segunda-feira, maio 30, 2016

E, então, o mar




Talvez por quase ter nascido com os pés na água, muita praia, muita ida com o avô apanhar isco para a pesca, depois com o pai, depois ir com o pai à pesca, e sempre praia, praia, praia, e depois, adolescente, passear à beira rio, e, em casa, levantar-me e ir à varanda ver o rio, e depois já em casa minha, levantar-me e ver o rio, sempre, e, pelo meio, sempre praia. Ou talvez por ser de um signo da água. Ou isso não tem nada a ver e é mesmo de mim. Ou talvez algum bisavô marinheiro, sei lá. O meu avô materno, o que morreu quando eu era bem pequena mas de quem me lembro a pôr-me às cavalitas, enorme, alto, cabelo muito louro, olhos muito azuis, mais um nórdico do que um sarraceno, sei lá de onde veio, talvez tenha sangue viking. Mas sei lá. O que sei é que, se me embrenho pelo meio das árvores -- e gosto de sentir a terra, e gosto de cavar e de plantar e não uso luvas porque gosto de sentir a terra, e gosto de podar árvores e tudo sem luvas porque nada como o toque da terra, das pedras, da madeira viva -- logo depois é a vontade do mar que me invade. O mar. Vontade de estar junto ao mar. 


O azul a sul, a luz azul do sul, as gaivotas que quase parecem brancas, longas asas, as gaivotas omnipresentes, na praia, nos lagos, junto às casas, nas igrejas, dir-se-ia que esta é a terra das gaivotas. Não estranham as pessoas, não se inibem.


Vivem em liberdade, fazem o que querem, brancas e descansadas ao sol do sul. Mergulham, esvoaçam, brincam, nadam, dançam, repousam, contemplam.


A cidade tem pouca gente, é bom andar por aqui nesta altura. Dos veleiros saem homens tisnados que se sentam, ruidosos, bebendo cervejas, rindo. Por vezes, vêm mulheres com eles, igualmente tisnadas. Ao nosso lado, a jantar, uma mulher louríssima, muito bronzeada, toda vestida de branco e com unhas em verde brilhante como escamas de sereia.


Muitos alemães, ingleses, franceses. Sobretudo terceira idade. Mas não só. Mas nada que se compare com Julho ou Agosto. Agora a cidade está por conta das gaivotas.

Queria apanhá-las a voar sobre o branco casario mas tão alegres e velozes andavam, fazendo danças e rodopios pelos ares, que não consegui. Só as apanhei assim como aqui as vêem, deslizando feitas cisnes, banhando-se feitas patas, brincando feitas crianças ou empoleiradas feitas cegonhas.


E eu caminhei rente à água, li, preguicei, vi o pôr do sol dourando os rochedos, o azul das águas e do céu reflectindo-se no ar que eu respirava. Vivo num país tão diverso e tão lindo.


Depois, entreguei-me àquele injustificável hábito que mantenho desde menina: apanhar conchinhas. Não resisto. Acho-as tão lindas, tão perfeitas, peças lindas que o mar esculpe, brilhos e tons tão subtis, umas com superfícies nacaradas lisas como seda, outras com pequenas formações como se sobre elas se tivessem alojados outros pequenos seres.

Escuso de dizer aquilo que já se sabe: o meu marido pergunta para que ando eu a apanhar conchas, se é para ele as deitar fora algum tempo depois.

Zango-me, não quero que deite fora as minhas conchas. Mas depois não digo mais nada pois penso que, se ele não o fizesse, onde poria eu conchas apanhadas ao longo de anos?


Para preservar a memórias destas peças tão lindas, quando chego, ponho algumas em cima da blusa que vou vestir à noite e fotografo-as, tão bonitas. Um dia tenho que fazer um quadro com conchinhas e pedrinhas e restos de corda e espelhos e o som das ondas e dos gritos das gaivotas.

A ver se acho ou, se não achar, se compro a concha de um búzio, daquelas que, se lhe encostarmos o ouvido, escutamos o rugido do mar. Talvez, tendo a concha de um búzio comigo, suporte melhor a distância do mar quando, na cidade, estiver num lugar onde as janelas não se podem abrir e de onde não me chegam os sons da rua.

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No meio de tanto azul, vi há pouco, na televisão uns quantos betinhos e beatinhas, convenientemente pintados de amarelo, com crianças a fazerem umas coreografias e outros a actuarem, de cartazes em punho e muita mobilização dentro deles. 


Parece que uma espécie de instinto revolucionário se apoderou deles, andam eufóricos. Mas, pensando melhor, o que dá mesmo é a ideia de que uma força organizativa poderosa os anda a apoiar - ou melhor: a manobrar (a JSD, a JC e a Igreja em promíscuo conúbio?) - e, quequemente, querem, porque querem, que o zé povo suporte, com os seus impostos, as mordomias a que se acham com direito. Querem, porque querem, poder escolher o que, na cabecinha deles, é a 'melhor escola'-


Podem ter, lá na rua, uma escola pública mas não pessebem puque é ke hão ter que ir estudar com os pobrezinhos se podem ir para um colégio supé bom só pa eles. Parece que o senhor cardeal acha que eles têm supé razão e que a madame cristas também não pessebe puque é ke não fecham antes as escolas públicas. E, como as televisões gostam muito de fuzué, estiverem montes de tempo a mostrar aquela supé manifestação, podre de grande.


Ora eu, numa de indignação, poderia dizer-lhes: a pata que os pôs! mas, dado estar na terra das gaivotas, até fico sem jeito de dizer isso. Mas, como acho que eles não precisam de ajuda para se enterrarem ainda mais e, de resto, até já se pintaram de amarelo, acho que não preciso de dizer nada. O ridículo de qe andam a cobrir-se se encarregará de os pôr na ordem.

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Lang Lang interpreta um sonho de amor: Liebestraum de Liszt
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Desejo-vos, meus Caros Leitores, uma belíssima semana a começar já por esta segunda-feira.
Saúde, afectos, alegrias e dinheiro para os gastos - para todos quantos me lêem.

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3 comentários:

Anónimo disse...

Esta manhã ouvi as declarações da Secretária de Estado, Alexandra Leitão. Uma mulher de armas, articulada, excelente! Quanto aos "amarelos", aquilo é uma gentinha insuportável! E a manipularem crianças e miudagem, inqualificável! Quanto à Igreja, a sua atitude é profundamente reprovável. Inaceitável! Mas, no fim de contas, na tradição daquilo que sempre foi. Depois de ter servido de suporte a uma ditadura reaccionária durante mais de 40 anos, uma vez mais coloca-se do lado dos fariseus. Esta Igreja e o Conselho Episcopal podem ser católicos, mas nada têm de critãos.
P.Rufino

Anónimo disse...

em manifestações sabe qual a cor atribuída aos traidores, ladrões, bajuladores?
ah poisé: o amrelo

GG

PS. já não vinha aqui há algum tempo
vou iniciar a ronda
;)

Maria disse...

Há muitos portugueses loiros, de olhos azuis, altos, espadaúdos se forem originários dos locais por onde passou a malta das invasões francesas. Nos locais onde permaneceram mais tempo então é uma razia. Ontem como hoje, violar mulheres sempre foi um troféu.

GG