sexta-feira, outubro 21, 2016

JV versus Bea


Duas mulheres falam da sua forma de sentir e viver o amor




E, como sempre fui completamente a favor de relações abertas, sem exclusividade, e crente de que é possível amar duas ou mais pessoas de forma igualmente poderosa, em simultâneo ou em momentos distintos da nossa vida, também não me custa a crer que alguém - Miterrand, no caso - tenha amado Anne Pingeot imensamente. 

Sou contra pensarmos que para amar alguém é preciso amá-la em exclusivo (e desde sempre tive a ideia de que aceitar uma relação aberta era dar o maior voto de confiança e amor a outra pessoa), mas para mim tem de ser tudo às claras: se há enganos, mal entendidos, uma (ou cada uma das várias mulheres) acha que é mais que as outras, mas na verdade não é, então esse "tudo" que cada uma julga que é, pode ser, afinal, muito menos que isso, talvez mesmo quase nada. [JV]
As relações humanas - e sobretudo as amorosas - são coisa muito complexa para ser ajuizada do exterior. O melhor é não julgar, quem as vive já sofre por vivê-las, não precisa de juizos; e isso mesmo que julgamos pode ainda vir ao nosso encontro.
Relações abertas e com várias pessoas em simultâneo parecem-me extravagâncias. Mas podem não ser. Talvez haja maneiras - difíceis - de existirem em coexistência. [bea]

Quanto às relações abertas, vejo-as com a maior naturalidade. É claro que quando penso em relação aberta não penso em alguém estar constante e perpetuamente à procura de novos companheiros de vida (tipo ter muitos namorados/namoradas), se bem que isso é um fenómeno em crescimento, por exemplo, no Brasil (paradigmaticamente, o poliamor, em que vários homens e mulheres partilham uma vida em conjunto). Não me oponho obviamente a nada disso, mas aquilo a que me referia quando falava em relação aberta era apenas à possibilidade de uma pessoa, mesmo estando numa relação séria com outra, ter sexo com outra (com quem terá maior ou menor grau de intimidade). Recuso a ideia de que estar numa relação implica dar a alguém o controlo e o exclusivo do nosso corpo, implica abdicar da nossa liberdade sexual, da possibilidade de, querendo, ter relações sexuais com outra pessoa. Em minha casa, nunca foi segredo que o meu pai teve relações sexuais com mulheres para além da minha mãe e nunca me passou pela cabeça que isso fosse algo que me dissesse sequer respeito, quanto mais pôr em causa o seu comprometimento com a família. [JV]

Serei antiquada. É possível. Mas tenho para mim que pior que ser conservador é fingir ser quem não somos. Portanto aí vai: 
Se quando fala de relação séria está a falar de amor mútuo, que tem condições de realização, digo-lhe que ele dispensa terceiros. Por norma não é sequer pensamento que aflore à mente. Mas há quem saia da norma. E quem saia até com alguma inteligência prática, como o dito arquitecto que refere. Ou, quem sabe, o próprio Miterrand. Se os intervenientes as aceitam, por que razão os outros não hão-de fazê-lo?!
Mas lembro-me de um livro de Gabriel Garcia Marquez, não sei precisar, mas parece-me que "Amor em tempos de cólera", em que o protagonista leva a vida apaixonado por uma lady. O que se passa com um e o outro durante a maior parte da vida amorosa dos dois, cada um para seu lado - e na maior parte do livro -, não macula o que, pelo menos no caso dele, os prende. Ele não se coíbe de ter mulheres, ela casa com outro, tem filhos, envelhecem ambos separados... e, no caso dele, é como se essa existência quotidiana seja qualquer coisa de paralelo, que não inibe nem incentiva. Porque está aquém. São dimensões diversas.
Não me parece que essa seja uma relação aberta. Era a que podia ser. Mas apeteceu-me contá-la. [bea]

E as pessoas são todas diferentes. No meu caso, daquilo que já descobri de mim própria, não consigo estar com alguém (sexualmente) de quem não me sinta próxima, a nível sentimental. Mas há quem separe as águas (sexo e amor) com grande facilidade, o que é mais frequente (ainda que não exclusivo) nos homens. Por isso, não acho que alguém ame menos outrem apenas por ter vontade (desejo!) de estar com outra. Se alguém se compromete a não estar com mais ninguém, é claro que fazê-lo é cometer uma traição, quebrar uma promessa. Mas isso é outra história: cada um é responsável por aquilo a que se compromete.

Quanto a ciúmes, também todos somos diferentes. E podemos ter ciúmes de um(a) amante, de um(a) amigo(a), do tempo que o nosso parceiro dedica ao trabalho, a um hobby, de um animal de estimação, etc. 

Por fim, não creio o cerne da questão relação séria(aberta esteja em ela "dispensar terceiros": com certeza que esse "sacrifício" será/é possível. E, para alguns, nem é sacrifício nenhum, porque simplesmente só querem estar com uma pessoa. Mas exigi-lo, exigir que alguém renuncie à escolha de estar com outra pessoa, que nos ofereça essa sua liberdade, parece-me quase uma brutalidade. E que, na verdade, não serve de nada, porque se alguém se apaixona por outra pessoa, não é por não estar ou não poder estar com ela que se vai desapaixonar (aliás, quase sempre o efeito dessa proibição será o inverso: estilo o fruto proibido é o mais apetecido). [JV]

Todos nós somos uns ases teoricamente e na prática grandes aselhas. 
Ninguém, suponho, exige fidelidade. Confia-se que ela exista. E cobra-se se não existe. Por ser uma quebra de confiança, a traição é um golpe profundo numa relação e no amor que lá exista. Pelo que representa. Mas também porque o pior de cada um, aquilo que o amor iludiu ou afastou, se expressa em força. Não é montanha fácil de escalar. 
E não vejo que Miterrand fosse assim um mentiroso por dizer a várias mulheres que eram o seu sol; se o disse em tempos diversos, por que razão não estaria falando verdade?! Quase diria que pertencia ao género amores seriados, se não fora manter a legítima cuja existia fora da seriação.  
Também não vejo o cristianismo com esse peso negativo. É verdade que não estudei a seita nos seus tempos iniciais, ma fiquei curiosa, o que a faz ser menos higiénica que outras? As relações de um para um continuam a parecer-me saudáveis. E, ainda que a promessa seja arrojada, é exactamente assim que ela é sentida na altura: para sempre. Não o sendo, mais vale nem começar.[bea]


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A itálico as palavras da Leitora bea.
A direito as da Leitora JV
(Em comentários lá mais para baixo)

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Fotografias de Rosendo Ayala Dávila

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Não posso adiar o amor 
(António Ramos Rosa dito por José-António Moreira)


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E caso tenham vontade de padecer, queiram, agora, descer até ao meu comentário a propósito do Sérgio Figueiredo, esse insuportável basófias, que, com o pretexto de entrevistar António Costa, foi para ali, para a TVI, encher a paciência dos telespectadores.


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1 comentário:

bea disse...

JM, isso não se faz.
BFS.