segunda-feira, maio 09, 2016

Querido Diário - 4
Hoje vi graffitis de toda a espécie
(e -- sabes, querido diário? -- cada vez gosto mais desta forma de arte)


Ande por onde andar, pelas ruelas de qualquer vila ou cidade onde veja parede gasta, casa abandonada, escusa viela, beco mal afamado ou varanda vazia, aí estou eu espiando vestígios, panfletos, lamentos, declarações de amor, recados, loucuras, manifestos, sonhos, alucinações, sobreposições, camadas de vida -- uma riqueza acima de qualquer descrição ou métrica.



Seja junto ao rio, seja nas avenidas maiores da capital, aí estão elas, as pinturas de parede. Maravilhosas. Há uma vitalidade que contraria a decadência. Mas não posso dizer assim senão parece que não aprecio a decadência e não é verdade: há uma estética na decadência que me toca. Por isso, não é que a vitalidade dos graffitis contrarie a decadência mas traz novas dimensões à sua estética.


O mundo que eu habito não é a três dimensões, nem a quatro, nem a cinco. O mundo que eu habito não tem só a dimensão da altura, comprimento e largura, tem outras: a dos cheiros, a das cores, a da luz e sombras, e também a dimensão das memórias, das clandestinidades, dos sonhos, dos mistérios, do futuro que habita o presente. Não sei explicar. Sei que não existem fronteiras entre essas camadas e que tento que todos os meus seis sentidos estejam activos para poderem detectar o que me é dado apreender. 


Os graffitis para mim têm esse lado nobre de enriquecerem a idade das paredes, de lhes acrescentarem história, de gravarem recordações, de nos transportarem para outros lugares, de colarem rostos demasiado humanos à pedra dos dias, de gritarem palavras de esperança, de nos retirarem da nossa comum indiferença.

Eu, pelo menos, penso assim. Mas se calhar não me sei explicar muito bem.


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E queiram, se vos apetecer, descer até ao capítulo 5 do meu diário de domingo. dai poderão depois descer até ao 6.

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