sábado, julho 23, 2016

Coisas normais em tempos de medo e perplexidade






Por motivos que agora não vêm ao caso, hoje estava em casa a horas em que ainda costumo estar a trabalhar ou enlatada no meio do trânsito. Sozinha em casa, tempo totalmente meu. Mas, como já saberão os que daqui já me conhecem há algum tempo, não me dou bem com a ociosidade. Ter um tempo para mim que não precise de ser conquistado, comigo não funciona. Se não tenho tempo para nada, parece que arranjo tempo para tudo. Tê-lo de mão beijada, desconcerta-me. Podia ter pegado num livro, podia adiantar o blog, sei lá -- e isto para não falar em ocupações mais imperiosas como, por exemplo, pôr papelada em ordem. Mas não dá. Abate-se em mim uma indolência quase incapacitante.

Portanto, deitei-me no sofá e liguei a televisão. Em todos os canais o tiroteio em Munique. Ainda há pouco tempo, um ou dois meses, parte do meu pessoalzinho lá andou a passeio. Só de pensar nisso, fiquei ainda mais incomodada. A vulnerabilidade absoluta de todos nós pode ter um efeito paralisante. As televisões começaram a encher-se de comentadores. Até o Francisco José Viegas lá estava, não sei se ao lado de um polícia, não sei se era no Correio da Manhã TV. Ninguém sabia de que se tratava mas já toda a gente opinava. As mesmas imagens em contínuo. em todos os canais. Um sapato abandonado, os polícias de arma apontada, gente a sair com ar assustado.

Não sei ainda de que se trata mas acho que uma propaganda destas, mostrando em tempo real, durante horas, carradas de polícias na rua, armados até as dentes, tudo aquilo parece mais uma das omnipresentes séries ou filmes de violência que as televisões e os écrãs de cinema passam a toda a hora, tornando a agressividade, a raiva ou a loucura tópicos essenciais na indústria do entretenimento -- onde a morte é um elemento banal, imprescindível para manter a atenção.

Algum dia, alguém ainda há-de estudar o efeito perverso que a comunicação social e a indústria do cinema e da televisão têm na banalização do mal.

Fica-me a ideia de que os malucos encartados, os ressabiados, os deprimidos, os violentados ou rejeitados não se ensaiam muito para, em momentos de revolta, angústia ou desligamento afectivo do meio envolvente, resolverem 'partir tudo', 'limpar o sebo a uma data deles', provarem ao mundo que não deviam ter sido descartados, provarem que falavam verdade quando diziam que ainda iriam 'ouvir falar muito' deles.

Ou seja, não me parece muito difícil que gente com problemas de rejeição ou abandono, com vidas desestruturadas e sem esperança num mundo melhor, se vire para os cavaleiros do neo-apocalipse, para os neo-vingadores, para esses neo-convertidos que se vestem de guerreiros do deserto, enrolados em vestes de neo-profetas e armados como se estivessem num jogo de guerra. E esses neo-guerreiros (do Isis ou do que calhar) também não desdenharão a adesão de tudo o que é doido varrido, pronto a lançar o terror e sem medo de morrer.

Não sei quais as motivações do(s) atirador(es) de Munique pelo que mais não sei nem quero dizer. Não tenho conhecimentos sobre o assunto.

Preocupa-me, isso sim, a falta de lideranças fortes, democráticas e inclusivas no mundo ocidental. O actual bando de galináceas que por aí pulula, vendendo-se por tuta e meia e ferindo a dignidade das populações, fazendo acordos com ditadores, criando guerras e depois fechando as fronteiras às vítimas, com a xenofobia e o racismo a brotar como perigosa infestante, isso, sim, parece-me favorecer um perigoso caldo onde não será difícil que germinem ódios, demências ou desvarios.

Mas não sei. Pode isto não ter nada a ver. Como não ouvi os comentadores a metro, não me instruí.

Abreviando; aborrecida por ver o festival de comentadeiros que as televisões arrebanham mal lhes cheira a pólvora ou a cadáveres no passeio cobertos por curto lençol, parti para a maluqueira do zapping alternativo.

Não sei em que canal parei mas sei que fui parar a um onde as pessoas iam fazer operações plásticas correctivas depois de outras opreações lhes terem corrido mal. Uma chinesa tinha mudado o formato dos olhos e a cara agora parecia, dizia ela, o rabo de um macaco. Para além disso, tinha ela mesmo injectado nas maçãs do rosto um silicone que comprou pela internet. Comprou todo o que podia por 100 dólares. O médico dizia que era um perigo porque são produtos não sujeitos a controlo, que podem causar sérias alergias ou até pôr a pele preta. Agora queria voltar a parecer chinesa.

Outra era a ex top model Janice Dickinson, mudada de alto a baixo, um rosto estranho, a boca informe -- e que dizia que estava tudo muito bem. Maravilhosa - excepto no peito, dizia ela. Que, como tinha nascido com peito pequeno, tinha posto implantes de silicone já há uns 30 anos. E que agora tem pregas na pele do peito e que sente que há coisas a nadarem dentro dos seios. O médico explicou que aquele tipo de implantes tem que ser substituido de 10 em 10 ou, vá lá, de 12 em 12 em anos e que, depois disso, correm o risco de rebentar. Mostravam, então, os seios dela: uma coisa quase assustadora. A preocupação dos médicos era com o facto de ela ter tido problemas com drogas e, portanto, não ser aconselhável medicamentos de tipo narcótico. Ora aquela operação ia ser muito dolorosa.

O programa depois parou ali e deve continuar num próximo episódio. Fiquei com pena, gostava de ver como fivava a chinesa ou como ia a Janice reagir. Depois deu o Project RunWay e tive a sorte de papar os dois últimos episódios daquela série, ficando a conhecer de mão beijada o vencedor. Gosto imenso destes programas. A criatividade instantânea aliada ao virtuosismo técnico fascina-me. Do nada, desatam a fazer vestidos, casacos, saias e blusinhas altamente originais e tudo bem feito. Como eu gostava de ser assim.

Escusado será dizer que o meu marido já estava farto de protestar: não apenas não são programas do seu agrado como eu estava a ocupar-lhe o sofá. Dizia: 'Olha lá, não tens que ir fazer o blog?'. Portanto, aqui estou agora.

Entretanto, depois de vaguear pelos canais, agora está a ver a tourada na RTP1.
Custa-me pensar no sofrimento dos touros, claro que sim, mas tenho em mim um lado bárbaro: também gosto de ver tourada. Agora, por exemplo, estou a escrever isto e a espreitar a pega que teima em não se concretizar. Aliás, o primeiro aviso acaba de soar.
Já conseguiram. Bom embarbelamento.

E eu penso que a esta hora deve estar a dar o Expresso da Meia-Noite e que me estou a marimbar para o que toda essa gente diz, ou que, se calhar, a esta hora, já se conhecem os contornos do que se passou em Munique mas também não me apetece ir averiguar.

Entretanto, andei à procura de imagens para aqui colocar que ilustrassem a banalização do mal e lembrei-me de pôr o Graham -- que, coitado, pode ser horroroso mas mau acho que não é. Contudo, penso que ilustra bem o nonsense desta sociedade. A razão de ter sido criado pode ser meritória mas parece que a a mente começa a puxar demais para o lado do monstruoso. Transcrevo:
He might look a little different but I assure you that he’s human. Well, sort of. The reason he looks the way he does is because his body has been modified to withstand a car crash.
He has multiple nipples to protect his ribs like a natural set of airbags
Graham was created as part of a new Australian road safety campaign by the Transport Accident Commission (TAC). He was designed by sculptor Patricia Piccinini, a leading trauma surgeon, and a road safety engineer, who modified him based on their own knowledge of traffic accidents. The result isn’t a pretty sight but it’s certainly a sobering one. As you can see, Graham doesn’t have a neck because these snap easily in car accidents. He also has a flat, fleshy face to protect his ears and nose. And if you’re wondering about all those extra nipples, they’re to protect his ribs like a natural set of airbags.
Don’t have a body like Graham’s? Then think about slowing down next time you’re behind the wheel.
Em contrapartida, quis começar e acabar com imagens que ilustrassem a beleza da natureza. Queria imagens que mostrassem que ainda há lugares puros e belos e que se transfiguram em belezas ainda maiores quando são olhados com desvelo. É o caso da última (aqui abaixo) e das duas primeiras fotografias da autoria de Joni Niemelä, um fotógrafo autodidacta de Southern Ostrobothnia, Finlândia.


Lá em cima, a música é interpretada por um menino muito talentoso, George Ezra, que aqui aparece num divertido mano a mano.

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E agora vou à procura de poesia dita ou de dança.

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Ora bem; cá temos um momento poético


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Desejo-vos, meus Caros Leitores, um belo sábado

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1 comentário:

bea disse...

Estou passada de canseira mas apreciei - sobretudo - o momento poético.