domingo, março 13, 2016

Praia em Março. E memória de outras praias.




Dia de azul intenso, de um frio cortante quando o vento soprava, belo o mar, o branco ondular, a curva redonda do horizonte. 

Lá em baixo, onde o areal se abriga entre as rochas e a rebentação, estávamos mais abrigados, pouco vento, o sol bom na nossa pele, a areia macia. 

E, como sempre, o mesmo prazer: o mar, o ar salgado, o sol, o voo das gaivotas, a largueza de horizontes, a liberdade para correr, as brincadeiras, as conversas.

As crianças jogaram à bola, correram, encheram-se de areia nas suas gloriosas defesas, nos seus aguerridos remates. E nós conversámos: por muito que falemos todos os dias, temos sempre muito que falar.


Sempre fui da beira da água. Quando eu era muito pequena, não era tão frequente ir-se à praia ao longo de todo o ano, mas os meus pais iam.

Quando andava na escola infantil e depois na primária, tinha um professor de ginástica que, mal chegava a Abril ou Maio, já não me lembro bem, nos levava, até ao verão, uma manhã por semana, para a praia. Íamos num autocarro e isso, para mim, já era metade da festa. Ele e as professoras levavam um lençol que atavam a canas e montavam um grande toldo. E isso era outra festa. Mas acho que nunca ninguém lá parava debaixo. Ele levava bolas, cordas, grandes bóias. Uma liberdade imensa, a praia só para nós.

A única coisa desagradável é que eu, em pequena, odiava leite e, depois da praia, quando chegávamos à escola, íamos para o balneário, lavávamos os pés e as mãos e, depois, cada um recebia uma garrafinha de leite Ucal. Era um tormento. Aquele sabor dava-me vómitos. Mas só para não os ter de roda de mim com psicologias, a quererem convencer-me que aquilo fazia bem e que sabia bem, fazia um esforço e lá conseguia engolir tudo.

Tirando isso, era uma alegria enorme de que ainda me recordo, com um sorriso.


Sem ser com a escola, ia ao fim de semana com os meus pais e, claro, nas férias.

Gostava de andar aos mexilhões, havia-os saborosos, cheirando a mar, e eu torcia aqueles fios com que se prendiam à rocha e puxava. Andava com um baldinho, que era amarelo e tinha uma pega branca, cheio de água e punha-os lá dentro. O meu pai levava um canivete para arrancar as lapas. Por vezes, havia amêijoas. Eu gostava de as comer cruas. Mal as apanhava logo as comia, bocados de mar. Quando agora como ostras cruas, frescas, lembro-me dessas amêijoas cruas, molhadas, a escorrer água do mar.

Outras vezes, naquele período em que o meu pai tentou ser pescador, em alturas em que não havia gente na praia, íamos para Galapos e lembro-me que apanhava massacotes e que, quando tinha sorte, apanhava robalos ou, até, linguados. Ficava todo orgulhoso e aproveitava para me explicar como estes se colavam à areia, iguais à areia, para se defenderem. E, enquanto ele estava de vigia à cana ou a iscar o anzol, a minha mãe lia ou fazia tricot e eu andava entre as rochas, vendo aqueles belos seres coloridos e macios que se colavam à pedra, entre limos dançantes, ou pequenos caranguejos que eu tentava agarrar, pegando-os de lado, vencendo o medo.

No verão, já não havia pescaria, e já aqui contei como nos juntávamos todos lá, um grupo ruidosos de amigos, aventureiros. Íamos para longe dos pais, à descoberta de grutas, fazíamos escalada e eu, que sempre tive vertigens, odiava quando lhes dava para trepar bem alto e, lá em cima, saltar de rochas para rochas. Aí cortava-me e não me arriscava, esperava por eles cá em baixo

Mais tarde, para aí aos treze, antes que chegasse o  tempo de férias do meu pai (porque a minha mãe tinha mais tempo de férias mas só ia para a praia com o meu pai), passámos a ir em grupo, sozinhos, apenas com a mãe de três deles, irmãos -- fazia de conta que tomava conta daquela dúzia de adolescentes. Sempre me lembro dela, pesada, tinha um peito enorme que fazia com que parecesse vergada, sempre cansada, completamente alheada das parvoíces que fazíamos. A partir talvez dos quinze anos, ela deixou de ir, íamos nós. Apanhei escaldões sem conta. Era natural irmos no barco comparando escaldões, e puxarmos a pele uns dos outros como se fosse motivo de orgulho. Quando me lembro disso, até tremo com medo do que possa ter acontecido de mal à minha pele branca, nessa altura. 

E o que namorei na praia-- namorei e namoro, que ainda estou viva e, enquanto viver, hei-de namorar (acho eu). Na água, na areia, a liberdade do corpo, o calor bom do sol na pele, a pele salgada, o sal seco na pele ao fim do dia. 


Parece que comigo, por muita cidade que eu habite e por muito campo que me acolha, todos os meus caminhos me levam até à beira de água, ou do rio ou do mar. É uma necessidade que não se explica mas que se sente, como se junto à água estivesse o ar limpo de que preciso. E não é só para respirar: é também para ver. Tranquiliza-me a alma, enche-me de beleza. E gosto de ouvir o mar revolto ou o deslizar das águas dos rios. Gosto mesmo muito, é um alimento bom.

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O mesmo poema mas agora musicado, interpretado pelo barítono Frederick Harvey,
numa gravação antiga

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As fotografias foram feitas este sábado, na Costa de Caparica.

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Desejo-vos, meus Caros Leitores, um belo dia de domingo.

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