domingo, março 20, 2016

Entro na Primavera com guletas e sem saber onde se meteu a Agustina


Janelas de Guimarães


Portas de Portugal

Se a paisagem chama, eu, logo de cabeça no ar, nem vejo onde ponho os pés. No outro dia, encantada com a natureza e banhada por uma luz doce e perfumada, pisei uma pedra. O pé deslizou, despousou em vão. Uma dorzinha infantil. Passou logo, nem mais me lembrei dela. Dois dias depois começou a doer ali de lado, onde tinha mordido na hora. Não liguei. De resto, o salto alto é profiláctico. Mas, na sexta-feira, a dor foi subindo de tom. Ainda fiz a minha caminhada à hora de almoço, breve, apesar de tudo, mas até parecia que, se andasse mais, o músculo pequeno ali da lateral do pé, desenrolava. À noite já coxeando. Fomos jantar com uns quantos. Logo o mais pequeno, três anos, vendo-me avançar assim, decretou: tens que usar guletas. Disse-lhe que também não era caso para tanto.

Este sábado, ao levantar-me, o pé já não queria estar no chão. Inchado de lado, umas dores daquelas. Prescrevi: ibuprofeno, 600 e avancei na toma. E mais: gelo e descanso. A excepção foi a ida a casa dos pais. E, claro, o pequeno doutor estava certo, lá fui de guletas (mais propriamente, as ditas canadianas) que, de outra maneira, só se fosse ao colo.

Janelas do Porto

De resto, o dia quase todo no sofá. Como sempre que vou para qualquer lado, e ir para o sofá não é excepção, muni-me de livros. Ainda o da Agustina, e mais A Arte da Meditação, do homem mais feliz do mundo, o Matthieu Ricard, e também Um sol esplandecente nas coisas, cartas de Mário Cesariny para Alberto de Lacerda e, para terminar, Aproximações a Eugénio de Andrade, com um desenho de Jorge Pinheiro.

Fui lendo poemas, cartas, divagações, reflexões, e fechando os olhos, e, depois, como num sonho, voltando a ler. 

Pelo meio, chegaram mais uns quantos, de pé no ar preparei uma refeição, um arroz de peixe, tenho sempre receio que durante a semana comam pouco peixe e, por isso, quero compensar, depois alimentámo-nos, e, quando já mais irrequietos e eu que estivessem quietos à mesa, pediram-me uma história e eu inventei uma que metia corujas, coelhinhos vadios, grutas, aventuras nocturnas. A seguir, regressei ao sofá e, aflita, descobri que me desapareceu a Agustina. Perguntei por ela. Ninguém viu. Forneci a informação: vestida de azul. Nada. Só pode ter sido enquanto estive na cozinha. Já revirei, espreitei: nada. Os outros aqui estão, já os trouxe do sofá, mas dela nem rasto. Não tenho explicação. 

Janelas de Lisboa

Depois, eles brincando à minha volta, entretidos com desenhos ou a improvisar agrafos -- já que eu escondi os legítimos, não vão eles magoar-se com o agrafador -- fiz o post do amoroso Hotel parisiense do André Saraiva. E voltei ao sofá na esperança de que a descarada da Agustina tivesse regressado. Que nada, deve andar por aí, rindo, espreitando novas modas. Queria cruzar as palavras do Cesariny sobre a Helena (Vieira da Silva) e o Arpad com as dela sobre eles e nada, deixou-me descalça. 

Agora regressei aqui -- estou descalça (como disse) -- com um saco daqueles que tem um líquido azul que congela agarrado ao pé através de uma écharpe encarnada, e com a perna em cima de outra cadeira. E ouço que está a chover. Gosto de ouvir chover enquanto estou aqui, quase às escuras, nesta conversa mole e a ouvir a Keren Ann a cantar, precisamente, Where did you go?

Janelas da Ericeira

Cheguei, pois, aqui ao computador e vejo, no google, que começou a Primavera. Ainda não me habituei a isto. Não que seja avessa à mudança mas isto acho que nem foi mudança, que foi imposição. Eu, pelo menos, não dei por nada. A Primavera começava a 21 de Março, acho eu, e agora, sem mais nem ontem, começa a 20. Não é de hoje, já foi assim umas vezes antes mas não dei conta de quando foi a primeira vez. Também pensava que no primeiro dia de Primavera era o Dia da Poesia e afinal a Poesia foi a 19 e eu queria ir ao CCB, tinha tanta vontade, ia gostar de ver os rostos de quem ama a poesia e, afinal, fiquei aqui retida e a pensar quem me manda a mim andar sempre a olhar tudo em volta em vez de andar a ver por onde pára a minha sombra ou as pedras que vêm esconder-se debaixo dos meus pés. 

E, com isto tudo, acho que não tenho mais nada para dizer a não ser que amanhã espero bem já poder andar quase normalmente porque o ibuprofeno e o gelo têm mais é que fazer efeito e que, como passei o dia quase todo fechada em casa, me lembrei de aqui ter janelas. Fui à procura e encontrei o André Vicente Gonçalves, um Portuguese computer-scientist-turned-photographer que, entre outras coisas, fotografa janelas e portas por todo o mundo. Só aqui coloquei montagens relativas a Portugal pois são lindas as nossas.


Janelas de Sesimbra

E, assim sendo e nada mais havendo a dizer, vou-me mas, já que é Primavera, não sem antes oferecer flores a cada um de vós:


Trouxe-te um ramo de frésias
(não eram essas as flores dos jardins de Castelo Branco?)
embrulhadas em celofane
por causa do frio
Trouxe-te um ramo de frésias
já que não te podia trazer um rio

[Aniversário da autoria de Jorge Sousa Rego, dedicado a Eugénio de Andrade, num dos livro que acima referi ]


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Desejo-vos, meus Caros Leitores um belo domingo e que todos (ou quase todos) os dias desta Primavera que hoje começa sejam dias de alegria.

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6 comentários:

Anónimo disse...

Engraçado como as janelas mais coloridas são as da cidade cinzenta!? Rita

Anónimo disse...

só faltou fazer esta reforma - http://www.sol.pt/noticia/384920/passos-quer-reduzir-custo-do-trabalho-para-as-empresas

e ganhou as eleições, o tuga é mesmo assim quanto mais me bates mais gosto de ti


https://dl.dropboxusercontent.com/u/68156231/IMK%20Report%20-%202015.pdf, e a cereja é ser um estudo de uma instituição alemã, o IMK, Instituto de Política Macroeconómica e de Conjuntura.


Bob Marley

Anónimo disse...

O início da Primavera este ano foi às 4.30 de 20 de março, momento em que aconteceu o equinócio. Há anos que calha a 21.
Cumprimentos
F.Arroja

Um Jeito Manso disse...

Olá Rita!

Tem razão. Não tinha reparado mas é mesmo. E bonitas que são. Aliás, são todas bonitas.

Um abraço.

Um Jeito Manso disse...

Olá Bob,

vou ler com atenção e obrigada pela informação, sempre preciosa.

Mas tem razão: por mais que ele tenha feito, parece que ainda houve muita gente que gostou. Por estranho que possa parecer, são os mais prejudicados que mais gostam dele.

Obrigada!

Um Jeito Manso disse...

Olá F. Arroja,

Agora até me pôs com um sorriso divertido. Então é isso? Bolas! Então até há uma razão razoável? E eu a achar que isto andava desregulado... Na volta toda a gente sabe disso e eu aqui, feita burra, sem perceber qual a lógica da coisa.

Obrigada! Obrigada pela informação e por me ter posto aqui a rir sozinha.