domingo, junho 05, 2016

Feira do Livro de Lisboa, 2016 - breve reportagem fotográfica


Bem, agora que já falei da minha caminhada rente ao rio e que divaguei sobre arte, deuses e gatos, voupartilhar convosco a minha incursão pela Feira do Livro. 

Quando para lá vou, vou debaixo de recomendações e protestos. Que não é para passarmos lá toda a tarde, que, se estiver muito calor, é para abreviar, que, com tanto livro ao longo do ano e tantos e tantos por ler, que não me alargue, etc. E eu tento assimilar as recomendações, parecem-me sensatas.

Vou sem listas, sem nada em mente, apenas esperando descobrir alguma coisa que me interesse. E, quando lá chego, não fico especialmente entusiasmada. Estes são os novos tempos e, desde há muito, os livros foram dessacralizados.

Preferia ter livros, só livros -- e, num local bem definido, então, zonas de lazer, barraquinhas de comes e bebes. Mas não, agora os livros estão em stands, em big expositores, misturados com toda a espécie de diversão, quase perdidos no meio de uma multidão. 

Mas, enfim, livros são livros e a Feira do Livro é a Feira do Livro (La Palice não diria melhor). E, no meio de toda aquela gente, ainda se conseguem descortinar algumas pessoas que notoriamente estão ali mesmo só pelos livros (de qualidade) e constatar isso, parecendo que não, transmite-me algum conforto.




Gosto de fotografar o ambiente dos lugares. Por vezes, parece que preciso de ver as fotografias para confirmar que não retive uma impressão errada. Não andei a fotografar os stands porque isso seria desagradável para quem lá está mas fotografei, um bocado ao acaso, o espaço por onde ia passando. O que aqui vêem é isso: o que eu vi (para além dos livros, em si). Não consigo aqui colocar, para a imagem ser mais vívida, o cheiro a fritos que, por vezes, é incomodativo ou a voz que, em permanência, anuncia onde estão os escritores a darem autógrafos ou outras informações.


Ao contrário do que fiz noutros anos, desta vez não fotografei os escritores. Sempre me fez impressão e, por isso, nunca me dirigi a nenhum para pedir autógrafos ou para lhes dizer umas simpatias.

Acho que há qualquer coisa de desagradável nisto de um escritor se expôr na feira, ali sentado à espera que algum leitor lá vá. Muitos ali estão sozinhos. Faz-me impressão, pronto. Outros, coitados, parecem médicos com os doentes a sentarem-se à sua frente e a dizerem coisecas. Acho que isto os fragiliza. Dá ideia, se nenhum leitor lá for, que ninguém os conhece ou lhes liga. E eu, mesmo que os conheça ou lhes ligue, acho que não tenho nada de jeito para lhes dizer, não quero ser simpática por ser, obrigando o pobre escritor a agradecer-me a simpatia. Não gosto. Se calhar eles gostam ou não se importam. Mas a mim isto sempre me fez impressão.


E depois há outra coisa. Grande parte do aparato que por lá se vê são aqueles best sellers da treta, capas aparatosas, alta promoção, escaparates, prateleiras espampanantes. Passo por esses stands e não páro, são muitos, de seguida, com baracas de queijadas e ginjinha de Óbidos, churros, gelados, esplanadas pelo meio. Às tantas nem sei se estou a passar por alguns com interesse mas o calor, a barafunda, os cheiros e tudo aquilo me maça. E escritores de que nunca ouvi falar.


Passo por mesas onde, conforme anuncia a voz, escritores estão disponíveis para dar autógrafos ou conversarem com os seus leitores, e olho admirada: de onde saíu tanto escritor e tanta escritora?

Abri excepção para fotografar este quarteto aqui em cima apenas para exemplificar esta minha dúvida: terei estado uma temporada em Marte para agora, ao regressar, me dar conta que Lisboa foi invadida por dúzias e dúzias de novos escritores? Quem são estas bem dispostas ladies?

Já no caminho de regresso a casa (a casa dos meus pais, mais concretamente), mais umas fotografias para mostrar a parte de trás da feira.


E, à medida que nos afastávamos, os relvados com gente que, essa sim, curtia a frescura da erva e da sombra. Não estivesse eu já com o tempo contado, que vários compromissos ainda me esperavam, e por ali me teria estabelecido, deitada, à fresca, olhos fechados até que o sono chegasse. É que, palavra, tanta gente, tanto calor e tanto stand, estava mesmo cansada, cheia de sono.


Mais à frente, junto ao lago perto da Estufa Fria, ainda se devia estar melhor, tanta a gente que, por ali, estava pousada.

Há por ali um arbustos floridos que, juntamente com os jacarandás lilases, deixam um perfume maravilhso no ar que se mistura com a sombra, entrando de mãos dadas no nosso olhar, na nossa respiração. Só pode ser saudável. E é muito tranqulizante.


Lisboa tem lugares que são muito bonitos, muito bons para se estar, e este é um deles. Mesmo num dia de multidão e calor, é possível encontrar recantos de sossego, frescor e beleza.

Não deve haver lugar mais privilegiado para fazer uma Feira do Livro do que este. O Parque Eduardo VII é lindo -- pela sua vegetação, pelos seus meandros, pela sua largueza, pela sua vista.

E já dispõe de infraestruturas de apoio, como casas de banho. Achei graça ao que Eduardo Pitta escreveu mas, enfim, acho que, apesar de tudo, há ali algum exagero -- um exagero divertido, de qualquer maneira.


Aquilo de me queixo não tem a ver com o lugar, tem a ver com a mercantilização que tomou conta de forma quase avassaladora do mercado editorial. Mas sei que isso é fruto dos tempos - e nada há a fazer. Quem goste de livros de verdade que os joeire.

E joeirei. Na medida do possível, dadas as circunstâncias acima referidas que me perturbam e me deixam sem paciência para andar a furar a multidão. Portanto, estes que aqui abaixo se vêem são o fruto da monda.

Como se vê, trouxe a Sibila. Já o tive. Mas não sei do meu livro, se calhar emprestei-o e não sei a quem. Deixei de o ver. Trouxe-o de novo, não vá o outro ter-se perdido irremediavelmente de mim.

E trouxe também um do meu primo (duplamente afastado, mas primo). Deveria ter trazido em duplicado para dar também à minha mãe. Mas estou na dúvida se não o terei já mas de uma outra editora ou com outra capa. Tenho que lê-lo para ver se me lembro. Para já, à vista ou arrumado no sítio devido, não o encontro.

(Em cima de uma carpete de Arraiolos que fiz quando não me perdia a escrever o UJM)

E já comecei a ler o princípio do pequeno livro de Raduan Nassar, Um copo de cólera, e estou fascinada com o fulgor e a sensualidade desta escrita. A ver se amanhã transcrevo um pouco para mostrar as que não conhecem. Raduan Nassar é o Prémio Camões 2016. Publicou apenas três livros. Mas começa a ler-se o que escreve e não se consegue parar, tal o encantamento: isto, sim, é um escritor.

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Lá em cima Brad Mehldau interpreta Prelude to a Kiss
(e há lá coisa melhor do que o prelúdio de um beijo?)

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E aceitem, por favor, o meu convite e continuem descendo até à beira do rio.
Pode ser que, por lá, encontrem um ET ou um gato.

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