quinta-feira, fevereiro 18, 2016

À atenção da comunicação social de sentido único e dos comentadeiros-avençados:

É mesmo, Schäuble?
.... e ....
O dia feliz do senhor Wolfgang

[A palavra, respectivamente, à Mariana Mortágua e ao Xilre]


Na íntegra, dois textos altamente instrutivos -- com a devida vénia aos autores.

Mariana Mortágua

É mesmo, Schäuble?


Verão de 2007. Portugal estava a banhos e descansava sobre um crescimento económico de quase 2,5%, a que se juntava o défice abaixo das exigências de Bruxelas e uma dívida de 68% do PIB.

Do lado de lá do mar, o sentimento era outro. O Lehman Brothers mostrava os primeiros sinais de instabilidade. Ainda assim, ninguém fez grande caso, até o banco apresentar perdas de 3900 milhões, deixando os mercados em estado de sítio. O resto da história já sabemos. O fim da bolha do imobiliário norte-americana deixou o sistema europeu em apuros, secou o financiamento à atividade económica e obrigou a gigantescos resgates com dinheiro dos contribuintes. As economias periféricas, mais frágeis, foram as primeiras a cair, assim que a loucura dos especuladores chegou às dívidas públicas. Sob a pressão das agências de rating, o financiamento dos estados ficou insuportavelmente caro, precisamente no momento em que era mais necessário. E, tudo isto, sob o olhar parado e indiferente do todo-poderoso BCE.

Passaram oito anos. Com desemprego, pobreza e recessão, os países periféricos pagaram o facto de serem a economia errada, no momento errado, no sítio errado. Promessas foram feitas: os mercados seriam controlados. Mas, desde então, o BCE injetou milhões de milhões de euros num sistema financeiro que continua demasiado endividado, forrado de ativos tóxicos ou desvalorizados pela crise prolongada na Europa. Crise europeia que, diga-se, o desempenho das economias emergentes já não consegue mascarar.

Eis agora que o maior banco alemão, o Deutsche Bank, aparece a anunciar perdas de 6000 milhões de euros, sabendo-se que detém derivados no valor de 65 triliões, umas vinte vezes o PIB alemão. E que foi condenado a pesadas multas por manipulação de mercado. Perante isto, tudo isto e mais a crise dos refugiados, o perigo da extrema-direita e a eventual saída do Reino Unido da União Europeia, o ministro das finanças Alemão, Wolfgang Schäuble, não encontrou melhor explicação para o "nervosismo" dos mercados do que o Orçamento do Estado português, o tal que se atreveu a fazer valer, ainda que timidamente, um pouco de autodeterminação.


Isto já só não espanta quem tiver deixado de ver para além da pequena gaiola onde nos enfiaram com a história do "portem-se bem, a culpa é toda vossa, viveram acima das vossas possibilidades". Uma Europa lamentável e, acima de tudo, muito triste.

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in Xilre



O senhor Wolfgang olhou para a neve que lhe tapava a janela do quarto e ainda assim sorriu. Estava feliz. É certo que tinha que se ralar com a impopularidade da chefe do seu acolhedor país, com uma cratera nas contas do maior banco do seu impoluto país, com a perda de encomendas no maior fabricante de automóveis do seu regrado país. Mas ao menos hoje, pela saúde da águia, ao menos hoje não tinha que se preocupar com os juros da dívida pública daqueles calaceiros do sul. O senhor Wolfgang estava tão radiante que até saiu em roupão para atirar bolas de neve aos passantes, com os olhinhos a cintilar por trás das astutas lentes.
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E claro que podia juntar mais literatura de apoio como, por exemplo, O regresso dos gémeos tóxicos das finanças europeias da autoria de Wolfgang Münchau (a que fui parar através do Vida Breve). Mas, para já, acho que chega. Contudo, se os papagaios avençados das rádios, televisões e jornais precisarem de mais, disponham: estou aqui para ajudar.


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E caso queiram saber o que acho do apoio que António Costa deu ao Carlos Costa no sentido de, caso ele precise, lhe dar um little empurrão  já que ele, pelos vistos, não tem força anímica para de lá se desalapar, queiram, por favor, descer até ao post já a seguir.


1 comentário:

Anónimo disse...

Excelente análise, este de Mariana Mortágua!
Estou para ver os efeitos de uma eventual rotura ou falência do Deutsche Bank e como a Comissão Europeia e os tais Mercados irão reagir!
P.Rufino