e ele também e então ele dizia, 'Agora fecha os olhinhos porque a transacção tem que ser feita de olhinhos fechados'. E eu fechava e ele deixava um bombom na minha boca. 

     Foi um sonho doce, Dindinha.

Ah pois foi, prima. Mas o homem do bombom desapareceu e não voltou de verdade. E agora estou aqui triste, sem namorado que sinta a minha pele macia, a minha língua que ainda sabe a chocolate. Faço agora o quê, prima?

     Olha Dindinha, não pense mais nisso. O que for soará.

Oh prima, sempre com ensinamento distante. Eu queria era um namorado aqui e agora vem a prima com filosofia.

     Ai Dindinha, que impaciência é essa, menina?

Oh prima, é muita decepção, muita, muita. Veja, prima, logo que Zezinho saíu, apareceu Roninho para ver se eu tava precisando de algum nada e eu disse: 'Ah que veio na hora certa Roninho. Estou aqui para pôr uma eau de toilette e não sei bem como'. E Roninho disse: 'Vai Didinha, para não ficar muito forte faz assim: vai buscar um lencinho'. E eu, 'Oi Roninho, lencinho...? Mas onde é que eu tenho lencinho?' E ele, 'Qualquer coisa que dê para a gente depois passar no seu corpo'. E eu disse: 'Cuequinha de seda pode, Roninho?' E ele disse, 'Vai lá buscar Dindinha'. Fui. Ele disse: 'Dindinha... que cuequinha macia.' Então ele pôs a eau de toilette na cuequinha e disse: 'Deita aí na cama, Dindinha'. Deitei. Então ele passeou a cuequinha pelo meu corpo. E, no fim, eu disse, 'Agora cheira, Roninho'. E ele cheirou-me toda, toda, por todo o sítio. E disse, 'Cheira bem, Dindinha'. Mas logo tocou o telefone e Roninho disse 'Não leve a mal, Dindinha. Tenho que ir, a minha mulher lembrou que tenho que ir buscar o menino ao colégio'. E foi, prima. E foi. Fiquei ali largada, meu corpo exalando perfume de desejo, minha pele toda sedenta. E ele se foi, prima. Ai de mim.



      Deixa, Dindinha, mas ao menos tua pele ficou macia e perfumada.

Pois, prima, mas para quê isso tudo se não ganhei nenhum namorado, se agora a noite está caindo e eu aqui sem ninguém que venha passar a mão na minha pele ou venha cheirar meu corpo? Já viu meu destino, prima? Já viu minha solidão?
     Ai Dindinha, que drama, menina. E escuta... você acha que namorado é para isso que serve, menina?

E não é, prima, e não é? 

     Não, Dindinha, namorado é também para dizer um poeminha no ouvido, passar o braço sobre o ombro, olhar o céu em silêncio, segurar a mão enquanto faz jura de amor.

Ai prima que lá vem de novo com poesia. 

     Mas oh Dindinha, só prosa, só prosa...?

Sim, prima, eu quero é substantivo bem definido, verbo bem afirmado, nada de reticência, nada de adjectivo silencioso. Quero grito, prima, quero palmada, beijo de língua, corpo transado, abraço suado. Quero namorado homem, prima, nada de santo, dispenso valentim, dispenso jura, dispenso metáfora, dispenso suspiro. Dispenso até prosa, prima. Quero é homem, prima. Mas primeiro, prima, primeiro me ensina a ser mulher.


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Lá em cima a música é "Minha Namorada" - ( Maria Creuza/Vinicius de Moraes/Toquinho )

As fotografias pertencem ao livro 'Nues. Femmes Lascives', da L'Oeil Curieux.


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A história da Dindinha acabou de nascer. 

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E queiram, por favor, descer para verem como foi o meu dia de S. Valentim

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1 comentário:

Claudia Sousa Dias disse...

Lascieviens, Lasciviens...!